13 de setembro
São João Crisóstomo
João Crisóstomo nasceu por volta do ano 349, em
Antioquia, na Síria, Ásia Menor (atual Antakaya, sul da Turquia). Sua família
era nobre e muito rica, bem considerada socialmente. Seu pai, um comandante de tropas romanas no Oriente, faleceu cedo,
e sua mãe Antusa, futuramente canonizada, viúva aos 20 anos,
providenciou a melhor formação religiosa e acadêmica possível para o
filho. Na adolescência teve por mestre de Retórica o famoso Libânio,
que logo viu no aluno um talento superior; de fato, queria torná-lo seu
sucessor, mas João deixou a Retórica para dedicar-se à Fé.
Preparado durante três anos pelo bispo Melécio de
Antioquia, que o tornara quase que um seu secretário, foi batizado e promovido a leitor. Entre 367 e 372,
participou do asceterio, espécie de seminário de Antioquia, dirigido por
Diodoro, futuro bispo de Tarso, quando conheceu bem vários escritos sagrados.
Melécio foi então condenado, pela terceira vez, ao
desterro, e João decidiu abandonar os ofícios temporais,
pensando em se retirar para uma vida eremítica. Não o vez
imediatamente por instâncias da mãe, que ficaria sozinha. Em casa, passou
contudo a viver num estilo monástico; não mais frequentava a vida social, a não
ser os contatos doe, incluindo os futuros monges Teodoro e (São) Basílio;
praticava o jejum e passava as noites estudando as Escrituras, à luz de uma
lamparina.
Viveu depois disso uma experiência de quatro anos
com os eremitas no vizinho monte Silpio, e ainda mais dois anos isolado numa
caverna, estudando sem descanso dia e noite, principalmente as Cartas de São
Paulo, sem jamais se recostar, o que lhe afetou a região gástrica e os
rins. Teve que voltar a Antioquia em 381, para uma recuperação de saúde
que durou cinco anos. Neste período foi ordenado diácono por
Melécio, e escreveu algumas obras, que logo começaram a ficar conhecidas. Sua capacidade extraordinária de pregar ao povo sobre as
Escrituras também se evidenciou. Por isso ficou conhecido como “Crisóstomo”, ou
“boca de ouro”.
Em 386 o bispo Flaviano, sucessor de Melécio,
ordenou-o como sacerdote e pregador oficial da diocese. No ano seguinte, os sermões que proferiu na Quaresma ficaram famosos (22, sobre
estátuas, direcionadas à penitência e à conversão), relacionados à
crise que ocorreu neste mesmo ano a partir do aumento de impostos ordenado pelo
imperador Teodósio: um revolta popular em Antioquia contra esta determinação
levou à quebra de estátuas do imperador, da imperatriz e dos seus filhos, o que
deveria ser punido com mortes.
Num primeiro momento o imperador, em
Constantinopla, foi tolerante nos castigos, mas enquanto isso procurava
investigar os culpados. João aproveitou para pregar as
virtudes cristãs e a conversão com diligência no período quaresmal, por rogos e
advertências, a fim de que o bom exemplo das pessoas inclinasse favoravelmente
o julgamento imperial; também conseguiu que Flaviano visitasse o
imperador acompanhado de pessoas escolhidas, procurando lembrá-lo do valor das
vidas humanas, levando inclusive um discurso escrito pelo próprio João, de modo
a mitigar-lhe a ira. Teodósio enviou dois representantes para Antioquia, não
para uma punição, mas para apurar os acontecimentos.
O povo, aliviado por não ter tido castigo imediato,
logo desdenhou os sermões de João, voltando a se comportar como os
pagãos. Em breve prisões, torturas e execuções começaram a acontecer, em
ritmo acelerado e crescente. Convencido de que só o bom
comportamento poderia impedir estes abusos, João solicitou aos eremitas das
montanhas próximas que viessem à cidade em auxílio dos demais. Estes de fato
vieram, e com sua postura de vida e autoridade moral enfrentaram os subordinados
imperiais.
Um deles, Macedônio, disse aos dois enviados de
Teodósio: “...se os antioquenos haviam agido mal destruindo
imagens do imperador, que aliás tinham sido substituídas por outras mais belas,
nem por isso o imperador, por mais imperador que fosse, tinha o
direito de matar homens vivos, imagens do próprio Deus inseridas no livro da
vida, que ninguém seria mais capaz de reconstituir”.
João havia convocado também monges e todo o clero
de Antioquia e cidades vizinhas, que se ofereciam para morrer no lugar dos
condenados, de modo a que terminasse a matança. Foram
então suspensas temporariamente as execuções, para que se
consultasse o imperador. Finalmente o bispo Flaviano, depois de inúmeros
obstáculos, pôde ler para Teodósio o discurso de João, que enfatizava o valor
infinito do perdão.
Ao final, o imperador, tocado no coração,
respondeu: “Haverá algo de estranho quando nós,
homens, perdoemos aos que nos ofenderam, homens também, quando o Senhor do
mundo, depois de ter descido à terra e de Se ter feito servo por nós, […]
implorou ao Pai pelo bem de Seus verdugos com aquela oração: ‘Pai, perdoa-lhes,
porque não sabem o que fazem?’.
Decretou anistia geral, perdoando os culpados e devolvendo a Antioquia os privilégios
antes suprimidos.
Entre 386 e 397, João fez as suas mais famosas
homilias. Em geral pregava três vezes por semana, e as multidões com frequência
choravam ao ouvi-lo, sendo chamadas a abandonar os
vícios e leviandades e seguir os Mandamentos de Deus. Mas em
397, falecendo o bispo Nectário de Constantinopla, João foi chamado para
substituí-lo, por causa da fama das suas palavras, sendo sagrado, de má
vontade, pelo patriarca Teófilo de Alexandria.
Constantinopla, a capital com sua corte, era neste
tempo a mais desenvolvida cidade do império, mas também nos vícios e vontades
mundanas. Reinava então no Oriente um dos filhos do
falecido Teodósio, Arcádio, pusilânime, medíocre intelectualmente, fraco de
vontade, e casado com Eudóxia, de origem social inferior, e cuja
rápida ascensão a imperatriz facilitara a vaidade, cobiça e leviandade. O
governo era exercido realmente por Eutrópio, um eunuco do tempo de Teodósio,
que chegara ao cargo de “camareiro-mor”, com poderes de
primeiro-ministro, e a quem se sujeitava o casal imperial; era ambicioso, de
péssima conduta moral, ganancioso, e articulara o casamento de Eudóxia, sua
protegida.
João verificou o lamentável estado de baixeza
espiritual e moral da corte, da cidade, e, infelizmente, também do clero. Começou um esforço de reforma dos costumes, iniciando por si
mesmo: retirou e vendeu todos os objetos de luxo da casa que
ocupava, a do seu antecessor, e com o valor de tapeçaria, sedas, veludos, etc.,
incluindo sua cama, construiu um hospital e cuidou dos pobres. Dormia sobre
algumas tábuas, coberto com um único cobertor.
Combateu a heresia ariana, que negava a divindade
de Cristo, e condenou clara e duramente os vícios da corte e particularmente
dos prelados. Em breve, a “aquisição” de um bispo famoso
pela eloquência, que daria um maior “brilho” à cidade, começou a incomodar os
que havia quase que forçado o seu episcopado: “Aqueles que só pretendiam deleitar-se com suas formosas frases
tiveram que escutar também amargas verdades sobre suas indignas ações (os
bispos e cortesãos) e suas frivolidades”. Além disso, Eutrópio
caiu na desgraça do casal imperial em 399, e acabou sendo protegido por João.
Eudóxia passou a alimentar o desejo de vingança, e em termos práticos foi ela
quem assumiu a autoridade imperial.
João Crisóstomo não apenas condenava verbalmente o
luxo e a depravação da corte e os privilégios abusivos, a indolência e os
vícios do clero, mas tomou medidas práticas no
que podia fazer contra estes desvios. Assim removeu muitos padres indignos e
também seis bispos, incluindo o de Éfeso. Cada vez mais ostensivamente, a
nobreza e o clero passaram a hostilizá-lo.
