Os Mártires do Século XX
O presente artigo considera o fato do martírio
no século XX, paralelo ao dos primeiros séculos. A igreja quer reconhecer e
homenagear os heróis da fé, que sofreram em campos do concentração, prisões e
outras ocasiões, e dos quais alguns ainda vivem, merecendo toda a estima dos
contemporâneos.
3.2. Algumas das vítimas
1) Cyprian Nika
Cyprian Nika era o padre
Provincial dos Franciscanos da Albânia. Após algumas semanas de cárcere e
torturas, foi levado à presença de oficiais do Estado para discutir sobre a
existência de Deus. Disse-lhes: “Como ser humano pensante, creio que existe
algo após esta breve existência na terra, em que o bem e o mal encontrarão a
respectiva sanção. Algo que ultrapassa os limites da natureza humana, algo de
sobre-humano, de sobrenatural, em que o mal e a injustiça não terão lugar”. Não
lhe foi dado acabar o seu discurso, pois os seus interlocutores perderam a
paciência e puseram-se a injuriá-lo. Um deles exclamou: “Meu deus é Enver
Hoxha!”. O Religioso orou então: “Faça-se a tua vontade!”. Foi fuzilado pouco
depois.
2) Daniel Dajani
Quando andava por uma das ruas
da cidade de Shkodër com um dos seus seminaristas, o Pe. Daniel Dajani foi
interpelado por agitadores, que o insultaram. Continuou a caminhar sem
responder. Mas o jovem seminarista, perturbado, não conseguir recuperar a calma.
O Pe. Daniel disse-lhe: “Caro Lazër, eles vieram com espingardas, mas foram
embora com amor”. Finalmente o Pe. Daniel Foi preso e testemunhou diante dos
seus juízes: “Desde a infância tenho fé e estou pronto a morrer para dar
testemunho da minha fé”. Foi então executado juntamente com Mozafer Pipa, o
jovem advogado muçulmano que o defendera.
3) Ded Macaj
Este jovem sacerdote de 28 anos
foi condenado à morte após um processo simulado. Declarou diante do pelotão que
o executou: “Perante Deus, em cuja presença vou comparecer em breve, e perante
vocês, caros soldados, declaro que sou assassinado tão somente por causa do
ódio à Igreja Católica. E eu o digo sem amargura nem ódio para com aqueles que
me vão fuzilar”.
4) Mikel Betoja
Este jovem sacerdote clandestino
foi depreendido a celebrar a Missa às ocultas numa aldeia. Foi logo condenado a
quinze anos de campo de concentração por motivo de “agitação e propaganda”.
Professou então sua fé em público. Em consequência a sua sentença foi logo
trocada pela de condenação à morte. Executaram-no aos 10/02/74.
5) Ded Malaj
O jovem vigário de Dajç foi
fuzilado às margens do lago de Shkodër por Ter continuado a exercer o seu
ministério. Os fiéis que o defenderam, foram mandados para campos de
concentração. Acontece, porém, que trinta anos depois a aldeia continua fiel à
sua fé católica.
6) Leonardo Shajakaj
Sacerdote de 76 anos de idade,
recusou dizer o que ouvira em confissão. Foi executado por causa deste “crime”
em 1964.
7) Mons. Gjergj Volsj
Fora o mais jovem Bispo do
Mundo. Recusou-se a romper com Roma. Foi então preso e torturado durante meses.
Na véspera de ser executado, recebeu a visita de sua mãe, que chorou. Mas o
filho lhe disse: “Mãe, não chores por causa do teu filho; antes, chora por todo
o povo”.
4. O Recenseamento
O Santo Padre João Paulo II
nomeou uma Comissão destinada a recensear e conservar a memória dos mártires do
século XX. A tal Comissão foi confiada uma tríplice tarefa:
– elaborar um catálogo dos
mártires do século XX;
– preparar a comemoração desses
mártires (marcada para 7/05/2000);
– aprofundar a contribuição
espiritual que trouxeram à Igreja.
Já mais de dez mil relatos de
martírio ocorrido nos diversos continentes chegaram a Roma, alguns redigidos em
duas linhas, outros em centenas de páginas; chegaram em cerca de dez línguas
diferentes, que é preciso traduzir para o italiano e passar para o computador
num programa especial de informática. 45% desses relatos vêm de Conferências
Episcopais e 40% de Congregações ou Ordens Religiosas.
Coloca-se uma questão nova a
propósito do conceito de mártir: será mártir somente quem morre por ódio à fé
ou pode ser tido como mártir aquele que passou anos em cárcere ou em campo de
concentração, tendo sofrido cruéis tormentos, mas foi posto em liberdade ainda
vivo? Houve, na realidade, Bispos, como Mons. Velychkovskyj na Ucrânia e Mons.
Fishta na Albânia, que foram libertados da prisão quando estavam gravemente
enfermos por causa das torturas e dos maus tratos e morreram pouco depois;
podem ser equiparados aos mártires no sentido clássico?
As respostas enviadas aos
questionários emitidos pela Comissão foram assaz diversas. Em setembro de 1998,
a Igreja da Espanha tinha mandado 2075 relatórios; a da França, dez. Depois a
França enviou mais cinquenta relatórios e a Espanha mais 2000 novos relatórios;
a Coréia, 200; a Polônia, 900. Quanto aos países dominados por governo
anticatólico (Vietnam, China, Sudão…), têm-se manifestado timidamente – o que
bem se entende, dado o controle das autoridades civis.
É de notar ainda que em
Jerusalém existe o Instituto Yad-Vashem, fundado em 1953 para recensear os
nomes de pessoas não israelitas que ajudaram ou salvaram judeus perseguidos,
com risco para a sua própria vida; esses beneméritos recebem o título de “Justos
das Nações”, que “amaram o próximo como a si mesmos”. Na Europa 12000 justos
foram assim reconhecidos e muitos ainda ficam no anonimato. A justificativa
apresentada para a exaltação desses nomes é que “todo aquele que salva uma vida
salva o universo todo inteiro”.
D. Estevão Bettencourt, osb
Revista: “PERGUNTE E RESPONDEREMOS”
Nº 456, Ano 2000, Pág. 194.
Fonte: https://cleofas.com.br/
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