Prevê-se que a IA terá uso
generalizado nos próximos anos, e por isso vários livros já circulam sobre ela
e sua aplicação em quase tudo.
Evaldo
D´Assumpção – Médico e Escritor
Não há
dúvida que a IA (Inteligência Artificial) está entrando, inexoravelmente, em
nossas vidas. Começou com a inocente participação nos eletrodomésticos, onde a
Alexa, nome dado a um software assistente virtual desenvolvido e lançado pela
Amazon, em 2014. Esse programa, que interpreta comandos de voz para executar
algumas tarefas, aciona alarmes, faz pesquisas na internet, e permite o
controle virtual de uma residência ou escritório a ela conectados, facilitando
o uso de outros aplicativos.
Prevê-se
que a IA terá uso generalizado nos próximos anos, e por isso vários livros já
circulam sobre ela e sua aplicação em quase tudo. Recentemente recebi, do meu
editor Arnaldo Oliveira (Ed. DelRey), o livro “Inteligência Artificial” (Ed.
Globo Livros), escrito por um dos criadores da IA, Kai-Fu Lee, que acabei de
ler, motivando-me esses comentários. Nele, com bastante clareza e objetividade
o autor mostra a evolução da IA e a disputa entre os EUA e a China pela
liderança nessa área. Não vou dissertar sobre seu conteúdo, mesmo porque sou
apenas um observador dessa tecnologia, que tem uma característica extremamente
preocupante: em seu estágio mais avançado, ela se torna autocorretiva. Ou seja,
ela aprende com seus erros e desenvolve novos padrões para superá-los. Com isso
seu aperfeiçoamento avançará geometricamente, alcançando condições muito além
das melhores habilidade físicas e intelectuais dos humanos. As consequências,
são previsíveis.
Em seu
livro, cuja leitura considero indispensável para se compreender tudo o que nos
espera, Lee descreve as quatro ondas em que a IA está evoluindo, ocupando cada
vez mais espaços. Segundo ele, essas ondas são: a IA de internet, a IA de
negócios, a IA de percepção e finalmente, a IA autônoma. Cada uma delas
utilizando o poder da IA de maneira diferente. As duas primeiras, diz Lee, já
estão em nossa volta, remodelando os mundos digital e financeiro, de maneira
sutil e progressiva. A de percepção, ele diz textualmente: “... está agora
digitalizando nosso mundo físico, aprendendo a reconhecer nossos rostos,
entender nossos pedidos e ‘ver’ o mundo ao nosso redor.”
A primeira
onda é a IA da Internet, a qual ele afirma sermos dela beneficiários ou
vítimas, dependendo da maneira como a deixamos ocupar nosso tempo. Ela entra em
nossa privacidade, e controla nosso dinheiro. É ela quem cuida dos denominados
“motores de recomendação”, sistemas que aprendem nossas preferências pessoais,
passando a veicular nos meios de comunicação que utilizamos, conteúdos
cuidadosamente escolhidos. Quanto mais compramos, curtimos, consultamos,
visualizamos coisas na internet, mais algoritmos (procedimentos precisos, não
ambíguos, padronizados, eficientes e corretos) são treinados para nos
proporcionar recomendações de novos conteúdos e produtos, que provavelmente
iremos consumir, numa verdadeira sugestão subliminar. Com ela, passamos a acreditar
que os conteúdos da internet estão ficando cada vez melhores, apresentando-nos
coisas “exatamente como gostaríamos”. E isso leva as pessoas a passarem uma
média de 74 minutos por dia nos aplicativos sugeridos, segundo pesquisas feitas
pelos seus próprios produtores.
A segunda
onda, é a IA de Negócios. Ela aproveita os dados que fornecemos e são coletados
pelas empresas como seguradoras, financeiras, hospitais, hotéis, etc. para
alimentar novos algoritmos que selecionarão dados importantes dos seus usuários,
alguns que o olho humano sequer detecta. A partir deles, estabelecem
correlações indicativas para futuros negócios com essas pessoas, baseados em
dados positivos e negativos de avaliação dos futuros clientes. E nessa onda,
entra a medicina virtual, funcionando com ações profiláticas e terapêuticas que
substituirão boa parte do trabalho médico. O mesmo acontecerá no trabalho
judiciário, dispensando trabalhos hoje prestados pessoalmente.
A terceira
onda é a IA de Percepção, que já está em franca penetração em todos os meios.
Antes, diz Lee, as máquinas eram surdas e cegas. Com essa nova onda, a IA
consegue reconhecer e gravar imagens e sons, formando arquivos em que logo toda
a humanidade estará catalogada e arquivada. Com isso, a IA poderá fazer o que algumas
vezes já vemos hoje: imagens de pessoas falando com o seu exato timbre de voz,
e apresentando mímica facial coerente. E isso é feito de tal forma, que não
sabemos se aquilo é real, ou uma perfeita reprodução, com coisas que ela nunca
disse. Também nos supermercados, sensores poderão gravar o rosto das pessoas e
as compras que levam nos carrinhos, permitindo à loja estabelecer o padrão de
compras daquelas pessoas, para no futuro apresentar ofertas, inclusive feitas
com a voz de artistas ou de alguém influente, de artigos que já sabem ser da
predileção do cliente.
A quarta
onda será a da IA Autônoma. Quando as máquinas já tiverem aprendido a ver e
ouvir as pessoas, serão capazes de estabelecer parâmetros que as identificam,
podendo definir, autonomamente, comportamentos que correspondem às expectativas
de cada pessoa. Hoje já existem máquinas que fazem trabalhos humanos, com
grandes vantagens econômicas, produtivas e de qualidade. Contudo, ainda
precisam ser programadas para tal. Com a IA Autônoma elas serão, inclusive,
capazes de decidir ações, corrigir erros e, consequentemente criarem outras
máquinas mais eficientes. Esses novos robôs autônomos irão substituir,
progressivamente, com vantagens e economia, operários e funcionários,
proporcionando lucros bem maiores para os empresários que os possuírem.
Entendendo
todo esse processo, chegamos à conclusão que o desemprego maciço será a
consequência dessa evolução (ou será involução?...). E isso já está nas
predições que indicam uma queda de mais de 50% dos empregos, em menos de 10
anos. Inclusive já existem instituições trabalhando em busca de alternativas e
soluções para o que poderá configurar um desastre para toda a humanidade.
Kai-Fu Lee,
em seus últimos capítulos analisa tudo isso, e conta, de uma maneira
surpreendente, o que lhe aconteceu para tomar consciência disso tudo. Acometido
por um câncer, passou por experiências e assistências que transformaram sua
vida.
Numa
percepção pessoal, acredito que contribuiu para isso, a assistência que recebeu
numa linha da biotanatologia que descrevo em meu livro “Sobre o viver e o
morrer” (Ed. Vozes). Processo esse bem representado por dois dos sobreviventes
da fragata francesa “Méduse”, naufragada na costa mauritana, em julho de 1816.
São os que numa balsa improvisada, agitam pedaços de pano, mesmo sem ter nenhum
navio à vista. Eles estão retratados no belíssimo quadro de 1818, do pintor
Théodore Géricault, exposto no museu do Louvre, e que ilustra essa crônica.
Essa colocação final é um desafio para que se reflita e entenda o que aqueles
personagens representam, dentro da realidade descrita.
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(*) Médico e Escritor. Da Academia Mineira de Medicina e da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores. Autor dos livros “Sobre o viver e o morrer”, “Luto”, “Suicídio” e “A morte em três tempos”, da Ed. Vozes; “Crônicas à beira-mar”, da Ed. Del Rey.
Fonte: https://www.vaticannews.va/pt
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