Deve-se seguir sempre a
consciência?
Por Robert Spaemann
Não há consciência sem disposição a formá-la e a informá-la. Um médico
que não está atualizado sobre os avanços da medicina, atuará sem consciência. E
o mesmo quem fecha olhos e ouvidos às observações de outros que lhe fazem
fixar-se em aspectos do seu proceder, que talvez esse não tenha notado. Sem tal
disposição, só em casos limites se poderá falar de consciência. Mas também o
segundo movimento pertence à consciência; por ele, volta de novo o indivíduo a
si mesmo. Se, como dizia, o indivíduo é potencialmente o universal, inclusive
um todo de sentido, então não pode abdicar em outros sua
responsabilidade, nem nos costumes do tempo, nem no anonimato de um
discurso de intercâmbio de razões e de contrarrazões. Naturalmente que pode
unir-se à opinião dominante, coisa que inclusive é razoável na maioria das
ocasiões. Mas é totalmente falso reconhecer-lhe consciência só a quem se aparta
da maioria. Não obstante, é certo que, no final das contas, é o indivíduo quem
goza de responsabilidade; pode obedecer a uma autoridade e ainda ser isso o
correto e o razoável; mas é ele mesmo, afinal a quem deve responder da própria
obediência. Pode tomar parte num diálogo e calcular os prós e contras, mas
razões e contrarrazões não têm fim, enquanto que a vida humana, pelo contrário,
é finita. É necessário atuar antes de que se produza um acordo mundial sobre o
reto e o falso. É, pois, o indivíduo que deve decidir quando acaba o
interminável calcular e finalizar o discurso, e quando procede, com convicção,
atuar.
À convicção com a qual termina nosso discurso é denominada consciência,
que nem sempre possui a certeza de fazer objetivamente o melhor. O político, o
médico, o pai ou a mãe, nem sempre sabem com certeza se o que aconselham ou
fazem é o melhor, atendendo ao conjunto das suas conseqüências. O que sim podem
saber é que essa é a melhor solução possível num determinado momento e de
acordo com os seus conhecimentos; isso basta para uma consciência certa, pois
já vimos que o que justifica uma ação não está de nenhuma maneira, nem pode
estar, no conjunto das suas conseqüências.
Na consciência parece que nos dirigimos por completo a uma direção
externa; mas o fazemos realmente? Apresenta-se aqui uma importante objeção.
Como entrou em nós esse instrumento que nos guia? Quem o programou? Não é
realmente essa direção interna somente um controle remoto que procede de atrás,
do passado? Esse timão foi programado por nossos pais. Possuímos,
interiorizadas, as normas que nos inculcaram na infância e que tivemos que
obedecer. E as ordens que nos deram foram trocadas em ordens que nos damos a
nós mesmos.
Em relação com o que estamos dizendo Sigmund Freud cunhou o conceito de
“super ego”, que, junto ao assim chamado “Id” e ao “eu” (Ego),
formam a estrutura da nossa personalidade. O “super ego” é, por assim dizer, a
imagem do pai interiorizada; o pai em nós… Em Freud este pensamento não tinha
ainda o caráter de denúncia que na crítica social neomarxista tem o discurso
sobre a interiorização das normas de domínio. Freud, como psico-analista, observou
que o “eu” se forma somente baixo a direção do “super eu”, e se libra no “id”
da sua prisão na esfera dos instintos. Certo que para chegar a um “eu”
verdadeiro deve-se liberar também do poder do “super eu”.
No que diz respeito, entretanto, às descrições de Freud é falso
equiparar sem mais o que chamamos consciência com o “super eu” e entendê-la
como um puro produto da educação. Isso não pode ser exato, porque os homens
sempre se voltam contra as normas dominantes numa sociedade, contra as normas
em meio das quais cresceram, inclusive ainda quando o padre seja um
representante dessas normas. Freqüentemente pode ocorrer que detrás não esteja
mais do que o impulso de emancipação do “eu”, o simples reflexo de querer ser
de outra forma. Mas esse reflexo não é a consciência, como também não é o
reflexo de acomodação.
Entretanto, na história daqueles que atuaram ou se negaram a fazê-lo em
consciência, se pode ver que eram homens que de nenhum modo estavam inclinados
de antemão à oposição, à dissidência; mas sim homens que teriam preferido
certamente cumprir seus deveres diários sem levantar a cabeça. “Um fiel
servidor do meu rei, mas antes de Deus”, era a máxima de Tomás Moore, Lorde
Chanceler de Inglaterra, que fez todo o possível para não opor-se ao rei e evitar
assim um conflito; até que descobriu algo que não se podia conciliar em
absoluto com sua consciência. Não lhe guiava nem a necessidade de acomodação
nem a da rejeição, mas o pacífico convencimento de que há coisas que não se
pode fazer. E esta convicção estava tão identificada com seu “eu” que o “não me
é lícito” se transformou num “não posso”.
Fonte: https://presbiteros.org.br/
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