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domingo, 24 de setembro de 2023

Autismo em adultos: como lidar com o diagnóstico tardio (2/3)

Autismo em adultos (Crédito: UOL)

AUTISMO EM ADULTOS: COMO LIDAR COM O DIAGNÓSTICO TARDIO

por Isabelle Manzini

Publicado e revisado em: 9 de junho de 2022

O diagnóstico, mesmo que tardio, aliado à terapia, é fundamental para o autoconhecimento e desenvolvimento da independência.

Como é realizado o diagnóstico

Como já mencionamos, um caminho comum é que pais de filhos autistas, ao pesquisar sobre a condição da criança, percebem em si características semelhantes e busquem ajuda profissional. Mas esse não é o único cenário. 

Como o autismo afeta diretamente as habilidades sociais de comunicação e relacionamento, é comum que o indivíduo procure um serviço de saúde mental com outras queixas. É o que diz Ailton Martins, psicólogo, especialista em Análise do Comportamento (USP) e especialista em Análise do Comportamento Aplicada ao TEA (UFSCar).

“É comum que a pessoa se queixe da falta de conexão com outras pessoas, um certo distanciamento social. Essa dificuldade social pode gerar uma sensação de angústia, que às vezes pode se confundir com depressão e/ou ansiedade.”

Não é raro que o autismo venha acompanhado de outras condições, as chamadas comorbidades, principalmente na fase adulta. Os prejuízos provocados pela dificuldade de socialização e a autopercepção negativa podem desencadear transtornos de ansiedade e depressão, por exemplo. O transtorno de déficit de atenção e hiperatividade também está associado ao TEA em 30% a 50% dos casos. 

“A dificuldade de atenção, a hiperatividade e a impulsividade são características comuns a ambas as condições. Os mecanismos envolvidos não são completamente elucidados; no entanto, alterações em redes neurais específicas foram propostas como déficits fundamentais tanto em TDAH como em TEA. Um estudo avaliou 19 meninos com TDAH e 18 com TEA contra 26 controles em situações de atenção focada e de atividades sociais enquanto sua atividade cerebral era mapeada. Tanto as crianças com TEA quanto aquelas com TDAH apresentaram alterações em redes específicas, mas com diferenças entre hipoativação (TEA) e hiperativação (TDAH)”, elucida o dr. Marcelo. 

Além das comorbidades de transtornos psiquiátricos, há também uma concomitância de distúrbios alimentares e gastrointestinais (relacionados principalmente a seletividade alimentar), epilepsia, distúrbios do sono, dentre outros. Tudo isso pode tirar o foco do diagnóstico principal, motivo pelo qual uma investigação profunda sobre o histórico do indivíduo é fundamental.

O autismo da infância é o mesmo da vida adulta?

Grosso modo, sim. O que acontece é que pessoas que têm um diagnóstico tardio geralmente são aquelas que não tiveram dificuldade no desenvolvimento da linguagem, ou seja, não tiveram a manifestação mais conhecida do transtorno. Como os principais conflitos têm a ver com a sociabilização e com os padrões de comportamento e rotina repetitivos, adultos no espectro podem aprender a “mascarar” os sintomas. Alexandre Valverde, médico psiquiatra pela Unifesp, fala sobre esse processo.

“Por passar tanto tempo sem um diagnóstico, a pessoa pode ter desenvolvido mecanismos para lidar com os sintomas e as situações. É o que a gente chama de ‘masking’, um disfarce da própria condição. Seja porque veem que tal comportamento é visto como inadequado, não é bem aceito socialmente ou é incompreendido pelos demais. O adulto consegue modular o próprio comportamento, enquanto a criança não tem essa habilidade.”

Por isso, os desafios enfrentados pelo adulto no espectro são diferentes dos enfrentados pela criança. Isso também impacta a forma como as intervenções vão ser trabalhadas pela equipe multidisciplinar que acompanha o indivíduo. E quais são os desafios na vida adulta? O psicólogo Ailton Martins resume: 

“A criança autista tem o desafio de ser equiparada dentro do que chamamos de marcos do desenvolvimento. Por isso dizemos que quanto mais cedo se descobrir o diagnóstico, melhores são as chances de essa criança ter uma vida mais satisfatória e funcional. 

O adulto autista já passou por esse primeiro processo sozinho. Alguns vão ter uma necessidade maior de intervenção e apoio. Já outros podem precisar de apoio em áreas específicas, como aprender a demonstrar sentimentos, se adaptar a um novo emprego e lidar com alterações na rotina.”

A chamada “rigidez cognitiva” é um dos maiores desafios para Patrícia, que, como artista, costuma ter uma rotina nem sempre estável. 

“Tenho uma rigidez cognitiva considerável, o que faz com que eventos surpresa possam me trazer muita ansiedade e até desencadear uma crise (meltdown/shutdown). Então procuro me programar com antecedência para qualquer coisa. Não consigo dar conta de muitos eventos no mesmo dia. Considero ir numa papelaria um evento, por exemplo.”

Hiperfoco

O hiperfoco é uma das características marcantes do autismo. É uma forma de hiperatividade que se dá no campo da atividade mental, e não na psicomotora (embora as duas possam existir ao mesmo tempo). É por isso que muitas dessas pessoas têm facilidade em dominar um determinado assunto, já que a facilidade em aprender se une ao grande interesse por uma única temática.  

O próprio dr. Alexandre Valverde, médico psiquiatra que colabora nessa matéria, foi diagnosticado como autista aos 42 anos. A suspeita de alguma alteração neurocognitiva já existia, observada por colegas que chegaram a apontar um possível TDAH, além de destacarem a inteligência acima da média de Alexandre. Ao receber o diagnóstico tardio, a ficha caiu. 

“Eu tenho um bom nível de interação social. Sempre tive mais dificuldades em começar relações afetivas, mas não em mantê-las, então encarava isso como um traço de timidez. Depois do diagnóstico, entendi por que tinha tanta facilidade para entender as coisas na escola e na faculdade. Só precisava assistir a uma aula ou a um procedimento uma única vez para aprender. Em compensação, tenho uma memória curiosa. Eu lembro de informações ligadas à ciência, mas tenho dificuldade de lembrar coisas mais simples, como o nome das pessoas ou situações do dia a dia”, relata. 

Além de médico, Alexandre fez mestrado em Filosofia, já escreveu um roteiro de longa-metragem, está produzindo uma série documental sobre autismo, e cuida de uma agrofloresta. “Eu tenho uma rotina rigorosa para conseguir dar conta de tudo isso sem ficar ansioso. A rotina me ajuda muito.”

Fonte: https://drauziovarella.uol.com.br/

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF