Arquivo 30Dias - 09/2005
E agora, a Palestina
Depois da retirada de Israel de Gaza. A primeira entrevista com o presidente da Autoridade Nacional Palestina Mahmoud Abbas. Com um convite a Papa Bento...
entrevista com Mahmoud Abbas de Giovanni Cubeddu
Em todo o mundo há a esperança de um progresso real
no processo de paz entre os palestinos e Israel. Quais são as condições para um
eventual progresso? O que vocês pedem e o que estão dispostos a conceder para
que isso seja realizado? Vocês confiam em Ariel Sharon?
MAHMOUD ABBAS: Embora a retirada israelense da Faixa de Gaza represente uma
decisão unilateral israelense, e embora o governo de Israel há mais de um ano
recuse o nosso pedido de uma coordenação bilateral em garantia de uma
regulamentar retirada, estamos satisfeitos com a atual evacuação dos colonos e
das tropas de ocupação. Para considerar esse passo tão limitado como o início
de uma reconciliação para a solução do conflito, é preciso continuar a seguir
adiante, não se deve continuar a política de colonização na Cisjordânia, não se
deve continuar a política de “judaização” de Jerusalém, nem continuar a
construção do muro de separação racial.
Queremos que essa retirada constitua o início da aplicação das resoluções da
legalidade internacional da ONU, principalmente da Road Map, que
declara a obrigação de pôr fim à ocupação de 1967 e resolve o resto dos
problemas como o relativo aos refugiados.
Esse é o princípio fundamental para conseguir a paz e garantir a segurança. Eu
já esclareci essa posição, tanto nos meus encontros com o presidente Bush
quanto nos com o primeiro-ministro Sharon. Creio que o presidente Bush tenha
entendido, a prova disso é a sua iniciativa e as suas idéias sobre a solução
dos dois Estados. Sharon, ao invés, continua a repetir os seus famosos três
não, já precedentemente recusados por nós, ou seja: a sua insistência em criar
grandes complexos de assentamentos dentro da Cisjordânia; a sua recusa em
negociar sobre Jerusalém; e enfim, a sua recusa em aceitar a volta dos
refugiados.
No que se refere à pergunta sobre a minha confiança em Sharon, a questão não é
pessoal, mas refere-se ao destino de dois povos. Não pode existir uma paz com a
ocupação, e para alcançar a paz é preciso reconhecer o outro e respeitá-lo.
Na sua opinião, qual é a melhor fórmula: percorrer as várias etapas da Road
Map, ou empreender uma negociação para uma solução definitiva?
ABBAS: A Road Map indica-nos o ponto de partida e o ponto de
chegada, por isso as suas etapas não estão em contradição com a solução
definitiva que lança as bases para uma paz equilibrada e duradoura e coloca fim
definitivamente à ocupação iniciada em 1967 que compreende a Cisjordânia junto
com Jerusalém Leste e à Faixa de Gaza.
A execução da Road Map foi e é obstada por parte dos
israelenses. Ele começaram com os bem conhecidos quatorze pontos de reserva
sobre a Road Map desde o momento da sua aplicação e depois
decidiram esse desempenho unilateral de Gaza.
Recentemente o senhor visitou os Estados Unidos, o Canadá, o Brasil, o
Chile, o Japão, a China, o Paquistão, a Índia e outros países. Como avalia o
resultado de todas essas visitas?
ABBAS: O conflito da nossa região se reflete no mundo inteiro. Portanto existe
um interesse internacional no seu desenrolar. Assim, é natural prosseguir
nossas relações não apenas com esses países, mas com outros ainda. Consideramos
que a comunidade internacional tenha um seu papel na paz nessa área, a prova
disso são as numerosas resoluções da ONU emitidas desde o início do conflito
até hoje. Esses países que visitei, assim como outros que visitarei no futuro,
podem contribuir individualmente ou em grupos encorajando e ajudando palestinos
e israelenses a resolverem os problemas existentes.
Qual a sua opinião sobre o comportamento da comunidade internacional no
processo de paz entre Israel e a Palestina?
ABBAS: A comunidade internacional segue esse processo com interesse. Para nós é
uma fonte de satisfação, mas pessoalmente espero que a quantidade de ajuda
econômica aumente no futuro. O desemprego no nosso território chega a 70%.
Cerca de 50% da população vive abaixo do limite da pobreza. No nível político,
esperamos uma maior participação da comunidade internacional, principalmente no
que se refere aos componentes do “Quarteto”.
O presidente Bush confirmou a necessidade de criar um Estado palestino. Essa
premissa é suficiente para o senhor?
ABBAS: O presidente Bush é o primeiro presidente americano que apresentou uma
iniciativa clara que contém a criação de um Estado palestino. Esse é um passo
adiante muito importante. Há também uma participação americana e uma sua
presença evidente no terreno. Tenho plena confiança de que o presidente Bush,
junto com sua administração, e depois da liberalização de Gaza, irá pressionar
para a realização da Road Map e da proposta dos dois Estados.
A União Européia até agora ofereceu muitas ajudas econômicas ao povo
palestino. O senhor pede maior participação política da Europa? Com quais meios
a União Européia pode contribuir?
ABBAS: Gostaria de exprimir a minha sincera gratidão pelas numerosas ajudas
econômicas oferecidas pela União européia e cada um de seus membros. Nós sempre
pedimos um maior papel político da UE, pois esta faz parte do “Quarteto”.
Espero que ocorra o quanto antes um balanceamento entre o papel econômico e
político da UE. Lamento que Israel procure sempre redimensionar o papel
político europeu nessa problemática, embora isso seja, ao invés, necessário,
porque pode se integrar com o papel americano, do qual todos reconhecemos a
centralidade.
Há quem proponha a entrada da Palestina e de Israel
na União Européia. Na sua opinião, isso é possível?
ABBAS: A Europa já chegou perto de nós. Chipre é membro da União, a Turquia
negocia a sua participação, há muitos acordos entre os países árabes
mediterrâneos e a Europa, há também a parceria euro-mediterrânea nascida do
Processo de Barcelona: tudo isso nos mostra que num futuro próximo existe a
possibilidade para nós e para Israel de encontrar a fórmula melhor de relações
com a União Européia. Quer dizer que se não houver uma plena adesão ao menos
haverá relações privilegiadas e muito particulares.
Qual é a quantidade de ajudas provenientes dos Estados árabes?
ABBAS: O mundo árabe oferece ao nosso povo muitas ajudas e de várias maneiras:
ajudas econômicas; oportunidades de trabalho para dezenas de milhares de
palestinos, sustento e solidariedade política. Portanto tenho o prazer de poder
afirmar que as nossas relações são boas com todos os Estados árabes.
O senhor assumiu a liderança do povo palestino depois de décadas durante as
quais Yasser Arafat representou o símbolo da sua causa. Qual é a situação da ANP
hoje, depois de Arafat?
ABBAS: A ANP continua a guiar a luta do povo palestino, coloca a causa
palestina como a causa de um povo que tem direito à autodeterminação e não como
uma simples causa de refugiados. É preciso dizer que o grande líder Yasser Arafat
colocou os alicerces para a democracia através da criação de instituições
representativas do povo palestino que facilitaram, depois do seu falecimento, a
passagem pacífica dos poderes por meio das eleições. Desse modo fui eleito
presidente da OLP e da ANP.
Posso dizer que a ANP é sólida: concluímos os turnos eleitorais administrativos
e em 25 de janeiro de 2006 serão realizadas as eleições legislativas para
renovar o Conselho Legislativo. Todas as facções palestinas participarão pela
primeira vez a estas eleições; assim nascerá, através de métodos democráticos,
o poder executivo, ou seja o Conselho de Ministros palestinos.
De que modo conseguirá convencer grupos mais inflexíveis da sociedade, como
o Hamas, a participar da construção do Estado Palestino?
ABBAS: Antes de tudo, através do diálogo que levou a resultados concretos, como
o acordo alcançado com todas as organizações palestinas por um compromisso em
não usar armas durante a evacuação dos colonos da Faixa de Gaza. Com efeito, a
palavra foi mantida mesmo depois dos crimes a sangue frio dos cidadãos
palestinos cometidos por terroristas judeus. Através do exercício da
democracia, o povo certamente dará seu próprio voto aos que querem construir o
país e desenvolvê-lo, dará seu próprio voto aos que protegerão o seu futuro com
racionalidade e moderação. Este é um importante fator de convencimento para
qualquer organização ou ação.
