As causas de uma “crise eucarística”
Origens
teológicas da “crise eucarística”
As heresias dos reformadores acerca deste Sacramento produziram a defesa
dogmática que, depois do Concílio de Trento, se tornou ainda mais firme. Foram
nos últimos séculos que, graças à influência do protestantismo liberal, novas
ameaças começaram a pairar sobre este sacramento. Precisamos proceder por
partes.
O abuso do método histórico-crítico na leitura da Sagrada Escritura
Gerhard Hasel, em seu livro Teologia do Antigo Testamento, explica as fases que
os estudos bíblicos tiveram no protestantismo. Segundo ele, “o
princípio protestante Sola Scriptura, que se transformou no grito de guerra da
Reforma contra a teologia escolástica e a tradição eclesiástica, preparou o
terreno para o desenvolvimento subsequente da teologia bíblica através de sua
conclamação à ‘livre interpretação’ das Escrituras” (p. 13).
Um segundo momento seria o originado pelo pietismo. “O retorno
ao domínio da Bíblia, característica do pietismo alemão, deu novo curso à
teologia bíblica. Nesse movimento, esta tornou-se um instrumento de reação à
árida ortodoxia protestante’. Philipp Jacob Spener (1635-1705), um dos pais do
pietismo, combateu o escolasticismo protestante munido da ‘teologia bíblica’” (p.
14).
A partir daí, ele narra com grandeza de detalhes como a teologia bíblica
se foi independentizando da dogmática até que chega um momento decisivo, no final
do século XVIII:
“O neólogo e racionalista Johann Philipp Gabler (1753-1826), que nunca
escreveu ou mesmo pretendeu escrever uma teologia bíblica, contribuiu de forma
decisiva e marcante para o desenvolvimento da nova disciplina, com sua palestra
de abertura na Universidade de Altdorf, em 30 de março de 1787. Esse ano marcou
para a teologia bíblica o início de seu papel de disciplina exclusivamente
histórica, totalmente independente da dogmática. Gabler dá sua famosa
definição: ‘A teologia bíblica possui um caráter histórico: ela transmite o que
os escritores sacros pensavam de temas divinos; já a teologia dogmática possui
um caráter didático: e transmite as ponderações filosóficas de determinado
teólogo acerca de temas divinos, levando em conta sua capacidade, época e
região em que viveu, e orientação ou escola, entre outras coisas’” (pp. 17-18).
A partir daí, Hasel traça todo o caminho pelo qual a crítica histórica
se tornará cada vez mais hegemônica até que aconteça o processo inverso: uma
vez tendo se independentizado da dogmática, as ciências bíblicas quererão
construir uma própria teologia a partir de suas novas suposições. O método
histórico-crítico, portanto, não é o problema em si, mas o abuso no seu uso
passou a ser um problema na medida em que se pretendeu criar uma nova teologia.
Novas teologias
A tentação de se reconstruir a teologia depois do desmonte da Escritura
é muito forte. Se Lutero havia semeado o veneno do Sola Scriptura, o processo
subsequente fará com que a Escritura seja desmontada. Consequentemente, os
teólogos não conseguirão resistir à tentação de refundar a teologia sobre as
novas especulações bíblicas e até arqueológicas.
O cristianismo, obviamente, é muito maior do que tudo isso. Como de
algum modo reconhece Gabler, o cristianismo consiste na fusão entre a tradição
Escriturística e a elaboração da Sagrada Tradição, recepcionante da síntese
filosófica que aglutinou os maiores pensadores de todo o tempos, desde a
filosofia até o direito. Nesse sentido, o cristianismo é a síntese mais elevada
da história; e o marco epistemológico no qual se situa está muito além da pura
e simples textualidade bíblica, pois, sem negá-la ou suprimi-la, assimila-a
numa percepção concreta da realidade, em todos os seus níveis, físicos e
metafísicos, naturais e sobrenaturais.
Assim como a física moderna reduziu a realidade aos seus aspectos
quantificáveis e a filosofia moderna, seguindo o seu encalço, reduziu a
elaboração racional à percepção sensível ou às abstrações idealistas, os
teólogos modernos reduziram a Teologia à crítica bíblico-histórica, ignorando
todas as demais camadas da síntese teológica cristã. O resultado disso é que,
desmanchada a teologia tradicional e reduzida a Escritura a um mero epifenômeno
histórico, o dogma foi esvaziado num subjetivismo radical, condensado, num
primeiro esforço, naquilo que o Papa São Pio X chamou de “modernismo”.
Após a repressão dos anos posteriores à Pascendi do Papa Sarto, os
modernistas recobraram novo fôlego e deram um passo a mais, rendendo-se às
filosofias que, então, estavam na moda, como a fenomenologia, o existencialismo
e o marxismo. Surgia, então, aquela que foi depreciativamente chamada de “Nova
Teologia”, que abandonava aquilo que os seus autores consideravam como
discussões meramente escolásticas e começaram a engajar-se nas especulações das
filosofias contemporâneas e nas demandas das ciências sociais.
Reféns da crítica histórica, esses autores deram pé àquilo que se
convencionou chamar de “cristologia de baixo”, especialmente inspirada nos
Evangelhos sinóticos, e que privilegiava uma abordagem humana de Jesus, a qual,
sem negar explicitamente a sua divindade, tentava rastrear a práxis do “Jesus
histórico”, aquém das “mitologizações” da Igreja primitiva, que, segundo eles,
ornaram-no da áurea de divindade para tornar-se mais palatável aos poderes
políticos da época.
Pe. Dr. José Eduardo de Oliveira e Silva
Fonte:
https://presbiteros.org.br/
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