Por Igor Precinoti - publicado em 10/11/23
Dentre todos os símbolos e enigmas presentes no Livro do Apocalipse, o que mais gera confusão e discussão entre os leigos e curiosos é o chamado “número da Besta”. Entenda:
O Novo Testamento consiste em um conjunto de 27 livros que contém as informações sobre a vida e os ensinamentos de Jesus Cristo. Estes livros são compostos por narrativas, cartas, relatos sobre a formação das primeiras Igrejas, as atividades apostólicas, ensinamentos e instruções a respeito de questões enfrentadas pelas comunidades da época e, principalmente, o relato da vida, ministério, morte e ressurreição de Jesus.
Dentre os 27 livros, um chama a atenção por sua característica peculiar, o último livro do Novo Testamento se difere por não apresentar fatos acontecidos ou questões teológicas vivenciadas pelos primeiros cristãos, mas, sim, por descrever eventos futuros, experimentados por São João em visões proféticas. Conhecido como Apocalipse, este livro foi escrito por São João durante o seu exílio na ilha de Patmos, e é um gênero literário escrito em linguagem simbólica e enigmática, com visões proféticas de eventos futuros, incluindo a vinda de Jesus Cristo, o Juízo final etc.
Dentre todos os símbolos e enigmas presentes no Livro do Apocalipse, o que mais gera confusão e discussão entre os leigos e curiosos é o chamado “número da Besta”. Eis:
“… e que ninguém pudesse comprar ou vender, se não fosse marcado com o nome da Fera, ou o número do seu nome. Eis aqui a sabedoria! Quem tiver inteligência, calcule o número da Fera, porque é número de um homem, e esse número é seiscentos e sessenta e seis” (Ap 13,17-18).
Em uma breve pesquisa na internet é possível se deparar com inúmeras teorias conspiracionistas, mais ou menos malucas sobre o significado deste número, desde uma tatuagem obrigatória num futuro próximo, até a implantação de um chip no corpo das pessoas. Não há limites para a imaginação. Mas o que realmente significa este número?
Para o entendimento deste livro, algumas chaves interpretativas são imperativas e compreender alguns aspectos históricos e teológicos são necessários para que o leitor não se perca em interpretações malucas. Neste contexto, é necessário levar em consideração a grave perseguição que os cristãos estavam sofrendo na época do exílio de João. Neste período, o imperador Nero, no auge de sua irracionalidade, literalmente fazia os cristãos de alimento para leões e outras feras ou utilizava os mártires como combustível para tochas e fogueiras.
Outro aspecto necessário para a compreensão deste simbolismo é o fato de São João ser um hebreu, e uma prática comum entre este povo era a chamada Gematria, que consiste na atribuição de um número para cada letra do alfabeto. Por exemplo: a= 1, b= 2, c= 3 etc.), sendo que uma palavra poderia ser representada pela somatória dos números correspondentes às letras que formam a respectiva palavra (“Quem tiver inteligência, calcule o número”).
Então, o que representa este número? Que fera (ou besta) é esta que o número 666 traduz? Por qual motivo quem não tem esta marca em suas mãos não consegue participar do comércio? (“que ninguém pudesse comprar ou vender, se não fosse marcado com o nome da Fera, ou o número do seu nome”; Ap 13,17). Eis que a Gematria responde: Se avaliarmos o nome do Imperador César Nero, em grego Neron Caesar, e o transliterarmos para o hebraico (língua materna de São João) temos as letras hebraicas: Nun, Resh, Vav, Nun, Kuf, Samech, Resh, cujos números correspondentes são: 200+ 6+ 50+ 100+ 60+ 200, que somados dão 666. Ou seja, ao calcularmos o número, chegamos ao nome do Imperador Nero, a Besta perseguidora dos Cristãos.
Este fato pode ser comprovado quando avaliamos outras versões bíblicas, onde o número da besta está registrado como 616, ao invés do 666. Neste caso, a Gematria se refere à transliteração para o hebraico do nome latino de Nero César (e não do nome grego Neron). A retirada do “n” (equivalente a Nun= 50) na versão latina do nome, leva à soma 616.
A partir desta chave hermenêutica, entendemos toda simbologia deste número. Na época, a figura de César era elevada à divindade sendo exigida a devoção por parte de toda a população; todos os contratos exigiam o selo do imperador, tal qual ainda hoje precisamos de selos cartoriais para a regulamentação de documentos, e a economia também era marcada pela imagem de César, com moedas contendo o seu rosto entalhado (cf. Mt 22,20-21). Curiosamente, as moedas atuais ainda ostentam um rosto em seu verso.
Considerando tudo o que foi escrito até agora, fujamos de qualquer leitura que associe o livro do Apocalipse a maluquices como complô de ordens secretas, implante de chips ou que associem algum político ou ator ao anticristo. Tenhamos sempre em mente que a Igreja Católica não adota uma interpretação fundamentalista ou literalista do Livro do Apocalipse. Em vez disso, enfatiza o significado espiritual e moral das passagens, não se concentrando na especulação sobre eventos futuros.
Todo cristão deve buscar fontes sérias e confiáveis ao estudar a Bíblia, para não cair em armadilhas de interpretações malucas ou conspiracionistas. Por isso, é importante ressaltar o papel da Tradição da Igreja e a busca dos ensinamentos e interpretação destes textos à luz da Tradição e do magistério da Igreja Católica, que fornecem um rico substrato para a compreensão teológica do texto bíblico.
Fonte: https://pt.aleteia.org/
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