Qual é o grau de difusão do integralismo na sociedade palestina? Quais são
os instrumentos para redimensionar esse fenômeno?
ABBAS: O nosso povo com os seus cidadãos cristãos e muçulmanos é um povo
religioso com um certo critério e uma certa moderação. Historicamente a
Palestina é a pátria na qual judeus, cristãos e muçulmanos viveram juntos e na
qual cada um exerceu livremente a própria fé. Se, recentemente, nasceram
algumas formas de extremismo religioso, isso pode ter vários motivos: reações a
determinados momentos e reações políticas, sentimento de frustração e
desespero. Por isso eu afirmo que quando existir uma esperança ou, melhor,
quando o cidadão palestino puder gozar plenamente todas as suas liberdades
melhorando assim as próprias condições de vida, o extremismo não terá mais
lugar na nossa sociedade.
Falta muito para a unificação dos aparatos de segurança?
ABBAS: Já fizemos muitos passos adiante, mas continuamos a ter necessidade de
maiores armamentos e mais treinamento para as forças de segurança. Mas o mais
importante é que precisamos eliminar toda as restrições que Israel colocou para
as forças de polícia, permitindo assim que estas cumpram seu dever.
Qual é a sua opinião sobre as teorias que falam da exportação da democracia
no mundo árabe?
ABBAS: Essas teorias são erradas. A democracia não é uma mercadoria a venda.
Trata-se de métodos de governo e de cultura verdadeira e própria. Cada
democracia está ligada às características de uma sociedade. Ao invés de falar
de exportação da democracia no mundo árabe, poder-se-ia ajudar esses países a
construir sociedade civil e instituições de governo. Poder-se-ia estimular a maior
participação popular nas eleições e se deveria deixar de intervir do externo,
pois tudo isso pode levar a um caos se um país árabe não estiver ainda
amadurecido para essa experiência.
Queremos mais Europa <br> <br> Nós sempre pedimos um maior
papel político da UE, pois esta faz parte do “Quarteto”. Espero que ocorra o
quanto antes um balanceamento entre o papel econômico e político da UE
A Síria retirou-se do Líbano. No caso de uma
eventual instabilidade no Líbano, que reflexos teria no diálogo entre vocês e
Israel? E, o que acontecerá com os refugiados palestinos que estão no Líbano?
ABBAS: Faço votos que exista uma forte estabilidade no Líbano, e que os nosso
irmãos tanto na Síria como no Líbano possam construir bons relacionamentos
entre eles no interesse dos dois países. No que se refere ao diálogo entre nós
e Israel, tudo depende do fim da ocupação e da realização da paz. O mesmo vale
para a Síria, onde Israel continua a ocupar o território nas colinas de Golan,
além das terras de Shebaa no Líbano. Nós somos três partes unidas da mesma
causa, mesmo se divididas em alguns detalhes.
Quanto aos refugiados palestinos no Líbano, a sua presença neste país é
temporária, na espera de poder tornar à própria pátria. Porém, enquanto isso,
devem usufruir de seus direitos civis, principalmente do direito ao trabalho e
do direito à casa própria. O governo libanês iniciou há pouco tempo a retirar
algumas restrições ao trabalho para os palestinos e agradeço por isso.
Depois do Iraque, o senhor acredita que haverá a guerra com o Irã pelo seu
uso do programa nuclear?
ABBAS: Não creio que se chegará à guerra. Os resultados que vemos no Iraque nos
demonstram que as guerras e os conflitos complicam os problemas sem
resolvê-los. Tenho confiança de que os esforços europeus conseguirão desativar
essa crise e se chegará a uma solução para esse problema.
Para a sharia (a lei islâmica, ndt) a Palestina
é a Terra Santa, como gostava de repetir Arafat também em italiano e latim.
Para o senhor, pessoalmente, qual é o peso da religião na política do Oriente
Médio? Qual é a sua opinião sobre o diálogo entre as religiões para a paz?
