Deve-se seguir sempre a
consciência?
Por Robert Spaemann
Tem sempre razão a consciência? É o que perguntávamos no início. Deve-se
seguir sempre a consciência? A consciência nem sempre tem razão. O mesmo que
nossos cinco sentidos nem sempre nos guiam corretamente ou o mesmo que nossa
razão não nos preserva de todos os erros. A consciência é no homem o órgão do
bem e do mal; mas não é um oráculo. Marca-nos a direção, nos permite superar as
perspectivas do nosso egoísmo e olhar o universal, o que é reto em si mesmo.
Mas para poder vê-lo, necessita da reflexão de um conhecimento real, um
conhecimento, se podemos dizer assim, que seja também moral. O qual significa:
necessita de uma idéia reta da hierarquia de valores que não esteja deformada
pela ideologia.
Existe a consciência errônea. Há gente que, atuando em consciência,
causa claramente a outros uma grave injustiça. Também esses devem seguir a
própria consciência? Naturalmente que devem. A dignidade do homem repousa, como
vimos, no fato que é uma totalidade de sentido. O bom e o correto
objetivamente, para que seja bom, deve ser considerado também pelo sujeito como
bom, já que para o homem não existe nada que seja somente “objetivamente bom”.
Se não o reconhece como bom, então justamente não é bom para ele. Deve seguir
sua consciência; isso somente quer dizer que deve fazer o que entende como
objetivamente bom, coisa que, no fundo è trivial: realmente bom é somente o que
tanto objetiva como subjetivamente é bom. Não há então nenhum critério que nos
permita distinguir uma consciência verdadeira de uma errônea? Mas, como poderia
havê-lo? Se houvesse, ninguém se equivocaria. Uma prova segura de que um segue
sua consciência e não o seu capricho é a disposição de controlar, de confrontar
o próprio juízo com o dos demais. Mas também isto não é um critério certo;
dá-se também o caso de que, ao contrário dos homens que o rodeiam e que estão
convencidos intelectual ou teoricamente, pode um ter entretanto a segura
sensação de que essa gente não tem razão. Não como se acreditasse que os demais
tenham melhores razões. Pensa somente que não é alguém para fazer valer as
melhores razões. Pensa que o fato de que os mais inteligentes estejam no lado
falso se baseia no contingente dessa situação. Esse fechar-se às razões pode
ser, em tal situação, um ato de consciência.
Deve-se respeitar sempre a consciência dos demais? Depende do que entendamos por respeitar. Em nenhum caso se pode dizer que um deve poder fazer o que lhe permita sua consciência, já que então também o homem sem consciência poderia fazê-lo tudo. E também não quer dizer que um deva poder fazer o que lhe manda sua consciência. Certo que ante si mesmo tem o dever de seguir sempre sua consciência; mas se com ela lesa os direitos dos outros, ou seja, os deveres para com os demais, então estes, o mesmo que o Estado, tem o direito de impedi-lo. Pertence aos direitos dos homens o que não dependa do juízo de consciência de outro homem. Assim, por exemplo, pode-se discutir sobre se os não nascidos são dignos de defesa, ainda quando a Constituição do nosso país responda afirmativamente.
Mas é estúpido o slogan de que essa é uma questão que cada um deve resolver em sua consciência.
Pois, ou os não nascidos tem direito à vida – e então a consciência não tem nada com que se preocupar – ou existe esse direito, e então esse não pode ser posto à disposição da consciência de outro homem. A obediência às leis de um Estado de direito, que a maioria dos cidadãos tem por justo, não pode limitar-se em todo caso a de aquelas pessoas cuja consciência não lhes proíbe, por exemplo, pagar os impostos.
Que não os
paga (a custa de outros) e se aproveita das estradas e canais, será encarcerado
ou multado justamente. E se trata-se de alguém que atua em consciência,
aceitará a pena.
Somente no caso de serviço de guerra, tem o legislador que encontrar a
regulação que assegura que ninguém possa ser obrigado ao serviço de armas em
contra do ditado da sua consciência. No fundo, o que faz o legislador é algo
trivial, já que se a consciência lhe proíbe a um lutar, não lutará. Ademais,
nem mesmo aqui se dá um critério para decidir, em última instância e desde
fora, se trata-se de um juízo de consciência ou não. Nem sequer os
interrogatórios de um tribunal são adequados para facilitar uma decisão. Tais
interrogatórios, ao fim das contas, favorecem somente ao orador que está
disposto a mentir com habilidade.
Não há mais que um indício para comprovar a autenticidade da decisão de
consciência e é à disposição do citado a ater-se a uma desagradável
alternativa. A consciência não é ferida se se impede a um de fazer o que ela
manda, já que esse obstáculo não cai sobre sua responsabilidade. Por isso se
pode aprisionar a um homem que quer melhorar o mundo por meio do crime. Outra
coisa é quando a um se obriga de atuar em contra da sua consciência. Se trata
de uma lesão da dignidade do homem. Mas é isso realmente possível? Nem sequer a
ameaça de morte obriga a um a atuar contra sua consciência, como documenta a
história dos mártires de qualquer tempo.
Existe, entretanto, um modo de forçar a atuação contra a consciência: a
tortura, que converte a um homem em instrumento sem vontade do outro. De aqui
que a tortura pertença aos poucos modos de atuar que, sempre e em toda
circunstância, são maus; toca diretamente o santuário da consciência, do que já
o pré-cristão Sêneca escreveu: “habita em nós um espírito santo como expectador
e guardião de nossas boas e más ações”.
https://presbiteros.org.br/
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