Arquivo 30Dias - 10/2011
Viagem apostólica à Alemanha
O Papa continua fiel a si mesmo: deem seu testemunho de fé
As palavras do Papa Bento XVI na sua terra natal podem ser lidas como um caloroso apelo para voltar ao essencial e viver as suas consequências. Palavras de Hans-Gert Pöttering, ex-presidente do Parlamento Europeu.
por Hans-Gert Pöttering
A visita de Bento XVI foi um evento comovedor. Um
papa alemão veio à sua terra natal. Trouxe uma mensagem profundamente
teológica: a renovação da Igreja pode acontecer somente com a disponibilidade à
conversão e por uma fé renovada. Ele falou de modo tão apaixonado e convincente
de Deus, a ponto de ser surpreendente para um teólogo sucessor de Pedro como
Bento XVI.
O seu discurso no Bundestag alemão no início da sua
viagem a Berlim foi particularmente significativo. Na ocasião questionou-se
sobre a essência da atividade política, sobre o fundamento do direito e sobre a
distinção entre o bem e o mal. Colocou as suas reflexões dentro do grande
contexto das tradições do pensamento europeu: a filosofia grega, o direito
romano e a fé em Deus judaico-bíblica, que formam a “identidade profunda da
Europa”. Na busca de um fundamento comum para a construção do próprio direito a
Europa não deveria limitar-se a uma pura visão positivista. Isso é redutivo
ante a realidade total do homem. Ele comparou uma tal limitação a um edifício
de cimento sem janelas. Excluído de tudo o que acontece fora, o homem se
atrofia. Ao invés, com uma visão global, poderia colher todos os influxos. Aqui
entra em jogo “a ecologia do homem” como na encíclica Caritas in
veritate. O aparecimento do movimento ecologista foi uma “invocação de ar
fresco” que não se podia deixar de ouvir. O homem deveria ouvir a linguagem da
natureza. Se ele presta atenção nela e acolhe-a como algo que não é produzido
por ele mesmo, a liberdade do homem encontra cumprimento. Porém, dado que as
normas podem derivar somente da vontade, essas pressupõem o reconhecimento da
“razão criadora” de Deus. E, questionou Bento XVI de modo quase provocatório:
“É verdadeiramente desprovido de sentido refletir se a razão objetiva, que se
manifesta na natureza, não pressuponha uma razão criadora, um Creator
Spiritus?”.
O Papa insistiu particularmente com os políticos no
exemplo do rei Salomão, que tinha desejado um “coração dócil” para buscar o
verdadeiro direito, para servir a justiça e a paz. Considerando que o discurso
do Papa no Bundestag foi principalmente teológico e de princípio, na ocasião
ele não falou sobre as concretas exigências da Igreja alemã embora isso fosse
previsto e esperado por muitos. Bem diferente foi o discurso no Konzerthaus de
Freiburg, que chegou a irritar alguns. Ali, dirigiu-se principalmente à Igreja
alemã. Convidou a concentrar-se no essencial, prescindindo de qualquer
raciocínio de caráter institucional. O conceito de “mundanização” poderia ser
mal-entendido, mas para Bento XVI estes pensamentos não são novos. Ele já os
havia manifestado no final da década de 1960. Exprimem uma visão de fundo,
autocrítica sobre toda a Igreja. Ele julga-a em perspectiva histórica e chamou
a atenção sobre o fato de que o testemunho da Igreja seria muito mais límpido
se fosse livre “dos fardos materiais e políticos”. Neste caso, ela poderia
dedicar-se melhor aos verdadeiros valores cristãos no mundo inteiro, ser
verdadeiramente aberta ao mundo. A Igreja seria tão mais crível quanto mais se
concentrasse no próprio âmbito, na sua mensagem central.
O Papa concebeu tudo isso, como disse ele mesmo,
não como uma nova tática para obter maior consideração pela Igreja, mas como a
vontade de procurar “a plena sinceridade, que não reprime nada da verdade do
nosso hoje, mas realiza plenamente a fé no hoje”.
Justamente os alemães, como revelou o arcebispo de
Freiburg im Breisgau, Robert Zollitsch, não deveriam se deixar dissuadir, por
meio de seu zelante organizar, estruturar e reformar, desta busca de Deus.
Todavia, como o Papa não deu outras indicações práticas sobre o que ele entenda
por “fardos mundanos”, precisa-se de mais debates e discussões sobre quais
sejam as consequências a serem extraídas para promover a fé como o Papa indicou.
Poderá ser visto nos próximos meses se se deve compreender como uma rejeição do
sistema alemão aos impostos para o culto e à comprovada relação Estado-Igreja,
como alguns interpretaram ousando muito, ou se o seu discurso não tenha sido
principalmente um caloroso apelo para voltar ao essencial e viver as suas
consequências.
Este seu convite a concentrar-se no essencial da
mensagem bíblica não foi dirigido somente aos católicos na Alemanha, o seu
olhar dirigiu-se também à Europa. Nesse âmbito as condições da convivência de
Igreja e Estado desenvolveram-se de modo muito diferente no decorrer dos
séculos. A este propósito deve-se recordar que o artigo 17 do Tratado de Lisboa
garante a cada país europeu a manutenção da sua tradicional relação entre
Estado e Igreja. É decisivo manter ativo o diálogo com as Igrejas e levar à
nossa política as solicitações que o Papa deu-nos justamente na Alemanha.
Trata-se da realização dos valores cristãos na prática política.
Com efeito, Bento XVI promoveu justamente isso nas
suas homilias: a fé em Deus não deveria permanecer como algo privado, mas
deveria se manifestar na sociedade. Encorajou os cristãos a comprometerem-se
com frutos na sociedade e serem fermentos. Trata-se de imprimir os valores
cristãos no discurso social, mas também acolher as preocupações do homem e
sustentá-las. Isso foi dito pelo Papa na sua homilia em Freiburg, a cidade da
Cáritas. Na homilia agradeceu explicitamente a todos os que se dedicam ao
próximo nas creches e nas escolas, mas também os que se dedicam aos carentes e
aos deficientes nas muitas instituições sociais e caritativas na Alemanha e no
mundo. Este é um estímulo muito importante principalmente para os políticos. A
fé tem consequências para a nossa vida social e para o nosso agir público. Por isso
é necessário de agora em diante que os católicos se empenhem na política, na
economia, na sociedade e também nos serviços sociais com ajuda concreta.
Neste sentido, em Erfurt louvou o empenho dos
cristãos que na base da fé se opuseram ao regime totalitário da RDA. Apesar das
circunstâncias adversas, eles permaneceram fiéis a Cristo. Ainda hoje na
Alemanha Oriental procuram-se novas vias para a promover a fé cristã em um
ambiente muito distante da fé e para falar exatamente aos que buscam orientação
e respostas às questões cruciais.
Também a ponte que Bento XVI lançou aos muçulmanos
no encontro em Berlim demonstra que o Pontífice coloca-se justamente como
“construtor de pontes” para a prática pública da religião. Ele disse muito
claramente que gostaria que os muçulmanos também contribuíssem ao bem comum a
partir da sua religião, e que portanto a partir da sua fé defendessem a causa
de uma convivência pacífica na sociedade. Aqui também se reflete o
reconhecimento do nosso tipo de relação entre Estado e religião, que deve ser
aberta também aos muçulmanos.
Como esta viagem, para o Papa, tratou-se
principalmente de um aprofundamento da fé, o desejo de rápidas mudanças
concretas inevitavelmente não era esperado. E isso vale também para a questão
do ecumenismo com a Igreja evangélica na Alemanha. Um sinal importante, sem
dúvida, um acontecimento de nível histórico, foi o Papa ter encontrado no
convento dos agostinianos de Erfurt os representantes da Igreja evangélica. É
um lugar de grande importância simbólica para os protestantes alemães. Ali
viveu e atuou Martinho Lutero. Por isso tal gesto já é um sinal de abertura.
Com insistência e com o olhar dirigido para o futuro, o Papa citou Lutero na
sua busca de um Deus misericordioso. Aqui pôde perceber grandes afinidades
entre as confissões com relação ao mundo secularizado: as grandes Igrejas devem
cuidar juntas da questão de Deus e devem manter esta questão de Deus no mundo
secularizado. Para Bento interessavam os fundamentos da fé cristã em resposta
às questões existenciais “de onde viemos” e “para onde vamos”.
No entanto muitos esperavam do Papa um “passo
inequivocável para a superação da divisão entre as Igrejas”, como disse Norbert
Lammert, presidente do Bundestag. Na realidade – segundo as palavras do
arcebispo Robert Zollitsch – é preciso referir-se à Conferência Episcopal alemã
para traduzir as reflexões fundamentais do Papa e, junto com os representantes
da Igreja evangélica na Alemanha, encontrar vias para um aprofundamento do
ecumenismo. Nikolaus Schneider, presidente do “Conselho para a Igreja
evangélica na Alemanha”, falou de um “ecumenismo de dons” e propôs assim uma
via para prosseguir um caminho comum.
Espera-se que os problemas dos matrimônios e das
famílias formadas por membros de diferentes confissões cristãs com relação à
comum vida de fé, mas também as limitações para os divorciados casados
novamente, possam ser repensados depois da visita do Papa e que possam ser
feitos realísticos passos de reconciliação.
São muitas as questões abertas: certamente é muito
cedo para fazer um balanço. Os resultados dos múltiplos e intensos encontros
com o Papa, os estímulos e as solicitações que ele ofereceu serão elaborados
nas discussões e nos debates das próximas semanas e dos próximos meses. Assim
se poderá ver como poderá subsistir a Igreja na Alemanha no tempo presente e
como os fiéis individualmente poderão ser testemunhas da fé em seu ambiente.
Para mim, como político e como católico, permanece o convite para refletir sobre os princípios da minha política à luz das solicitações que o Papa fez na sua visita. Bento XVI com a sua mensagem nem sempre fácil, nem sempre cômoda, levou nós alemães a refletir. Devemos-lhe uma profunda gratidão pelas suas palavras, pelo seu encorajamento a viver a fé, pela visita na sua terra natal.
Fonte: http://www.30giorni.it/
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