ABBAS: A Terra Santa pertence às três religiões monoteístas. É uma verdade que
deve ser compartilhada por todo muçulmano ou cristão ou judeu racional. Segundo
o meu modesto parecer, o problema não é a religião em si mesma, porque a fé é
uma questão que se refere ao homem e ao Criador. O crente é aquele que crê no
homem criado à imagem do Criador. Quem ama a Deus ama seus próprios irmãos
homens. O problema é um outro: é a politização da religião e o uso instrumental
da fé para objetivos políticos e algumas vezes racistas em recusar o direito do
outro. O problema é a monopolização de Deus para as próprias causas e a
mobilização das pessoas através desses conceitos perigosos.
Eu sou um muçulmano crente e a minha fé verdadeira é em todos os Profetas,
creio nas outras religiões, judaica e a cristã, apoio e encorajo o diálogo
entre as fés para encontrar elementos comuns que contribuam para o
desenvolvimento desse diálogo, como quis o falecido Papa João Paulo II, que
trabalhou para a concórdia entre os filhos de Abraão.
João Paulo II trabalhou muito para evitar o conflito entre as civilizações.
Bento XVI declarou que a Igreja Católica continuará a melhorar a amizade com as
outras religiões. Quais são os instrumentos para que esse diálogo produza os
seus frutos? O que o senhor pensa da emigração de cristãos da Terra Santa e
também da Palestina?
ABBAS: Mais diálogo, abrir as portas que ainda estão
fechadas. Na minha opinião, o Papa João Paulo II foi um exemplo disso,
demonstrado com as suas visitas realizadas no mundo inteiro inclusive a visita
histórica na Palestina. Ele ouviu todas as religiões, dialogou com todos os
líderes e com todos os povos; a comprovação de tudo que deixou o herdeiro de
Pedro foi dada por ocasião do seu funeral. Foi o funeral do século no sentido
pleno da palavra. Quase todos os líderes do mundo presenciaram esse
acontecimento reconhecendo tudo o que fez este grandíssimo Papa. Era um
corajoso defensor dos direitos do nosso povo palestino, tinha uma profunda
amizade particular com o nosso falecido presidente Yasser Arafat. Esta grande
herança passou agora a Sua Santidade Bento XVI, que prometeu, depois da sua
eleição, prosseguir na mesma estrada. Espero que a causa do nosso povo esteja
no centro dos interesses do novo Papa, e este ponto relaciona-se com a segunda
parte da sua pergunta. Na realidade o sofrimento do nosso povo, o assédio que
sofre nos vários vilarejos e nas várias cidades, também Belém, levou à
emigração maciça dos nossos irmãos cristãos. É um perigo que a Santa Sé
denunciou várias vezes pelas suas conseqüências, principalmente para que os
lugares santos cristãos não se transformem em simples sítios arqueológicos sem
fiéis e sem orações. Depois dos acordos de Oslo de 1993 muitos irmãos cristãos
voltaram definitivamente à Palestina, mas com o estouro da segunda Intifada,
com todos os assédios, os fechamentos e as brutalidades cometidas pelos
israelenses, o ininterrupto confisco dos terrenos palestinos e a construção,
ainda em curso, do muro que está sufocando a cidade santa de Belém, muitos
cristãos são obrigados a abandonar suas casas.
O senhor deseja fazer algum pedido particular a Bento XVI?
ABBAS: Peço para que use toda a importância espiritual e moral da Igreja
Católica para acabar com o sofrimento do povo palestino, e para garantir o seu
direito legítimo de criar um Estado independente com Jerusalém leste como
capital. Repito, enfim, por meio da sua revista, o convite a Sua Santidade
Bento XVI para que faça uma visita ao povo palestino na Palestina.
Hoje o senhor é pessimista ou otimista, e por quê?
ABBAS: Sou otimista porque iniciou o fim da ocupação e dos assentamentos israelenses.
Sou otimista porque ouço Codoleezza Rice e outros personagens que falam da
necessidade de não deter-se em Gaza e do prosseguimento da retirada da
Cisjordânia. Sou otimista por todas as promessas de ajuda econômica
provenientes de vários Estados. Enfim sou muito otimista porque a grande
maioria da opinião pública israelenses apoiou a retirada de Gaza. Espero que o
mais cedo possível cessem todas as formas de violência para que a porcentagem
dos que apoiam nossa causa aumente tanto na população palestina como na
israelense.
Fonte: https://www.30giorni.it/
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