Arquivo 30Dias – 11/2005
Um ensaio do bispo emérito de Arezzo. A sociedade camponesa ainda mantém a sua originalidade e valor em comparação com o mundo das megacidades e da alta tecnologia?
por Giovanni D’Ascenzi
A formulação das primeiras leis científicas no campo da natureza e a invenção dos meios técnicos mais básicos levaram milênios de história humana. Nos últimos séculos, e ainda mais nas nossas décadas, a ciência e a tecnologia fizeram progressos rápidos e prodigiosos. A estática foi substituída pelo dinamismo; à preocupação de preservar o património tradicional, de superá-lo, procurando o novo. A ciência e a tecnologia dominaram, ou estão dominando, até mesmo a agricultura (química, biologia, mecânica, etc.), demolindo opiniões, métodos de trabalho, certezas que permaneceram indiscutíveis durante séculos. Os processos vitais são principalmente conhecidos em suas circunstâncias, seguidos ou modificados por meios técnicos; doenças, pode-se dizer que os insetos nocivos estão sob controle; o conhecimento no campo da genética permite que intervenções produzam milagres. O agricultor sabe mais e pode fazer mais; ele começa a ter mais fé em suas habilidades e no progresso técnico do que nos ritos religiosos.
O progresso técnico-científico e a religião da população rural
A difusão do progresso técnico-científico é
prejudicial à religiosidade da população rural? Falando em ciências,
referimo-nos aqui às ciências empíricas. Há uma diferença notável entre o
conhecimento empírico, típico da cultura tradicional, e as ciências
empíricas. Os primeiros são adquiridos observando a repetição dos
fenômenos sem compreender as causas imediatas que os produzem e as leis que os
regulam; os segundos dão os fenómenos, as causas que os produzem, as
circunstâncias em que ocorrem, o conhecimento sistemático, de modo a fazer
previsões e permitir intervenções cujos resultados já são conhecidos desde o
início. Porém, as ciências empíricas permanecem no âmbito do “empirismo”,
ou seja, são ciências do “fenômeno”, não esgotam o conhecimento, deixam muitos
sem solução porque não são capazes de nos contar o ser íntimo das coisas, sua
origem, seu fim. A resposta às outras porque vem de outras ciências, em
particular da ciência do “ser”. Porém, as ciências empíricas, permitindo
ao ser humano conhecer as leis imanentes e racionais que regulam os fenômenos
do mundo sensível e o seu devir, confirmam a sua contingência e abrem o caminho
para a certeza motivada pela existência de um Ser invisível, inteligente,
criador da ordem natural.
Isto é em teoria; na prática o caminho é mais difícil. A ciência e a tecnologia desenvolvem, com sentido crítico, a necessidade de verificação: a tradição religiosa não está isenta desta necessidade, que, quando apoiada quase exclusivamente no controle social e transmite crenças supersticiosas, ritos mágicos, normas opressivas, corre sério risco de repúdio ou é aceita apenas como folclore. Se então nesta fase de revisão crítica o rural se vê atacado pela proposta de um modelo de vida inspirado no hedonismo e no materialismo prático, como aquele hoje sistematicamente divulgado pelos meios de comunicação social e vivido também pelas grandes classes populares, a religião , que ele viu ligado à vida secular de privações e sacrifícios a que as classes camponesas foram condenadas, parece-lhe anacrónico, na verdade, um fardo do qual deve ser libertado o mais rapidamente possível.
A crise interior do homem rural face a estas sugestões e solicitações é agravada pelo sentimento de inferioridade que sente, sobretudo quando se encontra fora do seu meio, face à sociedade urbana, que além disso preserva e impõe uma atitude de superioridade face ao mundo rural.
Porém, quando o homem do campo superar a crise interna e transformar a fé tradicional numa fé pessoal, purificada de quaisquer resíduos e interiorizada, talvez recorra menos ao rito de propiciação e mais aos meios químicos quando se encontrar necessitado de ajuda. combater as doenças do gado, ou desinfestar o campo dos insetos, mas conhecerá os momentos intensos de oração, de contemplação e de louvor, para dar um testemunho singular, daquele que tem o privilégio de entrar em comunhão com Deus, de trabalhar a terra, de a validade perene da religião e de sua base racional.
Em resumo: o processo de revisão crítica é iniciado pelo progresso técnico-científico; o impulso para o repúdio da religião vem antes do modelo de vida urbano-industrial.
Papel profético da religiosidade da população rural na sociedade moderna
O mundo rural tem uma função
ético-religiosa na civilização moderna? À primeira vista, a pergunta pode
parecer ingénua, se não pretensiosa. Nas sociedades industrializadas, os
trabalhadores agrícolas tendem a diminuir em número até serem reduzidos a
apenas algumas unidades por cada cem empregados; o campo está
despovoado; o modelo de vida urbano generaliza-se (ou pelo menos assim
parece); quem fala de cidade e campo fala em termos de integração ou
assimilação, naturalmente com quem está em posição dominante: o mundo rural tem
futuro?
Fonte: https://www.30giorni.it/
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