OS PRINCÍPIOS DA DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA (III)
Dom Wilson Angotti
Bispo de Taubaté (SP)
“Ide também vós para minha vinha e lhes darei
justo salário” (Mt.20,4)
Temos considerado os princípios ou temas
recorrentes e fundamentais da Doutrina Social da Igreja (DSI). Inúmeros
princípios poderiam ser elencados. Utilizamos uma elaboração que destaca doze
temas principais. Trataremos aqui dos últimos quatro, a saber: a socialização,
a prioridade do trabalho sobre o capital, a destinação universal dos bens e o
justo salário. Tendo por base os ensinamentos de Jesus, convido-o a conhecer o
que a Igreja ensina sobre esses temas. Veja a seguir.
9º Princípio: A Socialização
A socialização diz respeito à “tendência
natural dos seres humanos a associarem-se para fins que ultrapassam as
capacidades e os meios de que os indivíduos podem dispor em particular. Esta
tendência deu origem a grande variedade de grupos, movimentos, associações e
instituições, com finalidades econômicas, culturais, sociais, desportivas,
recreativas, profissionais e políticas” (São João XXIII, Mater et
Magistra, n.57).
A socialização não se identifica com
socialismo. Trata-se de formas associativas próprias do ser humano,
independentes do poder público, mas reconhecidas institucionalmente com a
função de favorecer o bem comum, em várias áreas, sem a necessidade de se
recorrer ao estado. A socialização é a maneira da sociedade organizar-se com o
fim de alcançar seus objetivos. Esse princípio levou o Papa S. João Paulo II a
associar trabalho e propriedade do capital de modo que os trabalhadores não só
participassem da gestão, mas associados pudessem ser gestores de uma
propriedade ‘socializada’ (cf. Laborem Exercens [L.E.],14). A socialização pode
ser considerada uma alternativa entre a versão capitalista e coletivista (ou
comunista) da propriedade.
10º Princípio: Prioridade do trabalho sobre o
capital
“Deve recordar-se, antes de mais nada, um
princípio ensinado sempre pela Igreja, é o princípio da prioridade do trabalho
em relação com o capital. … É preciso acentuar e pôr em relevo o primado do
homem no processo de produção, o primado do homem em relação às coisas. … É
como pessoa que o homem é sujeito do trabalho. É como pessoa que ele trabalha e
realiza diversas ações que fazem parte do processo de trabalho; estas, devem
servir para a realização da sua humanidade e de sua vocação” (Papa S. João Paulo II, L.E.12 e 6).
Todo ensinamento da Igreja nesse sentido o que
se quer evidenciar é que o ser humano que trabalha é mais importante que as
coisas ou as riquezas que ele produz. O trabalho é um ato humano enquanto o
capital ou as riquezas por ele geradas são um instrumento, um meio para
conseguir o que ele precisa. O que a Igreja ensina com a prioridade do trabalho
sobre o capital é consequência da prioridade do ser humano sobre as
coisas.
11º Princípio: Destinação universal dos bens,
sem anular a propriedade privada
“Faço minhas e volto a propor a todos as
palavras de São João Paulo II: ‘Deus deu a terra a todo gênero humano, para que
ela sustente todos os seus membros, sem excluir nem privilegiar ninguém’ (CA,
n.21). Nessa linha, lembro que a tradição cristã nunca reconheceu como absoluto
ou intocável o direito à propriedade privada, e salientou a função social de
qualquer forma de propriedade privada. O princípio do uso comum dos bens
criados para todos é o primeiro princípio de toda ordem ético-social.” (Papa Francisco, Fratelli Tutti,
n.120).
O direito à propriedade privada é tema
consagrado na Doutrina Social da Igreja; porém, sem jamais aceitar a tese do
capitalismo liberal que considera a propriedade particular como um direito
absoluto e ilimitado. A doutrina da Igreja sempre condicionou a propriedade
privada à função social. Com o Papa Leão XIII (em 1891), diante do Manifesto
Comunista (de 1848) que pregava a abolição absoluta da propriedade privada, o
Papa enfatizou o direito à propriedade privada e sua destinação social.
Posteriormente, o magistério destacou a destinação social de toda propriedade
ressalvando o direito à propriedade privada (cf. Concílio Vaticano II, GS 69).
Houve, assim, uma mudança de acento. Dentro da mesma perspectiva, a
desapropriação pode ser legítima em vista a um bem comum (cf. Gaudium et Spes
71).
12º Princípio: O justo salário
“No contexto atual, não há maneira mais
adequada para realizar a justiça nas relações entre trabalhadores e
empregadores que a remuneração pelo trabalho. (…) Uma justa remuneração do
trabalho das pessoas adultas, que tenham responsabilidades de família, é aquela
que for suficiente para fundar e manter dignamente uma família e para assegurar
o seu futuro” (Papa São João Paulo II, Laborens Exercens, 19).
A justa remuneração deve proporcionar acesso aos bens comuns quer sejam bens da natureza quer sejam produzidos. O salário justo é aquele a que se chega ao conjugar três fatores: as exigências de manter as necessidades da família do trabalhador, a observância do bem comum e as possibilidades econômicas da empresa. O estabelecimento do salário não pode se dar numa relação desequilibrada em que o empregado é constrangido a aceitar determinado salário pressionado pela necessidade ou com receio de um mal maior (como ser demitido). Para que essa relação não seja desproporcional é que se conjuga a ação dos sindicatos.
Fonte: https://www.cnbb.org.br/
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