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terça-feira, 28 de novembro de 2023

Perseguidos em tempos recentíssimos

Os santos Pedro e Clemente, detalhe do mosaico absidal do século XII da Basílica de São Clemente, em Roma (30Giorni)

Arquivo 30Dias – 11/2011

Perseguidos em tempos recentíssimos

Primeira Carta de Clemente aos Coríntios, que fala das perseguições sofridas pelos cristãos “por inveja e ciúme”, foi redigida não muito tempo depois da morte de Nero, e, portanto, pouquíssimos anos após o martírio dos santos Pedro e Paulo, em Roma.

Um artigo do presidente emérito do Pontifício Comitê de Ciências Históricas

do cardeal Walter Brandmüller

Entre os testemunhos escritos da Igreja primitiva que chegaram até nós, a Primeira Carta de Clemente é o mais próximo cronologicamente dos textos neotestamentários. Não nos devemos surpreender, portanto, se há tempos chama particularmente a atenção dos estudiosos. Mas esse texto foi, e é, debatido em cada mínimo detalhe sobretudo porque a tradição católica vê nele o primeiríssimo testemunho extra-bíblico em favor do primado da Igreja romana no seio da cristandade. Sendo assim, a questão da data de composição se reveste de especial interesse. É geralmente aceito que a Primeira Carta de Clemente tenha sido composta no final do século I da era cristã. Partindo da referência à perseguição dos cristãos, hipnotiza-se, portanto, que pertença à época do imperador Domiciano, que reinou de 81 a 96.

No entanto, surgiram há algum tempo dúvidas sobre essa datação e estudos mais cuidadosos demonstraram que sob Domiciano não houve nenhuma perseguição aos cristãos.

Nos capítulos 3 a 5 da Carta, que é um apelo à unidade e ao amor no seio da Igreja, fala-se das funestas consequências do ciúme para a comunidade dos cristãos. O autor traz sobre isso uma série de exemplos extraídos do Antigo Testamento, para depois prosseguir: “Todavia, deixando os exemplos antigos, examinemos os atletas que viveram em tempos recentíssimos. [...] Foi por causa do ciúme e da inveja que as colunas mais altas e justas foram perseguidas e lutaram até a morte. Consideremos os bons apóstolos. Pedro, pela inveja injusta, suportou, não uma ou duas, mas muitas fadigas [...]. Diante da inveja e da discórdia, Paulo mostrou o prêmio reservado à perseverança. [...] Deixou o mundo e se foi para o lugar santo, como excelso modelo de perseverança”.

Logo depois, a Carta fala também dos mártires da perseguição realizada por Nero e lembra – como mais tarde faria também Tácito († 117) – a maneira como morreram, dizendo ainda de forma explícita que tudo isso aconteceu “entre nós” (em Roma) – •n ämîn – e, mais precisamente, ≤ggista, ou seja, “em tempos recentíssimos”.
Mas isso significa que a perseguição de Nero pertence à experiência direta do autor. A Carta não pode, portanto, ter sido escrita muito tempo depois da morte de Nero (68), uma vez que o ano do massacre de cristãos ainda é incerto (64/65).

A propósito disso, surge também a questão: na inveja e no ciúme de que fala Clemente, e dos quais os apóstolos Pedro e Paulo foram vítimas, devem ser reconhecidos os conflitos dentro da comunidade cristã de Roma? Os claros conflitos em torno de Marcião, Valentino e Cerdão são todos de uma geração depois.

É muito mais verossímil pensar nas tensões entre cristãos e judeus. Não deve de fato ser esquecido que naquelas décadas estava em pleno andamento a separação entre judeus e cristãos, uma situação mais que favorável a invejas e ciúmes.

Sabemos, além disso, por Flávio Josefo, que a esposa de Nero, Pompeia, era uma prosélita, ou seja, uma convertida ao judaísmo, e deve, portanto, ter tido estreitos laços com os ambientes judaicos de Roma.

Portanto, seria realmente impensável que na busca por bodes expiatórios para o incêndio da Roma neroniana tenha sido ela quem desviou a atenção para os cristãos, tão mal-vistos pelos judeus?

Seja como for, em todas essas abordagens interpretativas é necessário ter cautela, dada a ausência de provas seguras nas fontes.

