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terça-feira, 1 de agosto de 2023

Celibato eclesiástico: História e fundamentos teológicos (14/15)

Celibato eclesiástico (Presbíteros)

Celibato eclesiástico: História e fundamentos teológicos

CARD. Alfons M. Stickler

        3. O ensinamento do Antigo Testamento

 É necessário agora que tratemos outro ponto, que é muitas vezes invocado como um argumento contra a continência dos ministros nos primeiros séculos. Costuma-se apelar, como muitas vezes já afirmamos, ao Antigo Testamento, que, como sabemos, era legítimo e até mesmo necessário o uso pleno do matrimônio por parte dos sacerdotes e levitas, nos dias em que viviam em suas casas, livres do serviço do Templo. A essa objeção se pode responder de duas maneiras. 

Antes de tudo deve-se assinalar que o sacerdócio vétero-testamentário havia sido confiado a uma única tribo que devia ser conservada, e isso fazia necessário o matrimônio. O sacerdócio do Novo Testamento não foi definido, no entanto, como o sacerdócio de sucessão pelo sangue e não se baseia na descendência familiar. Um segundo e mais importante argumento a favor da distinção entre um sacerdócio e outro diz: os sacerdotes do Antigo Testamento prestavam um serviço temporal limitado no templo, enquanto que os sacerdotes do Novo Testamento mantêm um serviço permanente, por isso a obrigação temporal de continência e de pureza se estendeu a uma observância ilimitada e contínua. 

Como explicação convincente se recorre à passagem de São Paulo em I Cor 7, 5, na qual o Apóstolo aconselha aos esposos que não se recusem um ao outro, a não ser de comum acordo, por um tempo determinado e para dedicar-se à oração. Os sacerdotes do Novo Testamento, no entanto, devem rezar continuamente e dedicar-se a um serviço diário ininterrupto, no qual, através de suas mãos, é dada a graça do perdão e é oferecido o Corpo de Cristo. A Sagrada Escritura lhes exorta a ser em tudo puros para este serviço e os Padres mandavam conservar a abstinência corporal. 

Os mesmos documentos também oferecem outros motivos de caráter pastoral: como poderia um padre pregar sobre a continência e sobre a pureza a uma viúva ou a uma virgem, se ele mesmo desse maior valor o trazer filhos ao mundo que a Deus? Assim, a objeção contrária torna-se argumento a favor da continência ministerial. 

A partir dessas considerações se deduz uma imagem do sacerdote do Novo Testamento modelado sobre a vontade de Cristo, e distinta substancialmente daquela imagem do Antigo Testamento. Esta última foi configurada apenas como uma função, limitada no tempo e puramente externa. Aquela, ao contrário, implica por natureza a toda a pessoa do sacerdote, no externo e no interno, e, portanto, o seu serviço. Cristo exige ao seu sacerdote alma, coração e corpo e pureza e continência em todo seu ministério como um testemunho de que já não vive segundo a carne, mas pelo Espírito (Rom 8, 8). O sacerdócio funcional do Antigo Testamento nunca pode ser um modelo do sacerdócio ontológico do Novo, configurado com o de Cristo. Este supera o antigo sacerdócio essencialmente. 

Assim, aqueles que receberam a mensagem da salvação de Cristo compreenderam, já desde o início, a exigência de Mestre aos seus Apóstolos de chegar a renunciar inclusive o casamento pelo Reino dos Céus (Mt 19, 12), e que, como um discípulo em sentido rigoroso e pleno deve estar disposto para deixar pai, mãe, esposa, filhos, irmão e irmã (Lc 18, 29; 14, 26). Também se entende assim as palavras de São Paulo sobre a diversa relação com Deus dos celibatários e dos casados (1 Cor 7, 32-33), e o seu significado no que diz respeito ao celibato eclesiástico. 

