Translate

quinta-feira, 24 de agosto de 2023

As causas de uma “crise eucarística” (4/4)

Celebração Eucarística (Presbíteros)

As causas de uma “crise eucarística”

Consequências dessa abordagem

Os novos mistagogos, encantados com os gestos celebrativos, com as novas possibilidades de criatividade simbólica em que abusaram da discreta abertura promovida pela reforma litúrgica, imbuídos de muita “cristologia de baixo” impostada na perspectiva do “Cristo libertador”, desmitologizado segundo os critérios bultmanianos e romantizado segundo os critérios revolucionários, hostilizaram radicalmente os gestos de adoração e piedade, segundo eles, ligados mais à liturgia tridentina. Genuflexões, decoro cultual, solenidade, delicadeza com as espécies eucarísticas, nobreza e simplicidade, dignidade hierática e esplendor foram violentamente substituídos por barbarismos grotescos: o discreto lavabo foi substituído por bacias de escalda-pés; os cálices dourados, por artefatos de barro, de madeira grosseira, quando não de vidro ou até plástico; os paramentos bem cortados, por andrajos imensos e desajeitados; o silêncio, por palmas e alaridos; a genuflexão, por movimentação burlesca e desabrida; a sacralidade, pela invasão do profano, desde as músicas até o linguajar etc.

Os novos mistagogos diziam que os gestos têm que comunicar: lavar as mãos se faz com esfregões e toalhões; comungar é comer e beber, mastigar, rasgar o pão, partilhar; ungir é besuntar a pessoa inteirinha de óleo; batizar é mergulhar até submergir por completo, lavar, molhar a pessoa todinha… Mais do que a eficácia objetiva do sacramento, a qual, inclusive, é questionada, olha-se para a eficácia subjetiva, aquela que é condicionada pela compreensão do “símbolo”, pois essa é a única maneira de presentificar o mito, dentro de toda a lógica precedente.

O quanto tudo isso seja suscetível à manipulação política da teologia da libertação, nem é necessário dizer. A coisa é autoexplicativa! Apenas é útil entendermos o background teológico por trás da intolerância para com práticas tradicionais. Com clareza meridiana, São Pio X já tinha dado o antídoto contra essas heresias:

“Do culto não haveria muito que dizer, se debaixo deste nome não se achassem também os Sacramentos, a respeito dos quais muito erram os modernistas. Pretendem que o culto resulta de um duplo impulso; pois que, como vimos, pelo seu sistema, tudo se deve atribuir a íntimos impulsos. O primeiro é dar à religião, alguma coisa de sensível; o segundo é a necessidade de propagá-la, coisa esta que se não poderia realizar sem uma certa forma sensível e sem atos santificantes, que se chamam Sacramentos.

Os modernistas, porém, consideram os Sacramentos como meros símbolos ou sinais, bem que não destituídos de eficácia. E para indicar essa eficácia, servem-lhes de exemplo certas palavras que facilmente vingam, por terem conseguido a força de divulgar certas ideias de grande eficácia, que muito impressionam os ânimos. E assim como aquelas palavras são destinadas a despertar as referidas ideias, assim também o são os Sacramentos com relação ao sentimento religioso; nada mais do que isto. Falariam mais claro afirmando logo que os Sacramentos foram só instituídos para nutrirem a fé. Mas esta proposição é condenada pelo Concílio de Trento” (Pascendi Dominici Gregis, n. 20).

Restabelecendo a verdade católica

No que diz respeito à Santíssima Eucaristia, mais do que o fato de que a matéria do sacramento faz com que ele seja repartível e comestível (palavra desagradável, mas que aqui eu uso apenas para descrever o significado imediato da manducação), a realidade do Sacramento é a Presença Real de Nosso Senhor Jesus Cristo, objetiva e independentemente da fé subjetiva de cada um. É a Ele, Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, o Verbo Encarnado, que tributamos o culto de latria, de adoração. Por isso nos ajoelhamos, genufletimos, reverenciamos com toda a dignidade e com todo preito.

O conceito tomista de “transubstanciação” – que aos modernos cheira a aristotelismo ultrapassado, já que eles estão infectados do imanentismo kantiano – é apenas a terminologia técnica utilizada pela dogmática para garantir que não estamos comendo pão, mas comungando o próprio Senhor realmente, de tal modo que toda a substância do pão e do vinho se convertem na substância da Humanidade Santíssima de Cristo. É exatamente por isso que a então Congregação para Doutrina da Fé emitiu uma Declaração em 5 de fevereiro de 1972 esclarecendo que os fragmentos da Eucaristia devem ser devidamente respeitados e as normas para a purificação da patena e do cálice devem ser cuidadosamente seguidas (cf. De fragmentis Eucharisticis).

Pelo mesmo motivo, a Santa Sé advertiu: “ponha-se especial cuidado em que o comungante consuma imediatamente a hóstia, na frente do ministro, e ninguém se desloque (retorne) tendo na mão as espécies eucarísticas. Se existe perigo de profanação, não se distribua aos fiéis a Comunhão na mão. A bandeja para a Comunhão dos fiéis se deve manter, para evitar o perigo de que caia a hóstia sagrada ou algum fragmento” (Redemptionis Sacramentum, nn. 92-93).

Quando concedeu a faculdade de dar a comunhão na mão, a Congregação para o Culto Divino esclareceu que “é mister tomar cuidado com os fragmentos, para que não se percam, e instruir o povo a seu respeito. É preciso, também, recomendar aos fiéis que tenham as mãos limpas” (Carta, 5 de março de 1975) e, no mesmo espírito, a Presidência da CNBB enviou uma nota explicativa a todos os bispos do Brasil dizendo que “cada comungante trate de verificar se não ficou na palma na mão ou entre os dedos alguma parcela de pão consagrado (em caso positivo, deve consumi-la)”.

Enfim, quando um fiel se sente incomodado de tomar a Comunhão nas mãos para que não se adira à palma dessas algum fragmento e prefere comungar na língua; ou quando se ajoelha, para manifestar a sua adoração de modo mais expressivo, a Igreja, em coerência com a sua doutrina, sempre lhe garantiu esse direito e, ademais, sempre assegurou ser esta a forma ordinária e habitual de se comungar. Contudo, quando tais princípios sacramentais são obscurecidos pelas ideologias teológicas acima mencionadas, que apregoam que a Eucaristia “não é para se adorar, mas para se comer”, chega a ser absurdo comungar de joelhos (quem é que come de joelhos?) e na boca (quem é que recebe comida na boca?). São sentimentos como estes, oriundos de uma longa história de desconstrução e reconstrução sobre outras bases, que norteiam o imaginário de muitos de nossos contemporâneos.

Pe. Dr. José Eduardo de Oliveira e Silva

Fonte: https://presbiteros.org.br/

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF