Arquivo 30Dias – 09/2001
Questões mundiais emergentes no início do Terceiro Milênio
Um ensaio do presidente do IOR faz um balanço dos processos de globalização em curso e das consequências políticas e sociais. Longe da demagogia global-antiglobal.
por Ângelo Caloia
O PAPEL DA POLÍTICA
A difusão dos processos em curso está a impulsionar mudanças profundas nos sistemas económicos e políticos. Acima de tudo, ocorrem mudanças na dimensão territorial, tão evidentes em todas as esferas tradicionais da vida social.
É aqui, no terreno escorregadio das delicadas relações entre economia e política, que se registram os sinais mais significativos de descontinuidade com o século que acaba de terminar: um século “imensurável”, encerrado nas garras dos excessos do estatismo de uma política que invadiu todas as áreas da vida social. Na noite de 9 de novembro de 1989, com a queda do Muro de Berlim, ruiu uma ordem de relações entre Estados e povos que parecia imutável. Desde então, temos percebido cada vez mais que o par democracia e mercado, bem-sucedido na política mundial que se desenvolveu desde 1945, exige novos pontos de equilíbrio.
Na verdade, uma ameaça forte e iminente continua a ser exercida na frente económica e financeira. Isto porque a “retirada do Estado” abriu as portas a uma versão simplificada e altamente idealizada do neoliberalismo económico: de modo que o sentimento generalizado é que a política é cada vez menos capaz de atuar como contrapeso ao poder excessivo do capitalismo. economia.
O desafio a assumir, então, para evitar que as finanças e a economia dominem cada vez mais o nosso futuro e que os mercados se tornem os soberanos, tirando o cetro ao povo, é pensar numa nova política, capaz de fazer as suas mudanças que a globalização também trouxe para a política.
Hoje podemos certamente falar sobre a "internacionalização do processo de tomada de decisões políticas" não apenas em termos substanciais mas até formais: instituições como o G7 ou o Banco Mundial ou o Fundo Monetário Internacional ou a OMC parecem restringir as decisões governamentais (também através das reações dos mercados financeiros) muito mais do que Washington e a NATO alguma vez ousaram fazer, mesmo nos anos mais sombrios da Guerra Fria.
No entanto, permanece o problema de como as nações individuais - e a política em geral - podem ser proativas no que diz respeito à crescente interdependência entre os sistemas económicos e a internacionalização da política. Neste sentido, é crucial a atenção dada às mudanças que estão a ocorrer em torno do Estado-nação, uma síntese política que caracterizou a história do nosso continente ao longo da era moderna. Deste ponto de vista, o modelo do Estado-nação só tem hipóteses de sobrevivência se o processo de globalização for tomado como critério da política nacional em todas as áreas. Consequentemente, os fundamentos da atual coexistência social e política (tolerância, direitos humanos, garantias sociais) devem ser rediscutidos para serem repropostos em coerência com a nova realidade global.
A nova condição do Estado-nação exige que redefinamos o conceito de cidadania, pelo menos para tentar reduzir as contradições entre a lógica do mercado e a lógica da democracia que parecem estar a crescer nos atuais cenários de globalização.
O território já não é o que delimita ao circunscrever: de facto, é cada vez mais difícil colocar os recursos económicos dentro de certos limites. Por outro lado, as instituições começam a funcionar cada vez menos de acordo com a velha lógica da política geral. Por fim, quase paradoxalmente, percebemos que quanto mais as dimensões económicas se expandem para abranger o sistema global, mais relevante se torna o que acontece no nosso território. Neste sentido, a política, que parece perder preeminência ao nível dos Estados nacionais, recupera visibilidade como instrumento de construção da cidade do homem a níveis mais descentralizados.
Com tudo isto, o Estado não deve morrer: deve antes ser redes envolvido,
concentrando-se em algumas funções essenciais. O novo regionalismo, que é
cada vez mais evidente a nível internacional, não deve emergir apenas como uma
reação ao enfraquecimento do Estado moderno, mas antes como um sinal da linha
ao longo da qual os círculos sociais de interesses e necessidades fazem
exigências (por vezes contra a Estado, por vezes pedindo o seu apoio), uma
organização e gestão do poder diferente, capaz de tornar as formas de
convivência económico-social mais congruentes com as políticas. Nas novas
e diferentes inter-relações entre as realidades locais e a dimensão global, o
território adquire assim um novo valor e com ele a procura de instrumentos
diferentes e mais eficazes para a política.
CONCLUSÕES
A globalização da economia e a internacionalização da política exigem mais políticas novas e menos políticas antigas. Não se pretende exaltar a novidade (nem tudo é novo), mas combater o negacionismo (não é verdade que não há nada de novo) ou mesmo apenas a atitude fatalista de quem espera que a noite passe.
Quais são então as intenções? Em geral, deve ser prosseguida a "governação global" (ou seja, uma função de governo global e democrático), baseada em controlos sobre o desempenho das multinacionais em termos de trabalho, comércio justo e proteção ambiental, parâmetros de risco e sigilo para bancos e finanças, de códigos éticos de conduta para os vários intervenientes e que permite assim a cooperação entre Estados democráticos e entre instituições transnacionais e subnacionais e torna possível e vantajosa a gestão cooperativa dos desafios que a globalização acarreta.
É portanto necessário verificar se existe uma possibilidade real de direitos de cidadania globais, programaticamente “desligados” do baluarte do Estado-nação e confiados a uma dimensão cada vez mais universal. Por outras palavras, devemos perguntar-nos se uma “cosmópolis” (que substitui ou apoia a comunidade nacional) pode garantir a eficácia dos conteúdos, especialmente os políticos e sociais. Uma democracia transnacional postula a existência de sujeitos políticos, de partidos aos quais os cidadãos globais podem aderir. Isto coloca, por um lado, o problema dos métodos necessários para participar nos assuntos internos dos diferentes países e, por outro, o da presença aqui de Estados fortes, capazes de fazer cumprir a legislação transnacional destinada a regular os mercados, tanto a nível nacional como internacional.
A relação entre o sistema político de um país democrático e o seu sistema económico não democrático tem representado um formidável desafio aos objetivos da democracia no século XX. O desafio continuará no século XXI. Cabe-nos a nós garantirmos que a era da globalização não marque o fim da era da liberdade.
Na busca da “governança”, a religião (aqui entendida como espiritualidade organizada) está destinada a desempenhar um papel importante. A sacralização da ciência aparentemente eliminou a necessidade de intermediários (religiosos) para se aproximarem da verdade. No entanto, no século XX, já vimos em primeira mão que a descoberta científica e a inovação tecnológica não produzem apenas mudanças milagrosas, mas também poluição, destruição e doenças sem precedentes. A razão, em outras palavras, nos levou com sucesso aonde nunca gostaríamos de ter chegado.
Surgem então novos tipos de ciência (citemos, para a disciplina econômica, a teoria do caos), fundadas na intuição pelo menos tanto quanto no raciocínio, na admissão dos cientistas de que só podemos rezar para compreender tudo o que ainda não sabemos, a emergência dos limites daquela burocracia piramidal e hierárquica que outrora parecia a forma perfeita de organizar a cooperação entre os homens.
Daqui nasce uma atitude básica, caracterizada por uma mistura criativa de pensamento racional e intuição, por uma tolerância (quase celebração) da diversidade, pela máxima sensibilidade para a proteção ambiental. Um pensamento que prefere organizações horizontais iguais a sistemas verticais de autoridade, a assunção consensual de decisões e que mostra uma nova abertura para levantar questões de sentido, ética, intuição e espiritualidade nos assuntos públicos.
A tecnologia da informação, a consciência ecológica, a tolerância étnica, racial e sexual, o novo interesse pela espiritualidade, as mudanças nos padrões de consumo (no que diz respeito à alimentação, ao trabalho e à mobilidade), indicam uma nova visão do mundo e o desejo de uma vida mais sustentável. Estas mudanças de valores já estão em curso nos países mais avançados (da América do Norte e do Norte da Europa), onde as pessoas estão a perder a confiança nas instituições hierárquicas e tendem a colocar a sustentabilidade ambiental à frente do crescimento económico. Por vezes, é o próprio processo de globalização que impulsiona, direta ou indiretamente, comportamentos que dizem respeito não apenas aos indivíduos e às famílias, mas também às empresas. Numa sociedade global, o conceito de proximidade vai muito além das fronteiras tradicionais. “Ser próximo” significa considerar como nosso qualquer acontecimento externo a nós. Cada inovação, conquista e catástrofe afeta o mundo inteiro e leva-nos a reorientar e reorganizar as nossas vidas e as nossas ações ao longo do eixo local-global.
Repensar com esforço inovador como interpretar este e outros desafios e direcionar as transformações necessárias é uma tarefa urgente da qual ninguém pode escapar. As idéias oferecidas aqui são apenas iniciais. Outros têm o fardo de variações maiores e melhores.
Fonte: http://www.30giorni.it/
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