AUTISMO EM ADULTOS: COMO LIDAR COM O DIAGNÓSTICO TARDIO
Publicado e revisado em: 9 de junho de 2022
O diagnóstico, mesmo que tardio,
aliado à terapia, é fundamental para o autoconhecimento e desenvolvimento da
independência.
Como é realizado o diagnóstico
Como já mencionamos, um caminho
comum é que pais de filhos autistas, ao pesquisar sobre a condição da criança,
percebem em si características semelhantes e busquem ajuda profissional. Mas
esse não é o único cenário.
Como o autismo afeta diretamente
as habilidades sociais de comunicação e relacionamento, é comum que o indivíduo
procure um serviço de saúde mental com outras queixas. É o que diz Ailton
Martins, psicólogo, especialista em Análise do Comportamento (USP) e
especialista em Análise do Comportamento Aplicada ao TEA (UFSCar).
“É comum que a pessoa se queixe
da falta de conexão com outras pessoas, um certo distanciamento social. Essa
dificuldade social pode gerar uma sensação de angústia, que às vezes pode se
confundir com depressão e/ou ansiedade.”
Não é raro que o autismo venha
acompanhado de outras condições, as chamadas comorbidades, principalmente na
fase adulta. Os prejuízos provocados pela dificuldade de socialização e a
autopercepção negativa podem desencadear transtornos de ansiedade e depressão,
por exemplo. O transtorno de déficit de atenção e hiperatividade também está
associado ao TEA em 30% a 50% dos casos.
“A dificuldade de atenção, a
hiperatividade e a impulsividade são características comuns a ambas as
condições. Os mecanismos envolvidos não são completamente elucidados; no
entanto, alterações em redes neurais específicas foram propostas como déficits
fundamentais tanto em TDAH como em TEA. Um estudo avaliou 19 meninos com TDAH e 18 com TEA contra 26 controles em situações de atenção focada e
de atividades sociais enquanto sua atividade cerebral era mapeada. Tanto as
crianças com TEA quanto aquelas com TDAH apresentaram alterações em redes
específicas, mas com diferenças entre hipoativação (TEA) e hiperativação
(TDAH)”, elucida o dr. Marcelo.
Além das comorbidades de
transtornos psiquiátricos, há também uma concomitância de distúrbios
alimentares e gastrointestinais (relacionados principalmente a seletividade
alimentar), epilepsia, distúrbios do sono, dentre outros. Tudo isso pode tirar
o foco do diagnóstico principal, motivo pelo qual uma investigação profunda
sobre o histórico do indivíduo é fundamental.
O autismo da infância é o mesmo
da vida adulta?
Grosso modo, sim. O que acontece
é que pessoas que têm um diagnóstico tardio geralmente são aquelas que não
tiveram dificuldade no desenvolvimento da linguagem, ou seja, não tiveram a
manifestação mais conhecida do transtorno. Como os principais conflitos têm a ver
com a sociabilização e com os padrões de comportamento e rotina repetitivos,
adultos no espectro podem aprender a “mascarar” os sintomas. Alexandre
Valverde, médico psiquiatra pela Unifesp, fala sobre esse processo.
“Por passar tanto tempo sem um
diagnóstico, a pessoa pode ter desenvolvido mecanismos para lidar com os
sintomas e as situações. É o que a gente chama de ‘masking’, um disfarce da
própria condição. Seja porque veem que tal comportamento é visto como
inadequado, não é bem aceito socialmente ou é incompreendido pelos demais. O
adulto consegue modular o próprio comportamento, enquanto a criança não tem
essa habilidade.”
Por isso, os desafios
enfrentados pelo adulto no espectro são diferentes dos enfrentados pela
criança. Isso também impacta a forma como as intervenções vão ser trabalhadas
pela equipe multidisciplinar que acompanha o indivíduo. E quais são os desafios
na vida adulta? O psicólogo Ailton Martins resume:
“A criança autista tem o desafio
de ser equiparada dentro do que chamamos de marcos do desenvolvimento. Por isso
dizemos que quanto mais cedo se descobrir o diagnóstico, melhores são as
chances de essa criança ter uma vida mais satisfatória e funcional.
O adulto autista já passou por
esse primeiro processo sozinho. Alguns vão ter uma necessidade maior de
intervenção e apoio. Já outros podem precisar de apoio em áreas específicas,
como aprender a demonstrar sentimentos, se adaptar a um novo emprego e lidar
com alterações na rotina.”
A chamada “rigidez cognitiva” é
um dos maiores desafios para Patrícia, que, como artista, costuma ter uma
rotina nem sempre estável.
“Tenho uma rigidez cognitiva
considerável, o que faz com que eventos surpresa possam me trazer muita
ansiedade e até desencadear uma crise (meltdown/shutdown). Então procuro me
programar com antecedência para qualquer coisa. Não consigo dar conta de muitos
eventos no mesmo dia. Considero ir numa papelaria um evento, por exemplo.”
Hiperfoco
O hiperfoco é uma das
características marcantes do autismo. É uma forma de hiperatividade que se dá
no campo da atividade mental, e não na psicomotora (embora as duas possam
existir ao mesmo tempo). É por isso que muitas dessas pessoas têm facilidade em
dominar um determinado assunto, já que a facilidade em aprender se une ao grande
interesse por uma única temática.
O próprio dr. Alexandre
Valverde, médico psiquiatra que colabora nessa matéria, foi diagnosticado como
autista aos 42 anos. A suspeita de alguma alteração neurocognitiva já existia,
observada por colegas que chegaram a apontar um possível TDAH, além de
destacarem a inteligência acima da média de Alexandre. Ao receber o diagnóstico
tardio, a ficha caiu.
“Eu tenho um bom nível de
interação social. Sempre tive mais dificuldades em começar relações afetivas,
mas não em mantê-las, então encarava isso como um traço de timidez. Depois do
diagnóstico, entendi por que tinha tanta facilidade para entender as coisas na
escola e na faculdade. Só precisava assistir a uma aula ou a um procedimento
uma única vez para aprender. Em compensação, tenho uma memória curiosa. Eu
lembro de informações ligadas à ciência, mas tenho dificuldade de lembrar
coisas mais simples, como o nome das pessoas ou situações do dia a dia”,
relata.
Além de médico, Alexandre fez
mestrado em Filosofia, já escreveu um roteiro de longa-metragem, está
produzindo uma série documental sobre autismo, e cuida de uma agrofloresta. “Eu
tenho uma rotina rigorosa para conseguir dar conta de tudo isso sem ficar
ansioso. A rotina me ajuda muito.”
Fonte: https://drauziovarella.uol.com.br/
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