Uma reflexão sobre as respostas
do Dicastério para a Doutrina da Fé com relação à celebração do batismo e às
pessoas transexuais e homossexuais.
Andrea
Tornielli
São
Cipriano, bispo de Cartago, que foi martirizado em 258, participando de um
sínodo de bispos africanos, observou: “A nenhum homem que venha a existir pode
ser negada a misericórdia e a graça de Deus”. E Santo Agostinho escreveu: «As
crianças são apresentadas para receber a graça espiritual, não tanto por
aqueles que as carregam nos braços (embora também por eles, se forem bons
fiéis), mas pela sociedade universal dos santos e dos fiéis... É toda a Igreja
Mãe dos santos que age, pois ela como um todo gera cada um deles».
Essas são
duas declarações dos Padres da Igreja que atestam a absoluta gratuidade do
batismo, de alguma forma também relativizando o papel dos pais e padrinhos
("se forem bons fiéis") que pedem o sacramento e apresentam a
criança. Essas são palavras que melhor do que outras iluminam a recente
resposta do Dicastério para a Doutrina da Fé às perguntas de um bispo
brasileiro sobre o batismo. A nota assinada pelo cardeal Victor Manuel
Fernandéz e aprovada pelo Papa Francisco mostra uma clara harmonia com o recente
magistério papal. De fato, Francisco tem insistido repetidamente que a porta
dos sacramentos, e em particular a do batismo, não deve permanecer fechada, e
que a Igreja nunca deve se transformar em uma alfândega, mas sim acolher e
acompanhar todos em seus acidentados caminhos na vida.
Um documento do Dicastério para a Doutrina da Fé, assinado pelo Prefeito
Fernandéz e aprovado pelo Papa na audiência de 31 de outubro, expressa uma
opinião positiva se não se cria ...
As
respostas do dicastério doutrinário, no contexto altamente polarizado que
caracteriza a Igreja hoje, provocaram reações opostas, incluindo aquelas que
temem que, ao admitir ao sacramento do batismo os filhos de casais homossexuais
(adotados ou filhos de um dos dois parceiros, talvez gerados por gestação
artificial), tanto o chamado "casamento gay" quanto a prática do
chamado "útero de aluguel" se tornem moralmente lícitos. Também pode
ser lida nesse sentido, novamente pelos críticos, a flexibilização da proibição
de padrinhos e madrinhas de batismo, que o Dicastério apresenta de forma
problemática.
Em primeiro
lugar, é interessante notar uma passagem da nota, onde se recorda que as
respostas publicadas nestes dias "repropõem, em boa substância, os
conteúdos fundamentais do que já foi afirmado no passado sobre este assunto por
este Dicastério". A menção se refere a pronunciamentos anteriores que
permaneceram em segredo (um dos quais também é citado na nota de rodapé) que
remontam a este pontificado e aos de seus antecessores. Além disso, as citações
iniciais dos dois Padres da Igreja propostas no início deste artigo estão
contidas, juntamente com muitas outras, em um documento público da então
Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, chefiada pelo cardeal croata Franjo
Šeper e pelo arcebispo dominicano Jérôme Hamer. Essa foi uma instrução aprovada
em outubro de 1980 por São João Paulo II, na qual ele respondeu a uma série de
objeções contra a celebração do batismo infantil, reafirmando a importância de
uma "prática imemorial" de origem apostólica que não deveria ser
abandonada.
Para
aqueles que hoje negariam o batismo aos filhos de casais homossexuais porque,
ao batizá-los, a Igreja tornaria moralmente lícitas as uniões homossexuais ou a
prática da barriga de aluguel, o documento de 1980 já havia, de fato,
respondido indiretamente, afirmando que "a prática do batismo infantil é
autenticamente evangélica, pois tem valor de testemunho; manifesta a iniciativa
de Deus em relação a nós e a gratuidade de seu amor que envolve toda a nossa
vida: 'Não fomos nós que amamos a Deus, mas foi Ele que nos amou... Nós o
amamos, porque ele nos amou primeiro' (1 João 4: 10. 19.)". E também
"no caso dos adultos, as exigências de receber o batismo não devem nos
fazer esquecer que Deus 'não nos salvou por causa de obras de justiça que tivéssemos
praticado, mas unicamente em virtude de sua misericórdia, mediante o batismo
da regeneração e renovação, pelo Espírito Santo,' (Tito 3, 5.)".
A instrução
aprovada pelo Papa Wojtyla há quarenta e três anos obviamente levou em conta a
mudança do contexto social e a secularização: "Pode acontecer que pais
incrédulos e que praticam apenas ocasionalmente, ou mesmo não cristãos, que por
razões dignas de consideração pedem o batismo para seus filhos, solicitem aos
párocos". Como se deve agir nesses casos? Permanecendo válido o critério -
de ontem e de hoje - de que o batismo de crianças é celebrado se houver o
compromisso de educá-las de maneira cristã, o documento de 1980 especificou a
esse respeito: "Quanto às promessas, qualquer compromisso que ofereça uma
esperança bem fundamentada para a educação cristã das crianças deve ser
considerado suficiente". A prática atual nas paróquias atesta o fato de
que, seguindo o exemplo do Nazareno, incansável em sua busca por cada ovelha
perdida, é suficiente que um parente se comprometa perante a Igreja a não
fechar a porta.
Não seria
necessário, hoje, acreditar mais na ação da graça que atua por meio dos
sacramentos, que não são um prêmio para os perfeitos, mas um remédio para os
pecadores? Não deveríamos olhar mais para as páginas do Evangelho, de onde
emerge Jesus, que ama primeiro, perdoa primeiro, abraça primeiro com
misericórdia, e é nesse abraço que o coração das pessoas é movido para a
conversão?
E,
novamente, que culpa têm as crianças? Seja como for que tenham vindo ao mundo,
elas são sempre criaturas amadas e queridas de Deus. Não valeria a pena,
então, concentrar-se mais no lado positivo, ou seja, no fato de que as pessoas
pedem o batismo em um contexto pós-cristão, onde é cada vez mais raro que isso
aconteça por mero costume?
É confortante reler as palavras que um grande bispo do século XX proferiu em uma entrevista em julho de 1978 sobre Luise Brown, a primeira criança nascida em um tubo de ensaio. Ele denunciou o risco de surgirem "fábricas de crianças" separadas do contexto familiar e explicou que compartilhava "apenas em parte" o entusiasmo pelo experimento. Mas, no final, ele ofereceu seus "mais calorosos votos à criança" e um pensamento afetuoso aos pais, dizendo: "Não tenho o direito de condená-los: subjetivamente, se eles agiram com intenção correta e de boa fé, podem até ter grande mérito diante de Deus pelo que decidiram e pediram aos médicos para realizar". Esse bispo se chamava Albino Luciani, era o Patriarca de Veneza, um mês depois se tornaria João Paulo I e hoje é beato.
Fonte: https://www.vaticannews.va/pt
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