Natal: a Salvação vem de uma gravidez “não
planejada”
“Maria, porém, disse ao Anjo: Como é que vai ser isso, se eu não conheço
homem algum?” (Lc 1,34)
Deus nos escolheu antes da criação do mundo (cf. Ef
1,4). Portanto, para ele, não há vida humana que não esteja no seu
plano. Também a vinda de seu Filho ao mundo estava obviamente no seu plano.
E Maria, como todos os israelitas, ansiava pela vinda do Messias. Mas
não estava absolutamente no plano da Virgem de Nazaré que fosse ela a mãe do
Messias. Sua gravidez, planejada por Deus desde toda a eternidade, não
havia sido “planejada” por ela. Surpreendida pelo anúncio do anjo, ela
pergunta: “Como é que vai ser isso, se eu não conheço homem algum?” (Lc
1,34). Aliviada com a resposta do anjo de que ela conceberia por
obra do Espírito Santo, sem perder a virgindade, responde: “Eu sou a serva do
Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra!” (Lc
1,38).
Assim, graças a uma gravidez “não planejada”, mas aceita com amor, é que
a salvação chegou ao mundo.
* * *
A expressão “planejamento familiar” que a Igreja sempre tem evitado usar
dá a entender que o casal tem autonomia absoluta para escolher o número de seus
filhos e o espaçamento entre eles. Essa ideia é falsa.
Na verdade, quem escolhe é Deus. Só ele é o Senhor da Vida. O que o
casal pode e deve fazer é ficar atento aos sinais de Deus para descobrir qual é
sua vontade, e pô-la em prática.
Dentro do matrimônio, a regra é gerar filhos. Não gerá-los é a exceção. É o que se conclui da seguinte passagem da histórica encíclica Humanae
Vitae (1968), do Papa Paulo VI, falando sobre a paternidade
responsável:
Em relação às condições físicas, econômicas, psicológicas e sociais, a
paternidade responsável exerce-se tanto com a deliberação ponderada e generosa
de fazer crescer uma família numerosa, como com a decisão, tomada por motivos
graves e com respeito pela lei moral, de evitar temporariamente, ou mesmo por
tempo indeterminado, um novo nascimento. (Humanae Vitae, n. 10)
Note-se como a Igreja elogia a família numerosa e como, ao mesmo tempo,
só admite evitar um novo nascimento “por motivos graves” e com respeito pela
lei moral. Jorge Scala, em seu livro “IPPF: a multinacional da morte”, adverte
para a mudança de mentalidade que veio com a pílula anticoncepcional:
A partir de 1965, e como conseqüência da entrada no mercado das pílulas
anticoncepcionais, a fecundidade humana modifica-se radicalmente: antes da
pílula existiam alguns métodos de regular eficácia para limitar os nascimentos;
depois da pílula, requer-se uma decisão positiva para ter filhos… (1)
Nos dias de hoje, até entre os cristãos, gerar filhos tornou-se algo de
excepcional na vida conjugal. Gerá-los, só depois de um cuidadoso
“planejamento”.
Jorge Scala, em seu mesmo livro, cita Pierre Chaunu, que fala, em tom de
poesia, sobre o valor da surpresa e do imprevisto na vida conjugal:
“Nenhuma sociedade pode contentar-se com os filhos desejados; necessita
primeiro e sobretudo dos filhos aceitados. O filho desejado não é o filho mais
amado. Não se deseja um filho como se deseja um automóvel, uma roupa, um
artefato; por uma razão muito simples: ninguém se separa de um filho como de um
objeto. A relação que nos liga a ele durará por toda a vida. Sabe-se que a vida
consta de muitos riscos. Isso é o que lhe dá seu sabor. Uma vida em que cada
instante se desenvolve segundo o projeto do começo, seria mais triste que a
morte. Na realidade, seria uma morte eterna. O risco de viver inclui o risco de
transmitir a vida e isso requer a aceitação do risco… Ora, no filho que vai
nascer, tudo é novo; é um pouco de si mesmo, um pouco da pessoa que se ama e um
ser totalmente diferente […], como ele mesmo, uma centelha de eternidade” (2)
* * *
Continência periódica é a abstenção do ato conjugal durante os períodos
férteis com o fim de evitar, por razões graves, uma nova gravidez. É
vulgarmente conhecida como “método natural” de regulação da procriação. No
entanto, ela não é só um “método”, mas sobretudo uma virtude. Significa
autodomínio e renúncia. Não pode ser vista como um meio eficiente de se evitar
uma coisa indesejável chamado “filho”. Não pode ser empregada com o mesmo