Mas este é o momento de enfrentar a questão do autor. É evidente que o nosso texto – que se apresenta como um tratado em forma epistolar – não é obra de uma coletividade: dizer que a “Igreja de Deus que vive como estrangeira em Roma” escreve à Igreja de Corinto é apenas um expediente formal. Considera-se que quem a escreveu foi “Clemente”, nome que – pelo que sabemos – é citado pela primeira vez numa carta de resposta do bispo Dionísio de Corinto ao papa Sotero (166-174 c.). Escreve Dionísio: “Hoje celebramos o dia santo do Senhor e neste mesmo dia lemos a vossa carta, a qual, tal como o precedente escrito a nós enviado por Clemente, sempre leremos como admoestação”.

Se esse Clemente é nomeado ao lado do bispo de Roma Sotero e a sua carta é lida como a carta de um papa durante a liturgia, pode-se considerar que com esse Clemente se faça referência a um outro bispo de Roma. Como sugere também o Clemente Romano lembrado no Pastor de Hermas, escrito na primeira metade do século II, uma vez que pelo contexto deduzimos que esse Clemente era pessoa de alta autoridade.

Não devemos esquecer que até o século IV, então como no passado, a Carta de Clemente era de uso público em grande parte das Igrejas. No Egito e na Síria, de modo particular, era-lhe atribuída uma autoridade quase canônica.

O “muro dos grafitos”, com a abertura que dá acesso ao lóculo em que se conservam as relíquias de Pedro, necrópole sob a Basílica de São Pedro, Cidade do Vaticano [© Veneranda Fabbrica di San Pietro] | 30Giorni.

No Codex Alexandrinus, famoso manuscrito da Bíblia do século V hoje conservado em Londres, a Primeira Carta de Clemente aparece ao lado do Novo Testamento.

Ora, como dissemos, todos esses debates, ou melhor, controvérsias, têm um precedente: pode a Primeira Carta de Clemente ser considerada a primeira prova pós-bíblica em favor do primado do bispo de Roma como guia da Igreja universal? Há diferentes respostas, dependendo do diferente ponto de vista confessional.

Deveria estar claro o evidente anacronismo que representaria perguntarmo-nos se o primado de Roma, tal como formulado pelos dois Concílios Vaticanos, é testemunhado pela Primeira Carta de Clemente. É justo, porém, que nos perguntemos se nessa carta fica clara a responsabilidade da Ecclesia Romana sobre toda a Igreja.

Pensando nisso, convém em primeiro lugar dar uma olhada no motivo e no conteúdo da Carta. Por que, afinal, foi necessário escrevê-la?

Pelo texto, compreendemos que na comunidade de Corinto se verificara uma ruptura, uma vez que os jovens se haviam rebelado contra os presbíteros da comunidade e os haviam removido de seu posto.

A intervenção de Roma, nessa situação que ameaçava a vida da Igreja de Corinto, é um fato notável. Ignoramos totalmente se ocorreu em resposta a um pedido de ajuda dos chefes da Igreja destituídos ou se Roma tomou a iniciativa motu proprio. Para a nossa questão, no entanto, isso é totalmente irrelevante, pois, no primeiro caso, se foram os presbíteros que recorreram a Roma, isso significa que reconheciam sua autoridade e sua faculdade de tutelar seus direitos; no segundo, a intervenção de Roma testemunharia que a Ecclesia Romana exercia de modo óbvio a autoridade sobre toda a Igreja.

O fato parece ainda mais notável se considerarmos que na época do envio da Carta a Corinto – pouco importa se a data é anterior ou se deu só por volta do final do século I – ainda vivia, em Éfeso, um dos Doze, João. Afinal, por terra Corinto distava de Éfeso cerca de 1.300 quilômetros – menos da metade por mar –, enquanto, também por terra, Roma estava a 2.500 quilômetros. Deveria haver, portanto, um motivo para que não tenha sido o último dos Doze, mas o Bispo de Roma, a pessoa interpelada e que interveio nessa situação.

A suposição, portanto, de que se tenha recorrido ao Sucessor de Pedro como instância última poderia não ser de modo algum equivocada.

Fonte: https://www.30giorni.it/

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF