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segunda-feira, 4 de setembro de 2023

Inculturação no primeiro milênio (2/2)

Santo Agostinho ditando a um clérigo, Homilia de Aeginone (Codex Egino), final do século VII, Biblioteca Nacional, Berlim

Arquivo 30Dias – 08/09 - 2003

Inculturação no primeiro milênio

Bruno Luiselli, professor catedrático de literatura latina, explica em seu último livro como o cristianismo se difundiu entre os analfabetos e os pobres nos primeiros séculos, falando em sua língua e através de sua cultura. Desde o início, a dinâmica da inculturação foi uma necessidade óbvia, ainda que não teorizada. Entrevista:

por Paolo Mattei

Mesmo dentro do Império havia, especialmente entre os pobres, quem não sabia latim. Qual foi a dinâmica inculturativa neste caso?
LUISELLI: Sim, mesmo dentro do mundo romano havia focos de resistência à romanização e, portanto, resistência linguística à consequente latinização. Alguns bispos sensíveis se esforçaram para utilizar as línguas e culturas desses povos que hoje definimos como “alloglots”: grupos que faziam parte do mundo político-institucional romano, mas que ainda não haviam assimilado a cultura romana, tanto que eles não conseguiam se expressar em latim. Um exemplo é o da África romana, para cuja evangelização é importante ter presente o testemunho de Agostinho. Para chegar às populações rurais, Agostinho considerou oportuno pregar na língua púnica, hoje diríamos, mais cientificamente, na língua “neopúnica”. Agostinho não estava em condições de pregar nessa língua, embora conhecesse alguns elementos dela. Ele então recorreu a um de seus diáconos, Lucilo, que falava púnico. Agostinho considerou tão importante a colaboração deste diácono que recusou entregá-la ao bispo de Sitifi, irmão de Lucilo, que a havia solicitado. Agostinho quis abordar isso humillimum vulgus , e ele mesmo nos testemunhou que, além dos sermões, também foram compostos salmos abecedários na língua púnica destinados à educação cristã.

Como o Cristianismo se espalhou entre os povos não romanos?
LUISELLI: A dos primeiros séculos foi uma cristianização não oficial, não organizada de cima. As ocasiões eram variadas. Prisioneiros, por exemplo. Os cristãos capturados durante as incursões bárbaras atraíram a atenção dos seus senhores, fascinados pela sua humanidade boa e positiva. Esta dinâmica já está documentada na segunda metade do século III. Um poeta cristão muito interessante, Commodian, nos diz isso claramente quando fala de invasores góticos pagãos que alimentam cristãos cativos. Outro canal eram os mercadores, protagonistas dos contatos entre o mundo romano “intra limite” – deste lado das fronteiras do Império – e o mundo “extra limite” – para além das fronteiras do mundo romano. Tácito nos conta sobre isso. Não foi uma cristianização erudita ou organizada. Eram antes encontros entre pessoas comuns, pessoas do povo. Assim, para resumir: no lado gótico, no lado germânico - tanto através do Reno como na esfera britânica, ou seja, entre os anglo-saxões - e no lado celta, ou seja, no extremo oeste da Grã-Bretanha e na Irlanda, eu pude ver como as primeiras sementes do cristianismo foram lançadas por essas pessoas humildes. Assim nasceram os primeiros crentes. A Igreja oficial chegou sempre mais tarde, isto é, quando tomou consciência desta presença de crentes no mundo não romano. Então foram criados bispos isto é, no extremo oeste da Grã-Bretanha e na Irlanda, pude ver como as primeiras sementes do cristianismo foram espalhadas precisamente por estas pessoas humildes. Assim nasceram os primeiros crentes. A Igreja oficial chegou sempre mais tarde, isto é, quando tomou consciência desta presença de crentes no mundo não romano. Então foram criados bispos isto é, no extremo oeste da Grã-Bretanha e na Irlanda, pude ver como as primeiras sementes do cristianismo foram espalhadas precisamente por estas pessoas humildes. Assim nasceram os primeiros crentes. A Igreja oficial chegou sempre mais tarde, isto é, quando tomou consciência desta presença de fiéis no mundo não romano. Então foram criados bispos ad hoc que foram enviados como pastores.

No seu livro você traça a história da cristianização até o século IX. Em 813 realizou-se o Concílio de Tours, em certo sentido a “oficialização” da inculturação cristã…
LUISELLI: O Concílio de Tours representa uma viragem de época, um momento fundamental. No cânon 17 a comunidade dos padres conciliares estabelece que os textos da pregação herdados da grande tradição patrística cristã anterior não são mais repetidos em latim, mas em «rusticam Romanam linguam aut Theodiscam, quo facilius cuncti possint intellegere quae dicuntur», isto é, na língua rústica “romana” ou na língua “alemã”, então que todos possam entender mais facilmente o que está sendo dito. Este é o reconhecimento dos dois grandes componentes geoculturais que constituíram o império de Carlos Magno: o mundo que fora romano, o mundo românico, de tradição latina, até à região do Reno; e o mundo germânico, a partir da região do Reno. No Concílio de Tours havia bispos de ambos os componentes. A partir desse momento, a pregação teria sido de cunho românico na língua “Romýna” mas “rústica”, isto é, nos dialetos descendentes do latim; por outro lado, em falantes germânicos. Estas duas grandes realidades geopolíticas – a antiga românica gaulesa, hoje francesa, e a germânica – tornar-se-ão as nações protagonistas da história da Europa e do mundo.

Fonte: http://www.30giorni.it/

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF