OS PRINCÍPIOS DA DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA (I)
Dom Wilson Angotti
Bispo de Taubaté (SP)
“Se a luz que há em ti são trevas, quão
grandes serão as trevas” (Mt
6,23).
Consideraremos aqui os “princípios” da
Doutrina Social da Igreja (DSI), o que equivale a dizer os eixos ou as
temáticas centrais que são abordados nos diversos documentos do Magistério da
Igreja. Nos documentos de DSI, não encontraremos uma lista desses princípios;
eles são elaborados por aqueles que os estudam e identificam os temas
recorrentes ou que se destacam pela importância. Por isso, pode haver listas
com mais ou menos princípios. Nesta nossa abordagem nos serviremos de uma
sistematização (veja ao final*) que enumera doze princípios, os quais
passaremos a apresentar a partir de agora.
1º Princípio: A ordem social está subordinada
à ordem moral, estabelecida por Deus.
“A ordem que há de vigorar na sociedade é
essencialmente moral (…). Esta ordem moral – universal, absoluta e imutável nos
seus princípios – tem a sua origem e fundamento em Deus verdadeiro, pessoal e
transcendente” (Papa João XIII, Pacem in Terris,
37-38).
Com isso, a Igreja acredita e proclama que a
ordem social não acontece simplesmente em decorrência do aperfeiçoamento da
organização econômica, jurídica, social e política, por melhor que seja. A
justiça social não será alcançada numa sociedade materialista, competitiva e
consumista. A Igreja acredita e ensina que a ordem social desejada só poderá
acontecer quando as pessoas que compõem o corpo social se orientarem por
valores ético-religiosos, quando se orientarem pela fé; é desta ordem moral que
a Igreja fala. Se não existir essa referência ao transcendente corrompe-se a
cultura e nas relações entre as pessoas valerá a lei do mais forte, que imporá
suas regras privilegiando uns em detrimento de outros. Somente orientada por
valores éticos e transcendentes o ser humano será capaz de construir uma
sociedade mais justa, fraterna e solidária.
2º Princípio: A dignidade da pessoa
humana.
“… aumenta a consciência da eminente
dignidade da pessoa humana, por ser superior a todas as coisas e os seus
direitos e deveres serem universais e invioláveis. É necessário, portanto,
tornar acessíveis aos homens todas as coisas de que necessita para levar uma
vida verdadeiramente humana…” (Concílio Vaticano II, Gaudium et
Spes, 26).
A dignidade da pessoa humana é base de todo
desenvolvimento da Doutrina Social da Igreja e, por isso, foi tratada mais
detidamente no tema passado. A dignidade da pessoa está fundamentada na
consciência de que o ser humano foi criado à imagem e semelhança de Deus.
Devido a esta visão de fé, o conceito de pessoa foi enriquecido pelo
cristianismo. Em muitas culturas da antiguidade mulheres e escravos eram
considerados como “coisas” e contados entre as posses de seus senhores, que
tinham sobre eles direito de vida e de morte. Com o cristianismo todos os seres
humanos (homens, mulheres, crianças, nascituros, escravos, estrangeiros,
inimigos…) passaram a ser considerados como pessoa digna de direitos e
deveres.
3º Princípio: A solidariedade.
“A solidariedade que une todos os seres
humanos e os torna membros de uma só família, impõe, aos países que dispõem com
exuberância de meios de subsistência, o dever de não permanecerem indiferentes
diante das comunidades políticas cujos membros lutam contra as dificuldades da
indigência, da miséria e da fome…” (Papa João XXIII, Mater et
Magistra, 154).
A solidariedade é um dos princípios base da
concepção cristã em relação à organização social e política. Não se trata de um
sentimento de vaga compaixão diante dos males sofridos por tantas pessoas; mas
é a determinação firme e perseverante de se empenhar pelo bem, sobretudo
daqueles que são mais fragilizados. Isso é compromisso fundamental do cristão,
que deve ver o outro como irmão. O dever de solidariedade é o mesmo tanto para
as pessoas como para os povos. A solidariedade é instrumento para a paz. É
apresentada pela Igreja como uma terceira via que visa superar o capitalismo
individualista e o marxismo coletivista.
4º Princípio: O bem comum.
“Todos os indivíduos e corpos
intermediários (como associações e sindicatos) devem contribuir para o bem
comum (…). A realização do bem comum constitui a total razão de ser dos poderes
públicos” (Papa João XXIII, Pacem in Terris, 53). “O
individualismo suprime o bem comum, a solidariedade a ele conduz” (Papa Pio
XI, Quadragesimo Anno, 49). “O bem comum pressupõe o respeito pela
pessoa humana … exige dispositivos de bem-estar e segurança social … como a
família; … o bem comum requer a paz social, isto é, a estabilidade e a
segurança de uma certa ordem que não se realiza sem uma atenção particular à
justiça distributiva …” (Papa Francisco, Laudato Si, 157).
O bem comum, como a própria expressão indica,
é o bem de todos, o bem a que todos têm direito e não só o bem de alguém em
particular ou de algum grupo de privilegiados. O bem comum deriva da igualdade
e dignidade de todas as pessoas e é um imperativo moral para todos,
especialmente, para o cristão, que se rege pelo custoso mandamento do amor, que
nos leva a buscar o bem dos outros como se fosse o próprio. O bem comum é a
razão de ser do estado e da política que, por isso, estão obrigados a
promovê-lo.
(O tema dos Princípios da DSI continua)
(*) Dicionário de Doutrina Social da Igreja, Luiz Carlos Lessa, Ed. LTR.
Fonte: https://www.cnbb.org.br/
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