Outros dois fatores contribuíram para a raiva
contra João. O patriarca Teófilo de Alexandria, que
obrigado por Arcádio o havia sagrado bispo, desde este evento lhe guardava
ressentimento – talvez por inveja? – que recrudesceu quando
alguns monges egípcios excomungados por Teófilo buscaram João para dar resposta
às acusações que lhes tinham sido feitas. E Crisóstomo criticou Eudóxia e as
cortesãs do palácio pelo seu modo pagão de vida, as quais reagiram com insultos
e procurando desacreditá-lo.
Assim, em 403 Teófilo e Eudóxia convocaram um sínodo com 36 bispos hostis a João, em sua ausência,
que o condenou com base em 21 casos falsos. O imperador Ardósio, já induzido à
má vontade para com ele, condenou-o ao exílio, na Bitínia (antiga
região do noroeste da Ásia Menor, na costa do Mar Negro, hoje Anatólia na
Turquia). Este foi um exílio muito curto, por causa da indignação popular, que
assustou a imperatriz e proporcionou o seu regresso.
Curto, porém, foi o período de calma, pois espetáculos e festas inadequadas e a imposição de uma estátua de
prata de Eudóxia, a poucos metros da catedral, seguiram-se apenas
dois meses depois. João tornou a criticar duramente estes excessos, e logo seus
opositores o acusaram de afronta à imperatriz.
A resposta de João foi uma homilia condenando claramente festas pagãs em honra de imperadores
cristãos, acrescentando que “já se enfurece novamente Herodíades, novamente se
comove, dança de novo e mais uma vez pede a cabeça de João numa bandeja. ”
Diante da controvérsia, Ardósio o proibiu de exercer as funções eclesiásticas e
ordenou sua reclusão dentro da igreja. Crisóstomo, contudo, não podia em
consciência deixar de celebrar as cerimônias da Semana Santa que se
aproximavam, e houve violência durante os batizados na Vigília Pascal. Por
causa disso João foi novamente exilado, não sem denunciar ao Papa, por carta,
os acontecimentos.
Partiu em 404 para Cucusa, na Armênia, ao leste da
(atual) Turquia, região entre o Mar Negro e o Mar Cáspio. Mesmo a esta distância, sua comunidade de Antioquia deslocou-se em
peregrinação para encontrá-lo, o que provocou a ira ainda maior dos seus
inimigos. Estes instigaram Arcádio a impedir as visitas dos fiéis, transferindo
João para Pytius (atual Ptisunda, na Geórgia), às margens do Mar Negro,
o que equivalia a uma condenação à morte: de fato, a caminhada a pé sob clima e
terreno rigorosos o exauriram, e ele chegou moribundo a Comana Pontica (na
atual Turquia). Faleceu em 14 de Setembro de 407, festa da Exaltação da Santa
Cruz (por isso sua festa é comemorada um dia antes), na capela do mártir São
Basilisco, onde foi sepultado.
Em 438, seus restos mortais foram
transladados para Constantinopla, sob o imperador Teodósio II, filho se Arcádio
e Eudóxia, que durante o cortejo, com o rosto apoiado no caixão,
pedia a João Crisóstomo perdão para os seus pais.
São João Crisóstomo é Doutor da Igreja, Padroeiro do Concílio Vaticano II, e um, senão o primeiro, dos maiores oradores católicos da História. Sua obra escrita é quase toda conservada, e inclui 17 tratados, mais de 700 homilias autênticas, grande parte delas sobre São Paulo, e 241 cartas. Seu livro mais famoso é "Sobre o Sacerdócio", clássico de espiritualidade monástica.
