DESCUBRAMOS A “LOUCURA DA CRUZ!”
Dom Eurico dos Santos Veloso
Arcebispo Emérito de Juiz de Fora (MG)
A liturgia do 22º Domingo do Tempo Comum
convida-nos a descobrir a “loucura da cruz”: o acesso a essa vida verdadeira e
plena que Deus nos quer oferecer passa pelo caminho do amor e do dom da vida
(cruz). Unidos à Igreja no Brasil, iniciamos o Mês da Bíblia. Pelo estudo e
pela meditação da Palavra de Deus, reafirmamos a nossa vocação de ser uma
Igreja “Casa da Palavra”.
No encontro com Jesus, somos atraídos para a
missão de testemunhá-lo, renunciando a tudo o que nos impede de segui-lo com
fidelidade. Ele transforma nosso pensar e agir e nos ensina que ganhamos a vida
quando a pomos a serviço do Evangelho. A Palavra de Deus, à qual dedicamos um
carinho especial neste mês de Setembro, ilumine nosso caminho sinodal de
discípulos e discípulas de Cristo.
Na primeira leitura(Jr 20,7-9), um profeta de
Israel (Jeremias) descreve a sua experiência de “cruz”. Seduzido por Deus,
Jeremias colocou toda a sua vida ao serviço de Deus e dos seus projetos. Nesse
“caminho”, ele teve que enfrentar os poderosos e pôr em causa a lógica do
mundo; por isso, conheceu o sofrimento, a solidão, a perseguição… É essa a
experiência de todos aqueles que acolhem a Palavra de Deus no seu coração e
vivem em coerência com os valores de Deus. Esta leitura prepara-nos para a
meditação do Evangelho, contemplamos a “quinta confissão” de Jeremias. O Senhor
o seduziu e ele respondeu sim à vocação: “Deixei-me seduzir”. No entanto, a
vocação tornou-se motivo de sofrimento e de zombaria. O profeta pensa e tenta
desistir, mas não consegue! Sentiu a força ardente da Palavra de Deus, como que
se entranhando em todo seu ser.
A segunda leitura – Rm 12,1-2 – convida os
cristãos a oferecerem toda a sua existência de cada dia a Deus. Paulo garante
que é esse o sacrifício que Deus prefere. O que é que significa oferecer a Deus
toda a existência? Significa, de acordo com Paulo, não nos conformarmos com a
lógica do mundo, aprendermos a discernir os planos de Deus e a viver em
consequência. Diante da graça recebida de Deus, nossa resposta deve ser o novo
relacionamento com ele, o Senhor da vida. Nossa prática diária deveria ser o
espelho daquilo que celebramos.
No Evangelho(Mt 16,21-27), Jesus avisa os
discípulos de que o caminho da vida verdadeira não passa pelos triunfos e
êxitos humanos, mas passa pelo amor e pelo dom da vida (até à morte, se for
necessário). Jesus vai percorrer esse caminho; e quem quiser ser seu discípulo
tem de aceitar percorrer um caminho semelhante. No Evangelho, logo após Pedro
professar a fé dizendo que Jesus é o Cristo e o Filho de Deus (cf. Mt
16,16), Senhor anuncia pela primeira vez a sua Paixão e morte. Jesus se
alinha, assim, aos antigos profetas, como Jeremias, assumindo a vocação
profética e de Messias servo e pobre. Pedro, ouvindo isso, começa a rejeitar
tal condição do Mestre e põe-se a repreendê-lo. Pedro pensava como os homens e
não como Deus. Esperava um messias político-militar. Como seus contemporâneos,
Pedro era incapaz de admitir um Messias vocacionado à doação e à renúncia de si
mesmo até a morte. Jesus, por sua vez, repreende Pedro e convida-lhe a
comportar-se como discípulo, colocando-se atrás do Mestre. O discípulo deve,
como seu Mestre, renunciar à sua vida neste mundo para salvá-la. Renunciar a si
mesmo é a condição para seguir Jesus, é colocar-se no mesmo caminho do Mestre,
o caminho que leva á Cruz. O discípulo não se comporta como o adversário da
Cruz (Satanás), mas se oferece em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus! O
discípulo fiel não se conforma com o mundo. Ao contrário, transforma-se,
renovando sua maneira de pensar e de julgar, distinguindo o que é da vontade de
Deus, o que é bom, o que agrada a Deus, o que é perfeito.
Pensar as coisas de Deus é converter-se à
lógica do Reinado de Deus, é mudar a mentalidade e compreender que o único
caminho para ganhar a vida é doar-se pela mesma causa de Jesus. Pois só
encontra a vida quem se perde na paixão pela humanidade, deixando-se interpelar
pela miséria dos irmãos desfigurados sem sua dignidade, sofrendo com os que
sofrem, entregando a própria vida para que outros possam ter mais vida.
Tomar a própria cruz, portanto, não é
simplesmente sofrer, porque Jesus não quer sofredores sem causa. Ser discípulo
e discípula e tomar a própria cruz significa sofrer as consequências de ter
assumido a mesma missão de Jesus, no serviço e na entrega da vida pelos outros.
Percorrendo esse caminho é que nossa vida ganha sentido.
Compreender a “cruz de Jesus” e assumir a “própria cruz”, renunciando aos projetos pessoais não condizentes com as propostas do Mestre, é o grande desafio dos cristãos de todos os tempos. Quem não consegue acolher a cruz pode tornar-se “pedra de tropeço” no caminho dos discípulos e discípulas de Jesus.
Fonte: https://www.cnbb.org.br/
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