Os Mártires do Século XX
O presente artigo considera o fato do martírio
no século XX, paralelo ao dos primeiros séculos. A igreja quer reconhecer e
homenagear os heróis da fé, que sofreram em campos do concentração, prisões e
outras ocasiões, e dos quais alguns ainda vivem, merecendo toda a estima dos
contemporâneos.
3. Um caso especial: a Albânia
3.1. A Perseguição
Em 1945 a Albânia tornou-se uma
República Popular sob a chefia de Enver Hoxha, que empreendeu violenta opressão
religiosa contra cristãos e muçulmanos. A Igreja Católica então contava 124.000
fiéis num total de um milhão de habitantes, mas a sua irradiação ia muito além
do número de fiéis. A perseguição desencadeou-se primeiramente contra os
Bispos, os Religiosos e os missionários estrangeiros; os fiéis que os
defendiam, foram presos, torturados e, às vezes, mortos por recusarem denunciar
publicamente os pretensos crimes do clero. Essa primeira onda persecutória
visava também a cortar o relacionamento do clero com a Santa Sé mediante
argumentos e promessas sedutoras. Os clérigos resistiram; então Enver Hoxha, a
conselho de Stalin, resolveu eliminar radicalmente a Igreja Católica. Em 1948
só restava um Bispo católico em vida nas montanhas do Norte do país. Ficavam
ainda umas poucas dezenas de presbíteros, que procuravam atender à Liturgia
dominical, passando de uma paróquia a outra sob a permanente ameaça de encarceramento
ou de execução sumária.
A situação em breve se modificou
quando o governo albanês rompeu com a Iugoslávia; precisava de se consolidar
interiormente; daí travar negociações com a Igreja em busca de um modus
vivendi. Em 1951 Enver Hoxha aceitou firmar um tratado com Mons. Shilaku,
reconhecendo os laços da Igreja na Albânia com Roma. Todavia o texto oficial
publicado pelo governo albanês não correspondeu ao que fora estipulado nas
conversações. Houve então protestos da parte de sacerdotes, que foram
assassinados ou enviados para campos de concentração. Apesar de tudo, o povo
católico não renunciava a viver a sua fé.
Entre 1952 e 1967 a situação se
estabilizou entre repressão governamental e resistência dos fiéis. Todos os
anos um sacerdote ou uma Religiosa morria em prisão ou em campo de
concentração. Quem estava em campo de concentração, era retirado, por vezes, para
comparecer a uma sessão de humilhação pública nas ruas das grandes cidades.
Aos 6/02/1967 Enver Hoxha
dirigiu um discurso a toda a nação, incitando a juventude albanesa a levar a
termo a luta “contra as superstições religiosas”. Os guardas vermelhos da
Albânia, à semelhança dos da China, foram encarregados dessa revolução
cultural. As igrejas, os conventos, as mesquitas foram tomados de assalto,
profanados, saqueados, incendiados, destruídos ou transformados em depósitos,
lojas ou apartamentos. Em oito meses 2169 lugares de culto foram assim extintos.
Aos 22/11/1967, a Gazette, órgão oficial do governo albanês, publicou um
decreto que anulava todos os acordos entre confissões religiosas e o Estado. A
administração dos sacramentos, os rituais e as preces públicas foram proibidos
sob pena de graves sanções. Os últimos membros do clero e os Religiosos foram
presos, espancados em público, humilhados, intimados a apostar e, na maioria,
enviados para campos de concentração. Não houve, porém, uma única defecção da
parte de sacerdotes católicos.
O governo foi mais além… Pôs-se
atacar qualquer objeto, símbolo ou gesto que pudesse ter significado religioso
até mesmo na intimidade da família. Tenha-se em vista o seguinte caso: os
católicos albaneses costumam iniciar suas refeições tomando um copo de raki,
sua bebida preferida, e levantando a taça com as palavras: “Louvado seja Jesus
Cristo!”. Pois bem, a partir de 1967 tais dizeres podiam custar cinco anos de
prisão. Os(as) professores(as) de escolas maternais perguntavam às crianças se
sabiam fazer o sinal da cruz; caso alguma criança demonstrasse sabê-lo, os seus
genitores eram punidos até com cinco anos de prisão. Era proibido fabricar
terços com grãos de girassol, como fazem os camponeses de Albânia. Era
interditada a Rádio Vaticana, que todas as noites tinha emissões em língua
albanesa. Em 1975 foram excluídos também todos os nomes que pudessem lembrar a
religião: Benedito(a), Pedro, Paulo, Maria, Joana…
Não obstante, houve famílias que
continuaram a transmitir a fé a seus filhos de maneira secreta. Alguns poucos
sacerdotes clandestinos ainda celebravam os sacramentos às ocultas. Nos campos
de concentração, os padres batizavam os adultos que o desejassem; caso fossem
descobertos, como o foi o Pe. Kurti, eram executados.
Apesar de toda essa repressão religiosa,
não se viu surgir o homem novo albanês exaltado pelos discursos de Enver Hoxha;
a vida de fé prosseguiu clandestinamente, enquanto o país foi afundando na
miséria ainda hoje perceptível.
Uma autêntica filha da Albânia,
Madre Teresa de Calcutá via essa realidade com olhos confiantes na Providência
Divina. Assim, ao receber o Prêmio Nobel da Paz de 1979, declarou:
“Creio que a Igreja na Albânia
está vivendo a experiência de Sexta-Feira Santa, mas nossa fé nos ensina que a
vida de Cristo não terminou na Sexta-Feira Santa, e, sim, se consumou na
Ressurreição. Nosso povo albanês há de guardar esta verdade na sua mente. Tal é
o segredo da paciência cristã…”
Os primeiros sinais de distensão
religiosa ocorreram após a morte de Enver Hoxha. Mas somente em novembro de
1990 (um ano após a queda do Muro de Berlim), o Pe. Simon Jubani um dos raros
sobreviventes, celebrou a primeira Missa pública após 1967, correndo ainda o
risco da própria vida. Em breve, porém, pôde batizar uma centena de adultos.
O regime comunista recuou, como
nos demais países da Europa, e aos fiéis foi concedida a liberdade de crença.
Com dificuldade a Albânia
procura reerguer-se. Ainda há violência no interior do país, agravada em 1998 e
1999 pelas guerras nos Bálcãs.
D. Estevão Bettencourt, osb
Revista: “PERGUNTE E RESPONDEREMOS”
Nº 456, Ano 2000, Pág. 194.
Fonte: https://cleofas.com.br/
Nenhum comentário:
Postar um comentário