As diferenças entre católicos e orientais
ortodoxos
Em síntese: São treze as principais
diferenças doutrinárias e disciplinares que distanciam católicos e ortodoxos
orientais uns dos outros: os ortodoxos não aceitam o primado e a infalibilidade
do Papa, a processão do Espírito Santo a partir do Filho, o purgatório póstumo,
os dogmas da Imaculada Conceição e da Assunção de Maria Ssma., o Batismo por
infusão (e não por imersão), a falta da epiclese na Liturgia Eucarística, o pão
ázimo (sem fermento) na celebração eucarística, a Comunhão eucarística sob a
espécie do pão apenas, o sacramento da Unção dos Enfermos como é ministrado no
Ocidente, a indissolubilidade do matrimônio, o celibato do clero. Como se pode
ver, nem todos esses pontos diferenciais são da mesma importância. O mais
ponderoso é o da fidelidade ao Papa como Pastor Supremo, assistido pelo
Espírito Santo em matéria de fé e de Moral.
São treze¹ os pontos que distinguem dos fiéis católicos os cristãos
ortodoxos orientais. Vão, a seguir, enumerados e comentados.
Seja observado, logo de início, que em geral os orientais têm por
ideal a volta da Igreja ao que ela era até o sétimo Concílio Geral
(Nicéia II em 787), pois só aceitam os Concílios de Nicéia I (325),
Constantinopla I (381), Éfeso (431), Calcedônia (451), Constantinopla II (553),
Constantinopla III (681), Nicéia II (787). O Concílio de Constantinopla IV, que
excomungou o Patriarca Fócio em 869/870, é rejeitado pelos orientais.
1. Primado do Papa. Alega a teologia ortodoxa
que a jurisdição universal e suprema do Papa implica que os outros bispos são
subordinados a ele como seus representantes.
A esta concepção responde o Concílio do Vaticano II: “Aos Bispos é
confiado plenamente o ofício pastoral ou o cuidado habitual e cotidiano das
almas. E, porque gozam de um poder que lhes é próprio e com toda razão são
antístites dos povos que eles governam, não devem ser considerados vigários
(representantes) do Romano Pontífice” (Constituição Lumen Gentium 27).
O primado do Bispo de Roma ou do Papa garante a unidade e a coesão da
Igreja, preservando-a de iniciativas meramente pessoais e subjetivas.
2. Infalibilidade. Em 1870, fazendo eco a
antiga crença dos cristãos, o Concílio do Vaticano I declarou o Papa infalível
quando fala em termos definitivos para a Igreja inteira em matéria de fé de
Moral. – A teologia ortodoxa oriental alega que esta definição extingue a
autoridade dos Concílios.
Respondemos que os Concílios gerais ou universais têm plena razão de
ser, desde que o Papa deles participe (por si ou por seus delegados) e aprove
as suas conclusões. Em nossos dias mais e mais se tem insistido sobre a
colegialidade dos Bispos.
3. A processão do Espírito Santo a partir do Filho (Filioque). Esta concepção da Igreja Católica decorre do fato de que “em Deus não há
distinções a não ser onde haja oposição relativa”. Se, portanto, entre o
Filho e o Espírito Santo não há a distinção de Espirante e espirado, um não se
distingue do outro ou o Filho e o Espírito Santo são uma só Pessoa em Deus.
Verdade é que Jesus em Jo 15, 26 diz que o Espírito procede do Pai; o Senhor, porém,
não tenciona propor aí uma teologia sistemática, mas põe em relevo um aspecto
da verdade sujeito a ser completado pela reflexão.
Na verdade, a questão em foco é mais de linguagem do que de doutrina,
como foi demonstrado em PR 442/1999, pp. 120ss. Os orientais preferem dizer que
o Espírito Santo procede do Pai através do Filho – o que pode
ser conciliado com a posição dos ocidentais.
4. Purgatório. Os orientais não tiveram
dificuldade para aceitá-lo até o século XIII. Em 1231 ou 1232, o metropolita
Georges Bardanes, de Corfu, pôs-se a impugnar o presumido fogo do purgatório,
pois na verdade não há fogo no purgatório. Os teólogos orientais subsequentes
apoiaram a contestação (muito justificada) de G. Bardanes. Mas nem por isto
negaram um estado intermediário entre a vida terrestre e a bem-aventurança
celeste para as almas daqueles que morrem com resquícios de pecado; estes
seriam perdoados por Deus em vista da oração da Igreja; estariam assim
fundamentados os sufrágios pelos defuntos.
A absoluta recusa do purgatório só ocorreu entre os orientais no século
XVII sob a influência de autores protestantes. Daí por diante a teologia
oriental está dividida; há muitos teólogos ortodoxos que admitem um estado
intermediário entre a morte e a bem-aventurança celeste como também reconhecem
o valor dos sufrágios pelos defuntos.
