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quarta-feira, 23 de agosto de 2023

As causas de uma “crise eucarística” (3/4)

Celebração Eucarística (Presbíteros)

As causas de uma “crise eucarística”

A interface litúrgico-sacramental dessa teologia

O melhor de todos os teólogos que sintetizou o problema foi Rudolf Bultmann. Partindo da noção de “mito” na antiguidade, dos preconceitos racionalistas que negavam a priori a realidade do sobrenatural, da crítica histórico-textual das Escrituras e do existencialismo heideggeriano, criou uma teologia bíblica em que toda a Escritura é apresentada como construção mítica a ser desmitologizada pelo teólogo, em busca do seu núcleo fundamental.

Como, por este caminho, a consequência seria a completa implosão da Igreja, Bultmann encontrou uma solução pitoresca. Valendo-se das cerimônias das religiões pagãs, que realizavam seus cultos cosmogônicos através da encenação, pensando que tais encenações reproduziam efetivamente a realidade, ele interpreta em chave dramatológica e simbólica a ação litúrgica; em outras palavras, se tudo é mito, na liturgia, a encenação do mito o torna presente, de algum modo real.

“Assim como o batismo, também a ceia do Senhor foi derivada, segundo o modo de pensar dos mistérios, do destino do kyrios como fundamento instituinte; e especialmente da última ceia de Jesus com seus discípulos. É isso que dizem as palavras introdutórias de lCor 11,23: ‘O Senhor Jesus, na noite em que foi entregue…’ E assim Marcos transformou o relato da última ceia em relato etiológico de um culto, entrançando a liturgia eucarística num relato mais antigo da última ceia de Jesus como uma ceia pascal. 

No fundo, derivando a ceia cúltica da última ceia de Jesus, ele indica como sua verdadeira fundamentação a morte do Kyrios; pois corpo e sangue de Jesus, que são distribuídos por ele nessa ceia, naturalmente são (como o confirmam justamente os elementos interpretativos secundários), em misteriosa antecipação, corpo e sangue do crucificado, do sacrificado. Paulo deixa entrever isso claramente na frase por ele acrescentada em 1Cor 11,26: ‘pois todas as vezes que comerdes este pão e beberdes do cálice, anunciais a morte do Senhor’.

Portanto, ele compreende a refeição eucarística como uma dramatização, nos moldes dos cultos de mistérios: a celebração representa a morte do Kyrios” (Bultmann, R., Teologia do Novo Testamento, Academia Cristã, Santo André: 2015, p. 201). Bultmann ilustra bem o fundamento dessa sua concepção do culto através do conceito de “espírito”, tomado desde uma perspectiva humanística:

“Para ilustrar o que acabo de dizer, podemos tomar como exemplo a noção neotestamentária de ‘espírito’. Durante o Século XIX, as filosofias de Kant e Hegel exerceram uma profunda influência sobre os teólogos que modelaram suas concepções antropológicas e éticas a partir destas filosofias. Por conseguinte, a noção neotestamentária de ‘espírito’ foi concebida num sentido idealista, segundo a tradição do pensamento humanístico cuja origem se remonta à filosofia idealista grega.

Considerava-se, pois, o ‘espírito’ como o poder da razão, no sentido amplo de um poder que atua, não só na lógica e no pensamento racional, senão também na ética, nos juízos morais e na conduta, como também no campo da arte e da poesia. (…) Graças a seus conhecimentos dos fenômenos psicológicos, os eruditos desta escola subtraíram algumas importantes ideias do Novo Testamento que até então haviam sido subestimadas ou passadas por alto. Reconheceram, por exemplo, a importância da piedade’ cultual e entusiástica, e das assembleias do culto; entenderam de um modo novo a noção de conhecimento que em geral não significa um conhecimento racional e teórico, senão uma intuição ou visão mística, uma união mística com Cristo” (Idem, Jesus Cristo e Mitologia, Novo Século, São Paulo: 203, pp. 38-39).

Quando essa concepção do culto a partir da performance e da dramatização se encontraram com a mistagogia de Jean Danielou, a alquimia estava feita. Em sua obra, Bíblia e liturgia: a teologia bíblica dos sacramentos e das festas segundo os Padres da Igreja (Bibbia e liturgia: la teologia biblica dei sacramenti e delle feste secondo i Padri della Chiesa, Società Editrice Vita e Pensiero, Milano 1958), Danielou introduz uma nova perspectiva na teologia sacramentária: se antes esta se preocupava sobretudo com a forma sacramental incutida na matéria, agora ele deslocava essa preocupação para o significado da própria matéria sacramental, para, a partir deste, compor a sua análise dos sacramentos (aqui fundava-se a nova mistagogia que fez com que os ritos litúrgicos fossem muito mais abordados a partir da valorização dos símbolos para uma espécie de catequese de proveito subjetivo que propriamente da eficácia sacramental, como a Igreja fizera tradicionalmente).

Pe. Dr. José Eduardo de Oliveira e Silva

Fonte: https://presbiteros.org.br/

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF