Para Sabine
Hossenfelder, linguagem matemática disfarça caráter mitológico de algumas
teorias.
SÃO PAULO
A alemã
Sabine Hossenfelder, 47, diz ter ficado um pouco deprimida depois de publicar
seu primeiro livro. É que "Lost in Math" (perdidos na
matemática), de 2018, torna pública a série de decepções e críticas que ela
acumulou em sua área de estudos, a física teórica.
"Eu
sentia que precisava escrever porque alguém tinha que falar aquelas
coisas", diz em entrevista à Folha. "Mas foi uma coisa
bastante negativa de fazer."
A pesquisadora do Instituto de Estudos Avançados de Frankfurt,
então, mergulhou em seus pensamentos para se lembrar do que a havia levado ao
campo da física teórica, para começo de conversa.
Foi a vontade de entender como o mundo funciona –mas não no
nível da sociedade, das pessoas ou das coisas. Ela queria ir mais fundo, até
chegar às partículas a partir das quais tudo o mais é feito e que, em tese,
podem explicar qualquer coisa que acontece no Universo.
Daí veio seu segundo livro, "A Ciência Tem Todas As Respostas?", que a
Contexto publica agora no Brasil. Nele, Hossenfelder procura explicar de forma
didática vários dos temas mais pops da física, como a
origem do Universo e as teorias quânticas.
Acostumada a fazer divulgação científica em seu canal no YouTube, onde
tem mais de 1 milhão de inscritos, a autora não tem dificuldade para abordar
questões áridas em linguagem comum e cheia de analogias. O que ela não
consegue, porém, é deixar a crítica de lado.
"Muitos divulgadores científicos tentam deslumbrar as
pessoas, especialmente na cosmologia. Tudo sobre início do Universo e teorias
quânticas é cheio de ‘uau!’, de grandes mistérios", diz.
"Mas acho que as pessoas ficam em parte confusas e em parte
decepcionadas quando descobrem que quase tudo isso é bobagem. E eu quero que as pessoas
saibam a verdade. Quero que saibam o que realmente está acontecendo na física,
o quanto sabemos e o que é blablablá."
Big Bang? Blablablá. Multiverso? Blablablá.
Ou, para usar a formulação chique do livro: "Isso não é
ciência. É religião mascarada de ciência sob o disfarce da matemática".
A autora argumenta que, em muitos campos de pesquisa, ainda não
existem dados suficientes para que os estudiosos cheguem a uma conclusão; em
tantos outros, como o passado mais remoto, talvez nunca seja possível fazer
observações capazes de sustentar uma hipótese.
Em qualquer um desses casos, diz ela, o que os pesquisadores
estão fazendo quando defendem certas teorias nem pode ser chamado de ciência,
pela impossibilidade de as evidências mostrarem se as teorias estão certas ou
erradas.
"Mas não é como se tudo fosse bobagem", diz na
entrevista. "Há algumas boas pesquisas em andamento e há grandes questões
sobre o quanto realmente podemos descobrir. Deveríamos falar sobre isso de
forma honesta, deixando claro o que a ciência pode descobrir e o que não
pode."
Hossenfelder sabe que suas críticas duras não fazem amigos e,
pior, têm sido usadas por inimigos da ciência para reforçar o negacionismo.
Como se fosse possível apontar para ela e dizer: "Tá vendo, ciência é tudo
besteira!".
"Não sei se há algum jeito de consertar isso. Não importa o
que você faça, sempre haverá pessoas que tiram conclusões precipitadas e
atribuem opiniões a você. O melhor que posso fazer é explicar que há
sutilezas", diz.
Não só ela deveria tomar cuidado; na verdade, ela acha que os
pesquisadores é que deveriam ser mais claros com o público quanto aos limites
de seus estudos.
Qual a chance de isso acontecer? Deve ser quase zero.
Hossenfelder afirma que os cientistas dessas áreas mais fundamentais tendem a
negar a existência de qualquer viés em suas pesquisas, como se a objetividade
de uma partícula pudesse eliminar a subjetividade de quem a estuda.
"Acho preocupante, especialmente na física, as pessoas
dizerem: ‘Somos completamente racionais e estamos apenas falando sobre como o
mundo é’. Eu penso: ‘Você não tem ideia de como o cérebro humano
funciona’", afirma.
Até aspectos aparentemente distantes do laboratório podem
influenciar decisões sobre a pesquisa, diz ela; se a imprensa, o cinema, a
comunidade toda está falando de um tema, mais gente vai se animar com aquele
caminho específico, mesmo que seja um beco sem saída.
O viés também pode funcionar às avessas. Mulher num campo masculino –cerca de 95% dos
inscritos em seu canal são homens—, ela sempre se sentiu menos integrada aos
demais.
"Isso pode ser parte da razão pela qual tenho olhado as
coisas de um jeito um pouco diferente. Ou será apenas coincidência? Quem
sabe?"
O que ela sabe é que não gosta ser chamada para eventos pelo
simples fato de ser mulher; prefere que seu nome venha à mente dos
organizadores pelos méritos de sua pesquisa, e não porque queiram algum equilíbrio de gênero na mesa.
Ela conta que, mais de uma vez, disseram de forma explícita que
ela estava sendo convidada por ser mulher.
"Agora que penso nisso, esses convites tendem a vir do Brasil... Não leve para o lado pessoal, pode ser apenas uma coincidência", diz Hossenfelder. "Não acho isso particularmente lisonjeiro. Na verdade, é meio um insulto."
Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/
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