Celibato eclesiástico: História e fundamentos teológicos
CARD. Alfons M. Stickler
4. A Teologia do celibato sacerdotal
Não é possível fazer aqui um completo desenvolvimento deste
tema, nem este é o objetivo da nossa exposição histórica, mas esta permite dar
uma palavra final sobre a Teologia do celibato sacerdotal, a qual está
intimamente relacionada com a Teologia do sacerdócio.
A principal motivação do celibato e da vontade da Igreja neste ponto é
“a relação que o celibato tem com a sagrada Ordenação que configura o sacerdote
com Jesus Cristo, Cabeça e Esposo da Igreja” (Pastores dabo Vobis, n.
29). Estas palavras podem ser consideradas o núcleo da Teologia do celibato
desenvolvida pela Exortação Apostólica e é oferecida para ser meditada e
colocada na base de qualquer desenvolvimento posterior.
A partir desta afirmação central do documento papal, tentamos indicar, a
partir do início desta quinta parte do nosso trabalho, os elementos da Teologia
do celibato que já estavam presentes na Tradição, mas que tinham sido
desenvolvidos de maneira insuficientes. Agora somos capazes de ver não só que
todos estes elementos foram recolhidos e desenvolvidos sistematicamente na
Exortação, mas também foram utilizados nela outros não considerados
antes.
Deve ser valorizado, acima de tudo, neste sentido, aquilo que é afirmado
no capítulo três, especialmente nos números 22 e 23, acerca da “configuração
com Jesus Cristo Cabeça e Pastor e a caridade pastoral”. Cristo nos é mostrado
aqui no mesmo sentido de Ef 5, 23-32, como Esposo da Igreja, assim como ela é a
única Esposa de Cristo. Em ligação com outros textos das Escrituras, nesta
passagem da Exortação se contempla a profunda e misteriosa união entre Cristo e
a Igreja, que é colocado imediatamente em relação com o sacerdote: “O sacerdote
está chamado a ser uma imagem viva de Jesus Cristo, Esposo da Igreja… Está
chamado, portanto, a reviver na sua vida espiritual o amor de Cristo Esposo
pela Igreja Esposa.” Não lhe falta, por isso, ao sacerdote um amor esponsal,
pois tem a Igreja como esposa. “Sua vida deve também estar iluminada e
orientada por esta relação esponsal, que lhe pede ser testemunho do amor
esponsal de Cristo, ser capaz de amar as pessoas com um coração novo, grande e
puro, com autêntico desapego de si, com plena dedicação, contínua e fiel e, ao
mesmo tempo, com uma forma especial de zelo (cf. 2 Cor 11, 2), com uma ternura
que se reveste também com acentos do amor maternal, capaz de tomar a cargo das
‘dores de parto’ para que ‘Cristo’ seja formado nos fiéis (cf. Gal 4,
19)”.
“O princípio interno, a força que anima e orienta a vida espiritual do presbítero,
enquanto configurado a Cristo Cabeça e Pastor, é a caridade pastoral,
participação da caridade pastoral do mesmo Jesus Cristo”. Seu conteúdo
essencial “é o dom de si, o dom total de si à Igreja, à imagem e em união com o
dom de Cristo”… “Com a caridade pastoral, que converte o exercício do
ministério sacerdotal num amoris officium, o sacerdote que recebe
sua vocação ao ministério está em condições de fazer disto uma escolha de amor,
pela qual a Igreja e as almas se tornam seu principal interesse”.
VI. CONCLUSÃO
O sacerdócio da Igreja Católica se manifesta, pois, como um mistério
inserido, por sua vez, no mistério da Igreja. Quaisquer das questões que estão
relacionadas com ele, e, sobretudo o problema grave e sempre atual do celibato,
não pode ser considerado e resolvido por argumentos puramente antropológicos,
psicológicos, sociológicos e, em geral, profanos e terrenos. Este problema,
aliás, não pode ser resolvido com puras disposições disciplinares. Todas as
manifestações da vida e das atividades do sacerdócio, a sua natureza e
identidade, requerem, acima de tudo, uma justificação teológica. Aqui, com o
que diz respeito ao celibato, tentamos tratá-lo através da sua história, e em
base a uma análise baseada nas fontes da revelação.
Note-se, falando no plano formal, que uma explicação satisfatória deste
mistério não pode ser compatível com um tipo de linguagem meramente profano.
Exige, pelo contrário, um modo elevado de expressão, digna do mistério. Além
disso, considerando a natureza do sacerdócio católico, não é suficiente
recorrer à reflexão sobre este tema por razões, digamos assim, externas, ou
seja, o que tornaria mais “funcional” o serviço da Igreja: a salvaguarda ou a
renúncia do celibato? O sacerdócio do Novo Testamento não responde a una noção
funcional, como sucedia no caso do Antigo Testamento, mas é uma realidade
ontológica, à qual só corresponde uma forma adequada de agir: a derivada do
axioma agere sequitur esse, quer dizer, a ação segue ao ser.
Ante esta Teologia do sacerdócio neo-testamentário, que tem sido
confirmada e aprofundada pelo Magistério oficial da Igreja, devemos nos
perguntar: essas razões que têm sido expostas a favor do celibato, falam só de
sua “conveniência” ou de algo realmente necessário e irrenunciável? Não existe
realmente um iunctum – um vínculo de unidade – entre
sacerdócio e celibato? Somente com uma resposta adequada a essa pergunta se
poderá responder a esta outra: poderia a Igreja decidir um dia a modificação da
obrigação do celibato, ou aboli-la?
Para não correr riscos, na resposta a esta pergunta deverá se
partir do fato de que o sacerdócio católico não foi estabelecido pelo Fundador
da Igreja sobre os homens, que se transformam e mudam, mas sobre o mistério
imutável da Igreja e do próprio Cristo.
Alfons M. Stickler
Cardeal Diácono de São Giorgio in Velabro
CIDADE DO VATICANO
Tradução para o português:
Pe. Anderson Alves.
Contato: amralves_filo@yahoo.com.br
Fonte:
https://presbiteros.org.br/
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