Foi tarefa da escola, ou seja, da canonística clássica a partir do décimo segundo século em diante, descobrir, explicar e desenvolver as razões que ligam continência e sacerdócio neo-testamentário. Na história do desenvolvimento científico do tema, brevemente descrito na segunda parte deste trabalho, se mencionou as dificuldades existentes então para se chegar à elaboração de uma teoria satisfatória. Embora os antigos Padres tivessem já entendido que a continência pertencia à essência do sacerdócio novo – como, por exemplo, quando Epifânio disse que o carisma do sacerdócio consiste na continência; ou Santo Ambrósio que apontava a obrigação de rezar continuamente como o mandamento da Nova Aliança -, os glossistas, no entanto, foram incapazes de construir uma teologia do celibato, talvez porque eram demasiado pouco teólogos. Em seus trabalhos sobre a disciplina celibatária no Ocidente estiveram também muito influenciadas pela disciplina oriental, cuja legitimidade tomaram por boa, ao aceitar tanto a lenda de Pafnucio como a legislação trullana. 

No entanto, a partir dos documentos da Igreja Católica sobre este assunto, tentaram desenvolver uma teoria na qual se continham os elementos essenciais para uma Teologia válida. Compreenderam, sobretudo, que a continência está em relação estreita com o ordo sacer, e que essa lei tinha sido dada à Igreja propter ordinis reverentiam, pela reverência que é devida à Ordem. Também entenderam que a continência está mais unida ao Sacramento da Ordem recebido que ao homem ordenado, o qual era livre de aceitar a Ordenação, sabendo que aceitava também a obrigação anexa. 

Desde a síntese realizada por São Raimundo de Peñafort, já mencionado, se deriva com toda certeza que naquele tempo se tinha como verdadeiro motivo da continência clerical não tanto a pureza do ministro – que se adequaria muito bem com a práxis oriental estabelecida no Concílio Trullano – quanto à eficácia da oração mediadora do ministro sagrado, que procedia da sua total dedicação a Deus. De um modo geral eram apresentadas já então as verdadeiras razões da perfeita continência: a possibilidade de rezar com liberdade, assim como a também completa liberdade de desenvolver o próprio ministério e para dedicar-se ao serviço da Igreja. 

Embora a Teologia dos séculos posteriores, até hoje, não desatendeu a reflexão sobre o sacerdócio do Novo Testamento, a crise dos sacerdotes e das vocações ao sacerdócio nestas últimas décadas – difundidas e ampliadas através dos meios de comunicação social – exigiu com urgência um especial aprofundamento na matéria. O fundamento para isso tinha sido posto pelo Concílio Vaticano II, sobre o que se baseou o ensinamento do Papa João Paulo II, que fez do sacerdócio um motivo particular do seu programa doutrinal e pastoral desde o começo do seu pontificado. É significativo nesse sentido, que já na sua primeira mensagem aos sacerdotes, por ocasião da quinta-feira santa, dissesse sobre o celibato que a Igreja ocidental o quis no passado e o quer no futuro enquanto que se “inspira no exemplo mesmo de Nosso Senhor Jesus Cristo, na doutrina apostólica e em toda a Tradição que lhe é própria”. Nos anos seguintes voltou várias vezes a tratar o tema do sacerdócio e do celibato unido a ele e tem posto um grande empenho em frear as demasiado fáceis dispensas nesta matéria. 

O ponto mais alto destas preocupações de sua elevadíssima consciência pastoral constituiu a convocatória, para outubro de 1990 do oitavo Sínodo dos Bispos, que devia abordar a questão da formação sacerdotal no contexto das circunstâncias atuais. Isto foi feito de uma forma exaustiva através das vozes dos representantes do episcopado mundial, e esta questão encontrou a sua mais perfeita expressão na Exortação Apostólica Pós-sinodal Pastores Dabo Vobis, que pode ser considerada uma “Carta Magna” da Teologia do sacerdócio, e que permanecerá como norma autorizada no futuro da Igreja. 

Alfons M. Stickler
Cardeal Diácono de São Giorgio in Velabro
CIDADE DO VATICANO 

Tradução para o português:

Pe. Anderson Alves.
Contato: 
amralves_filo@yahoo.com.br

Fonte: https://presbiteros.org.br/

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF