Por Francisco Vêneto
"É praticamente impossível
contemplar o extraordinário Monte Saint-Michel sem quase cair em êxtase."
Uma
das obras mais espetaculares já construídas em toda a história da humanidade, o
complexo arquitetônico do Mont Saint-Michel, na Normandia, está celebrando mil
anos em 2023 – mas pela segunda vez. De fato, já foi celebrado o seu “milênio
monástico” em 1966, comemorando a chegada dos primeiros monges ao monte. Agora,
celebra-se oficialmente a colocação da primeira pedra da igreja da abadia, cuja
construção teve início, portanto, no de 1023.
Ao
longo destes dez séculos de existência, o monte dedicado ao arcanjo São Miguel
fascinou milhões e milhões de peregrinos e visitantes de todas as crenças.
Um
deles foi o pe. Robert Barron, norte-americano, que assim descreveu a
experiência de vislumbrá-lo da estrada à medida que se aproximava a bordo de
uma van:
“À medida que nos aproximávamos,
ele ficava cada vez mais impressionante, erguendo-se às vezes como uma
fortaleza, outras parecendo flutuar sobre as águas do mar. Quando passamos
pelos seus portões para começar o nosso trabalho, foi como deixar o nosso mundo
e penetrar na Idade Média. A nossa subida até o topo, íngreme e árdua, imitava
a de milhares de peregrinos, monges e buscadores espirituais ao longo dos
séculos e séculos”.
O
sacerdote então recordou que o local da construção também é excepcional
– assim como o seu significado:
“Para
vislumbrar o significado religioso desse monte, precisamos recordar que ele foi
construído ‘no limite’. Assim como os monges irlandeses construíam as suas
singelas habitações na indômita costa ocidental da sua pátria, assim também os
religiosos que deram origem ao Monte Saint-Michel elevaram a sua obra,
literalmente, na fronteira da terra.
Jesus tinha enviado os seus
discípulos a proclamar o Evangelho em todos os lugares, sem se deterem até
entregá-lo a todos. O cardeal Francis George gostava muito de relatar a
história dos seus irmãos nos Oblatos de Maria Imaculada, que, seguindo à risca
o envio de Jesus, pregaram a Sua ressurreição em toda e cada uma das aldeias do
Yukon até chegarem finalmente a pessoas que lhes disseram: ‘Não há mais ninguém
depois daqui’. O Monte Saint-Michel pretendia ser um monumento a esse completo
empenho missionário cristão. Por isso é que ele foi, para mim, um lembrete
vívido de que precisamos continuar também hoje essa tarefa, indo até aquilo que
o Papa Francisco chama de periferias da existência”.
Ainda
a este respeito, o pe. Robert acrescenta:
“Também temos que recordar que o
monte está situado precisamente na fronteira ocidental da Europa, olhando para
o sol poente. No imaginário medieval, a terra do pôr-do-sol era associada aos
poderes da escuridão, o que ajuda a explicar por que as grandes catedrais da
Idade Média eram, quase sem exceção, voltadas ao oriente: elas simbolizavam a
Igreja voltada à luz do Cristo ressuscitado e de costas para o pecado e a
morte. Assim, o templo-fortaleza deste monte, protegido pelo arcanjo guerreiro,
batizado em sua honra e erguido na borda ocidental do mundo, representa o poder
da Igreja de Cristo contra as forças da escuridão, visíveis e invisíveis”.
Não
há como ignorar o poderoso nome que foi dado ao monte:
“Para entender ainda mais a
fundo este lugar sagrado, precisamos nos lembrar também do seu nome e da figura
que está no seu pináculo: São Miguel, o Arcanjo. Miguel é invariavelmente
retratado com a armadura do guerreiro, pois é o general do exército de anjos
que encarou as legiões de Lúcifer, o anjo caído que tinha ousado se arrogar as
prerrogativas do próprio Deus. Miguel lutou não com espada e lança, mas com o
desafio irrespondível do seu próprio nome: Micha-El – Quem
é como Deus?“.
O
caráter sublime do monte também mereceu um comentário tocante do pe. Robert:
“É
praticamente impossível olhar para o Monte Saint-Michel sem quase cair em
êxtase. Eu desafiaria qualquer um a vir até aqui e caminhar rumo ao monte sem
se flagrar seduzido por pensamentos sobre o que há de mais grandioso e eterno.
A própria montanha, junto com a arquitetura requintadamente posicionada sobre
ela, atrai os olhos para cima, para além deste mundo. E quando se sobe ao topo,
contempla-se o mar que apaga toda pegada e que aparentemente não tem fim. De Platão
a James Joyce, passando por Dante, o tropo do mar aberto foi usado para evocar
a meta transcendente do coração buscador.
A arte, os sacramentos, a
doutrina e os santos da Igreja nos atraem até essa fronteira que finaliza o
ordinário e nos permite um vislumbre do mar aberto da eternidade de Deus. Eles
são, portanto, os inimigos do ‘eu amortecido’ de Charles Taylor, aquele eu
moderno tão formatado pela ideologia secularista que nem ouve mais os sussurros
dos anjos. Sempre me pareceu estranho, a propósito, que uma pessoa religiosa
possa ser vista de forma convencional e não ‘ameaçadora’ em algum grau. Os
cristãos autênticos são pessoas ‘perigosas’ para esse mundo secularizado. E o
Monte Saint-Michel, erguendo-se na divisa entre o céu e a terra, é exatamente o
tipo de lugar aonde essa gente ‘perigosa’ gosta de ir”.
Por
fim, o sacerdote convida:
“Venha até aqui se você tiver a oportunidade, ou pelo menos contemple uma boa foto do Monte Saint-Michel na internet, mas não olhe para ele como um turista. Olhe-o do jeito que os seus construtores o veriam: como um belo e sacro monumento demarcando a fronteira deste mundo”.
Fonte: https://pt.aleteia.org/
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