Os Mártires do Século XX
O presente artigo considera o fato do martírio
no século XX, paralelo ao dos primeiros séculos. A igreja quer reconhecer e
homenagear os heróis da fé, que sofreram em campos do concentração, prisões e
outras ocasiões, e dos quais alguns ainda vivem, merecendo toda a estima dos
contemporâneos.
5. O Perdão aos Inimigos
Perdoar ao agressor não é fácil,
pois o coração humano tem seus ressentimentos espontâneos. Apesar disto, quem
percorre os relatos de martírio do século XX observa que muitas vezes o cristão
vítima exprime seu perdão aos carrascos e ora por eles. Eis alguns espécimens
significativos:
No Líbano o jovem Ghassibé
Kayrouz foi assassinado quando se preparava para entrar no Seminário. Numa
gaveta de seu quarto, os seus genitores encontraram um texto escrito na véspera
de sua morte, que foi lido por ocasião do seu enterro:
“Tenho um só pedido a
fazer-lhes: perdoem àqueles que me matarem. Fazei-o de todo o coração, e rogai
comigo que meu sangue, mesmo que seja o sangue de um pecador, seja resgate
pelos pecados do Líbano, uma hóstia misturada ao sangue das vítimas que tombaram,
de procedências e religiões diversas; seja o preço da paz, do amor e do
entendimento que foram perdidos por esta pátria e até pelo mundo inteiro.
Queiram ensinar às pessoas o amor através da minha morte, e Deus os consolará,
proverá às suas necessidades e os ajudará a viver esta vida. Não tenham medo,
não estou pesaroso, nem me sinto triste por deixar este mundo. Só estou triste
porque vocês estarão tristes. Rezem, rezem, rezem e amem seus inimigos”.
Na Argélia, o Pe. Christian de
Chergé, trapista assassinado, escreveu pouco antes da sua morte:
“Quisera, no momento oportuno,
ter o tanto de lucidez que me permitisse solicitar o perdão de Deus e dos meus
irmãos, assim como eu perdoaria de todo o coração a quem me tivesse atingido”.
Na África do Sul, Malusi
Mpumlwana, torturado e, depois, rechaçado, disse ao sair da prisão:
“Quando eles me torturavam, eu
pensava: são filhos de Deus e comportam-se como animais. Precisam de que nós os
ajudemos a recuperar a humanidade que eles perderam”.
Em El Salvador, o Pe. Navarro, assassinado
aos 11/05/1977 com o jovem Luís (de 14 anos), murmurou antes de morrer:
“Morro porque preguei o
Evangelho. Sei quem são meus assassinos. Saibam que lhes perdoo”.
Na Albânia, Mark Çuni foi
executado aos 6/03/1946, ao mesmo tempo que o Pe. Dajani e seus companheiros.
Eis as suas últimas palavras:
“Perdoo a todos aqueles que me
julgaram, condenaram e vão executar-me. Digam a minha mãe que ela pague os
quinze napoleões de ouro que eu devo a Ludovik Racha. Viva Cristo Rei! Viva a
Albânia!”.
Quanto ao Pe. Daniel Dajani,
encerrou seus dias dizendo:
“Perdoo a todos os que me
fizeram mal…”.
Na Polônia, quando o Cardeal
Wyszynski soube da morte do chefe comunista Bierut, que o tinha traído e
mandara lançar na prisão, escreveu em seu Diário:
“Nunca mais terei a ocasião de
discutir com Boleslaw Bierut. Ele já sabe que Deus existe e que Ele é amor.
Doravante Bierut está do nosso lado. Solicitarei do Senhor a misericórdia para
o meu perseguidor. Amanhã celebrarei a Missa em sufrágio por ele; desejo
absolvê-lo, na confiança de que Deus encontrará na vida do defunto atos que
falarão em seu favor. Muitas vezes no cárcere rezei por Boleslaw Bierut! Talvez
esta oração nos tenha ligado um ao outro a ponto de ele chamar-me em seu
socorro… Os seus colaboradores talvez em breve reneguem Bierut, como isto se
deu com Stalin. Eu não o esquecerei. O meu dever de cristão o exige”.
Em Tirana, na Albânia, o Pe. Zef
Piumhi, um dos poucos sacerdotes que sobreviveram à perseguição, contou o
seguinte:
“Um dia, após o fim da
perseguição, um dos meus carrascos veio a esta casa para pedir-me ajuda.
Precisava de submeter-se a uma cirurgia e só o podia fazer na Grécia. Trazia
consigo a sua carteira de trabalho, que lhe assegurava o salário de aposentado.
Disse-me ele que queria dar-me esse dinheiro, caso eu lhe pudesse pagar a
viagem para que fosse tratar-se no estrangeiro. Resolvi levar isso ao meu
Conselho Paroquial. Todos sabiam que tal homem havia sido meu carrasco. Mas
concordamos em pagar-lhe a viagem até Salônica, sem nada receber do seu salário
de aposentado. Quando ele voltou da Grécia e veio visitar-me, eu lhe disse que
ele nada nos devia; caiu então em prantos. É necessário perdoar, como pede o
Evangelho”.
Na Croácia, o Cardeal Stepinac,
vítima dos comunistas, escrevia:
“Que a maldade deles não vos
impeça de amar vossos inimigos! Uma coisa é a maldade, outra coisa é o homem”.
Ainda na Albânia o Cardeal Mikel
Koliqi, após quarenta anos de campo de concentração, de cárcere ou de
residência vigiada, declarava:
“Não sinto mágoa alguma. Eu lhes
digo francamente: não experimento ressentimento algum. Ao contrário, peço a
Deus que perdoa a eles. Para um cristão, a vingança não tem sentido”.
Ainda se pode citar a Sra.
Euguenia Guinzbourg. Narra que os seus companheiros de campo de concentração se
sentiam fortemente tentados a odiar seus carrascos. Dizia-lhes então:
“Assim procedendo, cairemos num
círculo vicioso. Vejam! Eles contra nós, nós contra eles, e de novo eles contra
nós… Até quando há de durar o círculo vicioso do ódio? Vamos Ter que sustentar
ainda e sempre o triunfo do ódio?”
Vejamos agora algumas das mais
brilhantes figuras de mártires do século XX, além das que examinamos até agora.
D. Estevão Bettencourt, osb
Revista: “PERGUNTE E RESPONDEREMOS”
Nº 456, Ano 2000, Pág. 194.
Fonte: https://cleofas.com.br/
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