Dom Antonio de Assis
Bispo auxiliar de Belém do Pará (PA)
DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA E CATEQUESE: Não há Justiça sem Caridade (Parte
11)
Continuemos nossa reflexão sobre a
inseparabilidade entre Caridade e Justiça. Se por um lado a Caridade demanda
Justiça, esta por sua vez, perde a sua identidade sem a Caridade. Estamos
acostumados ao conceito de justiça vinculado à lei, mas os horizontes da
autêntica justiça, não se restringem à dimensão legal. Isso se demonstra, por
exemplo, quando encontramos nas sociedades leis injustas, ou seja, que ferem os
direitos naturais da pessoa humana.
Outra questão que merece atenção crítica em
nossa sociedade é, lamentavelmente, a concepção fragmentada sobre valores e
virtudes. Isso significa um modo de pensar e vê-los de modo isolados entre si,
sem interação, sem interdependência, vínculos e correlação. Isso é algo
gravíssimo do ponto de vista ético. Na verdade, os valores e as virtudes são
intercomunicantes; por isso São Paulo afirma: o amor não pratica o mal contra o
próximo (cf.Rm 13,10), nada faz de inconveniente e nem se alegra com a
injustiça (cf. 1Cor 13,5.6).
A dimensão afetiva da justiça
A justiça sem a caridade se transforma em
dureza. A justiça cristã, por ser fruto da Caridade, é manifestação do amor,
por isso tem uma dimensão afetiva. De fato, a justiça bíblica não é apenas
distributiva, que consiste em dar a cada um o que é seu (cf. Ex 23,6-8; Dt
25,15) ou cumprir os deveres cívicos, mas inclui também a promoção da dignidade
humana. Isso significa que para a Doutrina Social da Igreja não basta a pura
execução da lei, muitas vezes com a punição dos culpados, mas é necessário a
promoção da dignidade da pessoa do infrator.
A justiça não é ausência da maldade (cf. Sl
15,2ss), mas é agir de acordo com a vontade de Deus (cf. Gn 6,9; Ez 14,20;
18,5), respeitar o direito dos fracos e dos pobres (cf. Is 28,6; Am
1,3–2,8;5,7); praticar a justiça é amar ao próximo (cf. Mt 25,37.46; 1Jo
3,10).
Na sociedade em geral, quando se reivindica
justiça, significa pedido de punição para um culpado. Esse reducionismo acaba
por empobrecer a grandeza da justiça. Aquele que ama um culpado (porque cometeu
um delito), além da punição por sua falta, deseja-lhe mesmo que ele mude de
vida. Onde há amor, a justiça nunca se reduz à punição de um infrator.
“Não sinto nenhum prazer com a morte do injusto. O que eu quero, é que ele mude
de comportamento e viva. Convertam-se, convertam-se do seu mau comportamento”
(Ez 33,11).
A injustiça no mundo aumenta se não for
combatida com a Caridade, com a paciência, a serenidade, com o diálogo.
Trata-se de uma exigência de caráter metodológico da vivência e busca da
justiça. A caridade não é violenta. Desta forma quem é movido pelo senso de
justiça, que se identifica com a verdade (cf. Sl 85,11) deixa-se
orientar pelo princípio da não-violência. A justiça não pode ser violenta e
nunca a violência pode ser aceita em nome da justiça. Eis aqui o grande exemplo
de Mahatma Ghandi. Quem reivindica a justiça com meios violentos, está em
contradição. Isso promove as guerras. Para o cristão não basta o querer
resolver os problemas sociais, é necessário usar de métodos coerentes com a
Caridade.
Justiça a serviço da vida
A justiça autêntica é sempre motivada pela
Caridade porque tem como objetivo o reto direcionamento rumo à plenitude da
realização do outro, promovendo-lhe a vida integralmente. A justiça desprovida
da Caridade se torna cega chegando a atitudes absurdas como a legitimação da
tortura, pena de morte, eutanásia e tantas outras intransigentes medidas
contrárias à vida e a preservação da integridade da pessoa.
Podemos incluir neste critério tantas formas
de exigências de «disciplina» e de controle social de caráter político,
religioso, cultural, promotores da cultura da violência. A justiça só é justa
se promover a vida, preservando a dignidade da pessoa humana; eis a grande
contradição da pena de morte: não é justiça, é vingança do Estado.
A Igreja permanece fiel ao princípio supremo
da inseparabilidade entre caridade e justiça e por isso defende a dignidade da
pessoa humana e promove a vida integral em todas as fases e situações
existenciais. A pessoa humana nunca perde a sua dignidade seja qual for a sua
situação.
Em nível social, há outras concepções de
justiça, as quais devemos ser críticos, por exemplo: a justiça legalista que segue somente o que diz a
lei, mesmo se injusta; a justiça corporativista que segue os interesses de um
grupo, sendo a voz da maioria, muitas vezes, justificada como apelo à
democracia; mas nem tudo o que é democrático é justo); a justiça judicialista
que é aquela que brota do ativismo dos juízes, muitas vezes com decisões
injustas sobre temas éticos e religiosos que não lhes compete. Todas essas
concepções de justiça são reducionistas e estão submissas à interesses dos seus
promotores. Nenhuma dela entra em sintonia com o dinamismo do Amor que prima
pela promoção incondicional da dignidade humana.
A superioridade da Caridade
O Salmo 103 (cf. também Sl 144,8-9) nos
descrevem o proceder divino em relação ao nosso agir humano. Deus não é
orientado pelo critério da justiça como a entendemos. Diz o salmista que Deus
não nos trata segundo as nossas faltas, mas é rico em Misericórdia para
conosco!
Em toda a Sagrada Escritura é nítida a
superioridade da Caridade em relação a justiça legal. Diz Javé em
Jeremias: «Amei-te com um Amor eterno e te conservo a misericórdia» (Jr
31,3). Jesus Cristo alerta seus discípulos: «Se a Justiça de
vocês não for além daquela dos escribas e fariseus vocês não entrarão no Reino
dos Céus…» (Mt
5,20). S. Paulo no seu hino da Caridade, conclui:
«Agora permanecem fé, esperança e caridade. A maior delas, porém é a Caridade»
(1Cor 13,13). A superioridade da Caridade se funda na sua grandeza de
conteúdo: é uma virtude globalizante; é assim que São Paulo no-la
descreve:
«A Caridade é paciente, a Caridade é benigna, não é invejosa; a Caridade não é orgulhosa, não se ensoberbece; nada faz de inconveniente, não é interesseira, não se irrita, não guarda rancor; não se alegra com a injustiça, mas se compraz com a verdade; a Caridade tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo tolera» (1Cor 13,5-8). Continuando na mesma ideia S. Paulo escreve aos Romanos: «Não devam nada a ninguém, a não ser a Caridade com que vocês devem amar uns aos outros. Porque quem ama o próximo, cumpriu a Lei» (Rm 13,1-3).
PARA REFLEXÃO:
Qual é a diferença entre justiça e
punição?
Quais podem ser as consequências da separação
entre Amor e Justiça?
O que você tem a dizer sobre a justiça legalista, a justiça corporativista e a justiça judicialista? Por que são inaceitáveis?
Fonte: https://www.cnbb.org.br/
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