Colaboração: José Duarte de Barros Filho
Reflexão:
São João Crisóstomo teve
oportunidade de conhecer a Filosofia e a Retórica, mas nem por isso se deixou
levar pelas seduções das ideias e palavras vazias, ainda que bem organizadas e
apresentadas. Ao invés disso, aproveitando o que pôde ser de valor instrutivo
destas concepções humanas, dedicou-se ao estudo das matérias que têm conteúdo
verdadeiro, palavras de vida eterna, e buscou a convivência com mestres e
companheiros santos. Daí que pôde também ensinar, na teoria e na prática, a
coerência necessária entre os preceitos de Deus e a vida dos batizados na
Igreja, algo que mesmo imperadores dito cristãos, pessoas ditas fiéis, e ainda
membros do clero não se prontificaram a seguir, preferindo dedicar-se a um modo
de vida que, por assim dizer, propõe festas pagãs em honra de nomes cristãos… o
panorama do século IV parece muito atual na cristandade do século XXI. E as
perseguições, a quem quer seguir o Pastor, mudam só na aparência: os inimigos
querem sempre manter longe Dele as ovelhas, manobrando para matá-Lo e para as
manterem em cativeiro, impedidas de encontrá-Lo, se não pelas distâncias
geográficas, por aquelas ideológicas, midiáticas, etc. Muita ênfase dá São João
Crisóstomo, nos seus escritos, à educação infantil, fase da vida onde se
sedimentam as virtudes, e onde esta coerência fundamental entre as ideias e o
agir precisa ser estabelecida com firmeza. E seus maravilhosos escritos e
sermões, pelos quais é mais conhecido, não teriam o mesmo valor se ele não
agisse conforme pregava: tomou providências concretas para ajudar os
necessitados, desfazendo-se de bens para construir um hospital, enviou uma
embaixada para obter clemência do imperador para as pessoas da sua cidade,
convocou ajuda de eremitas e monges – e assim conseguiu salvar vidas e almas,
obtendo de Teodósio a sua belíssima compreensão do perdão... da valorização da
santidade individual, João Crisóstomo propõe a construção, sempre em coerência,
da estrutura social (conforme escreve nos seus comentários aos dos Apóstolos),
baseada não mais na antiga polis grega, onde eram dados valores diferentes a
pessoas de distintas camadas sociais e a pátria era superior ao indivíduo, mas
sim no modelo da Igreja primitiva (cf. At 4,32-37), onde cada ser humano tem o
mesmo valor intrínseco de filho de Deus, e por consequência, como verdadeiros
irmãos, procuram conviver com equilíbrio baseado no amor, estruturando assim a
organização, sucessivamente, das famílias, das comunidades e das nações. Neste
sentido, ele é um inspirador da Doutrina Social da Igreja, que organiza esta
vida em função da nossa verdadeira polis, pois “somos cidadãos do Céu” (cf. Fl
3,20). João não era político, nem “politicamente correto”, por isso exerceu com
clareza, honestidade e coerência o seu sacerdócio e o seu bispado; por isso
sofreu, já que “se enfurece novamente Herodíades…”, mas hoje está na glória de
Deus. Não se pode ceder a “respeitos humanos” diante do que agride a Deus, a
Igreja, a Verdade (que é Cristo!) e põe em perigo a salvação das almas.
Conhecimento da Verdade e retidão de vida: a coerência entre elas é o cerne de
toda a pregação de Crisóstomo, e a nossa obrigação e salvação cristã.
Festejemos, como ele, a nossa ida para a verdadeira polis na Exaltação da Santa
Cruz, ápice da congruência entre a Criação e a Redenção!
Oração:
Senhor, que nos transmitistes Vossa Palavra eterna, com a ação salvadora na qual necessariamente se traduz o Verbo, concedei-nos por intercessão de São João Crisóstomo a coerência no conhecimento e prática dos Vossos ensinamentos e da Vossa vontade, para que destruamos as imagens dos ídolos mundanos, e oferendo nossas vidas pelo amor do próximo, alegremente nos exilemos do que é mundano, proclamando a Verdade. E por Vossa infinita misericórdia, suscitai também hoje santos pregadores para a Vossa Igreja. Por Nosso Senhor Jesus Cristo e Nossa Senhora. Amém.
Fonte: https://www.a12.com/
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