5. A Imaculada Conceição de Maria. Esta
é, por vezes, confundida com um pretenso nascimento virginal de Maria Ssma.
(Santa Ana teria concebido sua filha sem a colaboração de São Joaquim). Já que
tal concepção virginal carece de sólido fundamento, também a Imaculada
Conceição é posta em dúvida pelos orientais. Ocorre, porém, que a literatura e
a Liturgia dos ortodoxos enaltecem grandemente a total pureza de Maria,
professando a mesma coisa que os ocidentais, ao menos de modo implícito, sem
chegar a formular um dogma de fé a respeito.
6. A Assunção de Maria Ssma. Foi
proclamada como dogma de fé em 1950 pelo Papa Pio XII, de acordo com a tradição
teológica ocidental e oriental. Merece especial atenção a iconografia oriental,
que representa de maneira muito expressiva a Virgem sendo assumida aos céus por
seu Divino Filho. Na verdade, o que fere os orientais, não é a proclamação da
Assunção; mas a promulgação do dogma (como no caso da Imaculada Conceição).
7. Batismo por infusão ou aspersão da água. Dizem os teólogos ocidentais que o importante no Batismo é o contato da
água com o corpo da pessoa, simbolizando purificação. Se o sacramento é um
sinal que realiza o que significa, a água batismal significa e realiza a
purificação da alma.
8. Epiclese. Os orientais julgam
essencial na Liturgia Eucarística a Invocação do Espírito Santo (epiclese)
antes das palavras da consagração; ora estas faltam no Cânon Romano (Oração
Eucarística nº 1), pois os latinos julgam que a consagração do pão e do vinho
se faz pela repetição das palavras de Cristo: “Isto é o meu corpo… Isto é o meu
sangue…”. Acontece, porém, que as Orações Eucarísticas compostas depois do
Concílio (1962-65) têm a epiclese não para corrigir uma pretensa falha
anterior, mas para guardar uma antiga tradição.
9. Pão ázimo. Jesus, em sua última ceia,
observou o ritual da Páscoa judaica, que prescrevia (e prescreve) o uso do pão
ázimo ou não fermentado. A Igreja Católica guardou o costume na celebração da
Eucaristia. Está bem respaldada. O uso do pão fermentado não é excluído, pois,
em última análise, se trata sempre de pão.
10. A Comunhão Eucarística sob as espécies do pão apenas. Até o século XII a Comunhão era ministrada sob as duas espécies; o uso
foi abolido por causa de inconvenientes que gerava (profanação, sacrilégios…).
Todavia após o Concílio já é permitido dar a Comunhão sob as duas espécies a
grupos devidamente preparados.
11. Unção dos Enfermos. Baseados em
Tg 5, 14s, os orientais ortodoxos têm a Unção dos Enfermos como sacramento.
Divergem, porém, dos ocidentais em dois pontos:
– a Unção não é reservada aos gravemente enfermos nem tem a marca de
preparação para a morte, mas, ao contrário, vem a ser um rito de cura para
qualquer enfermo;
– a Unção, no Oriente, tem forte caráter penitencial, a tal ponto que
ela é conferida também aos pecadores, mesmo sadios, a título de satisfação
pelos pecados.
Pode-se dizer, portanto, que a Unção “dos Enfermos” nas comunidades
orientais ortodoxas é dada a todos os fiéis que tenham algum problema de saúde
corporal ou espiritual. Isto ocorre especialmente na Semana Santa entre os
russos.
Essas diferenças, que não são das mais graves, foram muito exploradas
nos debates entre latinos e gregos. Os ocidentais reservam a Unção para os
casos de moléstias graves ou sério perigo de vida.
12. Divórcio. Baseados em Mt 5, 32 (= Mt
19, 9) e contrariamente ao que se lê em Mc 10, 11s; Lc 16, 18; 1Cor 7, 10s, os
ortodoxos reconhecem o divórcio. A Igreja Católica não interpreta São Mateus em
sentido contrário ao de Marcos, Lucas e Paulo; portanto não reconhece o
divórcio de um matrimônio sacramental validamente contraído e consumado, mas
julga que em Mt 5 e 19 se trata da dissolução de um casamento tido pela Lei de
Moisés como ilícito. Ulteriores dados podem ser encontrados em PR 473/2001, pp.
453ss.
13. Celibato do Clero. Seria “uma
restrição imposta nos séculos posteriores, contrária à decisão do primeiro
Sínodo Ecumênico (325)”. Que há de verídico nisso?
O celibato do clero tem seu fundamento em 1Cor 7, 25-35, onde São Paulo
recomenda a vida una ou indivisa. Esta foi sendo praticada espontaneamente pelo
clero até que, em 306 aproximadamente, o Concílio regional de Elvira (Espanha)
a sancionou para os eclesiásticos de grau superior. A legislação de Elvira
foi-se propagando no Ocidente por obra de outros concílios regionais.
Ao contrário, os orientais estipularam que, após a ordenação, os
clérigos de grau superior (ou do diaconato para cima não poderiam contrair
matrimônio, mas eram autorizados a manter o uso do matrimônio os que tivessem
casado antes da ordenação. O Concílio de Nicéia I (325) rejeitou a proposta
segundo a qual o celibato no Oriente seria observado sem exceções, como no
Ocidente; isto, por protesto do Bispo egípcio Pafnúncio, o qual guardava
pessoalmente o celibato. Os Bispos orientais são todos celibatários e, por
isto, recrutados entre os monges.
Como se vê, algumas das diferenças apontadas são disciplinares e não
impedem a volta à unidade de cristãos orientais e ocidentais. Podem-se admitir
o pão fermentado na Eucaristia, a obrigatoriedade da epiclese, o clero casado…
O maior obstáculo é o do primado do Papa. Paulo VI e João Paulo II demonstraram
ter consciência do problema, que poderá ser resolvido satisfatoriamente. Eis o
que escreve João Paulo II em sua encíclica Ut Unum Sit datada
de 25/05/95:
“Entre todas as Igrejas e Comunidades Eclesiais, a Igreja Católica está
consciente de ter conservado o ministério do sucessor do Apóstolo Pedro, o
Bispo de Roma, que Deus constituiu como perpétuo e visível fundamento da
unidade e que o Espírito ampara para que torne participantes deste bem
essencial todos os outros. Segundo a feliz expressão do Papa Gregório Magno, o
meu ministério é de servus servorum Dei… Por outra parte, como pude
afirmar por ocasião do Encontro do Conselho Mundial das Igrejas em Genebra aos
12 de junho de 1984, a convicção da Igreja Católica de, na fidelidade à
Tradição apostólica e à fé dos Padres, ter conservado, no ministério do Bispo
de Roma, o sinal visível e o garante da unidade, constitui uma dificuldade para
a maior parte dos outros cristãos, cuja memória está marcada por certas
recordações dolorosas. Por quanto sejamos disso responsáveis, como o meu
Predecessor Paulo VI, imploro perdão” (N] 88).
“Com o poder e a autoridade sem os quais tal função seria ilusória, o
Bispo de Roma deve assegurar a comunhão de todas as Igrejas. Por este título,
ele é o primeiro entre os servidores da unidade. Tal primado é exercido em
vários níveis, que concernem à vigilância sobre a transmissão da Palavra, a
celebração sacramental e litúrgica, a missão, a disciplina e a vida cristã.
Compete ao sucessor de Pedro recordar as exigências do bem comum da Igreja, se
alguém for tentado a esquecê-lo em função dos interesses próprios. Tem o dever
de advertir, admoestar e, por vezes, declarar inconciliável com a unidade da fé
esta ou aquela opinião que se difunde. Quando as circunstâncias o exigirem,
fala em nome de todos os Pastores em comunhão com ele. Pode ainda – em
condições bem precisas, esclarecidas pelo Concílio do Vaticano I –
declarar ex cathedra que uma doutrina pertence ao depósito da
fé. Ao prestar este testemunho à verdade, ele serve à unidade” (Nº 94).
“Dirigindo-me ao Patriarca Ecumênico Sua Santidade Dimitrios I, disse
estar consciente de que, “por razões muito diferentes, e contra a vontade de
uns e outros, o que era um serviço pôde manifestar-se sob uma luz bastante
diversa”. Mas … é com o desejo de obedecer verdadeiramente à vontade de Cristo
que eu me reconheço chamado, como Bispo de Roma, a exercer este ministério… O
Espírito Santo nos dê sua luz e ilumine todos os pastores e os teólogos das
nossas Igrejas, para que possamos procurar, evidentemente juntos, as formas
mediante as quais este ministério possa realizar um serviço de amor,
reconhecido por uns e por outros” (nº 95).
Como se vê, o Papa não abdica (nem pode abdicar) do seu ministério, que
garante a unidade da Igreja, mas pede que os estudiosos proponham modalidades
de exercício desse ministério que satisfaçam a todos os cristãos. – Queira o
Espírito inspirar os responsáveis para que realmente colaborem para a solução
das dificuldades que os cristãos não católicos enfrentam no tocante ao primado
do Papa!
A propósito muito se recomenda a leitura da encíclica Ut Unum
Sint (Para que seja um), sobre o empenho ecumênico, de João Paulo II.
______________________
¹ Valemo-nos de notícia colhida na Internet, da autoria do Ver.
George Mastrantonis, já citado no artigo anterior a este.
Revista:
“PERGUNTE E RESPONDEREMOS”
D. Estevão Bettencourt, osb
Nº 480 – Ano 2002 – Pág. 200
Fonte: http://www.pr.gonet.biz/index-catolicos.php
https://presbiteros.org.br/
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