espírito com que se usa um método anticoncepcional. Sobre isso, assim se
exprimia o então Cardeal Karol Wojtyla, futuro Papa João Paulo II, em sua obra
Amor e Responsabilidade:
“A continência interesseira, calculada desperta dúvidas. Ela, como qualquer
outra virtude, deve ser desinteressada, concentrada na retidão em si, não só na
utilidade. […] Se a continência deve ser virtude e não só método, no sentido
utilitarista, não pode contribuir para a destruição da disponibilidade
procriativa daqueles que convivem maritalmente como esposos. […] E por isso não
se pode falar da continência como virtude quando os esposos aproveitam os
períodos de infertilidade biológica unicamente para não ter filhos, e convivem
só e exclusivamente nestes períodos para o próprio conforto. Proceder assim
equivale a aplicar o método natural em contradição com a sua natureza. Opõem-se
tanto à ordem objetiva da natureza, como à essência do amor”. (3)
Nas palavras de Dom Rafael Llano Cifuentes, (4) “já que o
matrimônio se ordena, por sua própria natureza, aos filhos, esta decisão [de
praticar a continência periódica] só se justifica em circunstâncias graves, de
ordem médica, psicológica, econômica ou social”. (5)
Segundo ele, as razões médicas “poderiam reduzir-se a duas:
1º) perigo real e certo de que uma nova gravidez poria em risco a saúde
da mãe;
2º) perigo real e certo de transmitir aos filhos doenças hereditárias”. (6)
“As razões psicológicas estão constituídas por determinados estados de angústia
ou ansiedade anômalas ou patológicas da mãe diante da possibilidade de uma nova
gravidez”. (7)
“As razões econômicas e sociais são aquelas situações problemáticas nas quais
os cônjuges não podem suportar a carga econômica de um novo filho; a falta de
moradia adequada ou a sua reduzida dimensão, etc.
Estas razões são difíceis de avaliar, porque o padrão mental é muito variado e
porque se introduzem também no julgamento outros motivos como o comodismo, a
mentalidade consumista, a visão hipertrofiada dos próprios problemas, o
egoísmo, etc.” (8)
Para evitar que o casal decida valer-se da continência periódica por
motivos egoísticos, a Igreja dá aos confessores a seguinte orientação: “…
será conveniente [para o confessor] averiguar a solidez dos motivos que se têm
para a limitação da paternidade ou maternidade e a liceidade dos métodos
escolhidos para distanciar e evitar uma nova concepção”. (9)
Quem se casa, casa-se não apenas para ter filho, mas para ter filhos. O
casal não pode ser mesquinho ao continuar a obra da Criação através da
procriação. Sobre isso, assim se exprimiu Karol Wojtyla, na mesma obra acima
citada:
“A família é na realidade uma instituição educadora, portanto é
necessário que ela conte, se for possível, vários filhos, porque para que o
novo homem forme sua personalidade é muito importante que não seja único, mas
que esteja inserido numa sociedade natural. Às vezes fala-se que é mais fácil
educar muitos filhos do que um filho único. Também diz que dois não são ainda
uma sociedade; eles são dois filhos únicos?”. (10)
Para refletir:
Santa Gianna Beretta Molla, a médica italiana que em 1962 deu a vida
heroicamente pela sua quarta filhinha, foi a décima filha de Maria Micheli e
Alberto Beretta. Que teria acontecido se esse casal tivesse decidido “evitar
filhos” a partir do segundo ou terceiro nascimento?
Pe.
Luiz Carlos Lodi da Cruz
Presidente do Pró-Vida de Anápolis (1) SCALA, Jorge. IPPF: a multinacional da
morte. Anápolis: Múltipla Gráfica, 2004. p. 81.
(2) Ibidem. p. 279.
(3) WOJTYLA, Karol. Amor e responsabilidade: estudo ético. São Paulo: Loyola,
1982. p. 215-216.
(4) Presidente da Comissão Episcopal para a Vida e a Família da CNBB.
(5) CIFUENTES, Rafael Llano. 274 perguntas e respostas sobre sexo e amor. 2.
ed. Rio de Janeiro: Marques Saraiva, 1993. p. 141.
(6) Loc. cit.
(7) Loc. cit.
(8) Loc. cit.
(9) PONTIFÍCIO Conselho para a Família, Vade-mécum para os confessores sobre
alguns temas de moral relacionados com a vida conjugal, 1997, n.º 12.
(10) WOJTYLA, Karol. Amor e responsabilidade: estudo ético. São Paulo: Loyola,
1982. p. 216.
Fonte: https://presbiteros.org.br/
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