As causas de uma “crise eucarística”
Consequências dessa abordagem
Os novos mistagogos, encantados com os gestos celebrativos, com as novas
possibilidades de criatividade simbólica em que abusaram da discreta abertura
promovida pela reforma litúrgica, imbuídos de muita “cristologia de baixo”
impostada na perspectiva do “Cristo libertador”, desmitologizado segundo os
critérios bultmanianos e romantizado segundo os critérios revolucionários,
hostilizaram radicalmente os gestos de adoração e piedade, segundo eles,
ligados mais à liturgia tridentina. Genuflexões, decoro cultual, solenidade,
delicadeza com as espécies eucarísticas, nobreza e simplicidade, dignidade
hierática e esplendor foram violentamente substituídos por barbarismos
grotescos: o discreto lavabo foi substituído por bacias de escalda-pés; os
cálices dourados, por artefatos de barro, de madeira grosseira, quando não de
vidro ou até plástico; os paramentos bem cortados, por andrajos imensos e
desajeitados; o silêncio, por palmas e alaridos; a genuflexão, por movimentação
burlesca e desabrida; a sacralidade, pela invasão do profano, desde as músicas
até o linguajar etc.
Os novos mistagogos diziam que os gestos têm que comunicar: lavar as
mãos se faz com esfregões e toalhões; comungar é comer e beber, mastigar,
rasgar o pão, partilhar; ungir é besuntar a pessoa inteirinha de óleo; batizar
é mergulhar até submergir por completo, lavar, molhar a pessoa todinha… Mais do
que a eficácia objetiva do sacramento, a qual, inclusive, é questionada,
olha-se para a eficácia subjetiva, aquela que é condicionada pela compreensão
do “símbolo”, pois essa é a única maneira de presentificar o mito, dentro de
toda a lógica precedente.
O quanto tudo isso seja suscetível à manipulação política da teologia da
libertação, nem é necessário dizer. A coisa é autoexplicativa! Apenas é útil
entendermos o background teológico por trás da intolerância para com práticas
tradicionais. Com clareza meridiana, São Pio X já tinha dado o antídoto contra
essas heresias:
“Do culto não haveria muito que dizer, se debaixo deste nome não se
achassem também os Sacramentos, a respeito dos quais muito erram os
modernistas. Pretendem que o culto resulta de um duplo impulso; pois que, como
vimos, pelo seu sistema, tudo se deve atribuir a íntimos impulsos. O primeiro é
dar à religião, alguma coisa de sensível; o segundo é a necessidade de
propagá-la, coisa esta que se não poderia realizar sem uma certa forma sensível
e sem atos santificantes, que se chamam Sacramentos.
Os modernistas, porém, consideram os Sacramentos como meros símbolos ou
sinais, bem que não destituídos de eficácia. E para indicar essa eficácia,
servem-lhes de exemplo certas palavras que facilmente vingam, por terem
conseguido a força de divulgar certas ideias de grande eficácia, que muito
impressionam os ânimos. E assim como aquelas palavras são destinadas a
despertar as referidas ideias, assim também o são os Sacramentos com relação ao
sentimento religioso; nada mais do que isto. Falariam mais claro afirmando logo
que os Sacramentos foram só instituídos para nutrirem a fé. Mas esta proposição
é condenada pelo Concílio de Trento” (Pascendi
Dominici Gregis, n. 20).
Restabelecendo a verdade católica
No que diz respeito à Santíssima Eucaristia, mais do que o fato de que a
matéria do sacramento faz com que ele seja repartível e comestível (palavra
desagradável, mas que aqui eu uso apenas para descrever o significado imediato
da manducação), a realidade do Sacramento é a Presença Real de Nosso Senhor
Jesus Cristo, objetiva e independentemente da fé subjetiva de cada um. É a Ele,
Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, o Verbo Encarnado, que tributamos o
culto de latria, de adoração. Por isso nos ajoelhamos, genufletimos,
reverenciamos com toda a dignidade e com todo preito.
O conceito tomista de “transubstanciação” – que aos modernos cheira a
aristotelismo ultrapassado, já que eles estão infectados do imanentismo
kantiano – é apenas a terminologia técnica utilizada pela dogmática para
garantir que não estamos comendo pão, mas comungando o próprio Senhor
realmente, de tal modo que toda a substância do pão e do vinho se convertem na
substância da Humanidade Santíssima de Cristo. É exatamente por isso que a
então Congregação para Doutrina da Fé emitiu uma Declaração em 5 de fevereiro de
1972 esclarecendo que os fragmentos da Eucaristia devem ser devidamente
respeitados e as normas para a purificação da patena e do cálice devem ser
cuidadosamente seguidas (cf. De fragmentis Eucharisticis).
Pelo mesmo motivo, a Santa Sé advertiu: “ponha-se especial
cuidado em que o comungante consuma imediatamente a hóstia, na frente do
ministro, e ninguém se desloque (retorne) tendo na mão as espécies
eucarísticas. Se existe perigo de profanação, não se distribua aos fiéis a
Comunhão na mão. A bandeja para a Comunhão dos fiéis se deve manter, para
evitar o perigo de que caia a hóstia sagrada ou algum fragmento” (Redemptionis
Sacramentum, nn. 92-93).
Quando concedeu a faculdade de dar a comunhão na mão, a Congregação para
o Culto Divino esclareceu que “é mister tomar cuidado com os
fragmentos, para que não se percam, e instruir o povo a seu respeito. É
preciso, também, recomendar aos fiéis que tenham as mãos limpas” (Carta,
5 de março de 1975) e, no mesmo espírito, a Presidência da CNBB enviou uma nota
explicativa a todos os bispos do Brasil dizendo que “cada comungante
trate de verificar se não ficou na palma na mão ou entre os dedos alguma
parcela de pão consagrado (em caso positivo, deve consumi-la)”.
Enfim, quando um fiel se sente incomodado de tomar a Comunhão nas mãos
para que não se adira à palma dessas algum fragmento e prefere comungar na
língua; ou quando se ajoelha, para manifestar a sua adoração de modo mais
expressivo, a Igreja, em coerência com a sua doutrina, sempre lhe garantiu esse
direito e, ademais, sempre assegurou ser esta a forma ordinária e habitual de
se comungar. Contudo, quando tais princípios sacramentais são obscurecidos
pelas ideologias teológicas acima mencionadas, que apregoam que a Eucaristia
“não é para se adorar, mas para se comer”, chega a ser absurdo comungar de
joelhos (quem é que come de joelhos?) e na boca (quem é que recebe comida na
boca?). São sentimentos como estes, oriundos de uma longa história de
desconstrução e reconstrução sobre outras bases, que norteiam o imaginário de
muitos de nossos contemporâneos.
Pe. Dr. José Eduardo de Oliveira e Silva
Fonte:
https://presbiteros.org.br/
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