REFLEXÕES SOBRE A NOVA IDOLATRIA DO DINHEIRO E AS CONSEQUÊNCIAS DA SOCIEDADE DE CONSUMO
Dom João Santos Cardoso
Arcebispo de Natal (RN)
Na sua Exortação Apostólica “Evangelii
Gaudium” (EG), ao analisar alguns desafios do mundo atual, o Papa Francisco
critica o modelo econômico que gera desigualdade e exclusão (EG, n. 53).
Segundo sua compreensão, uma das causas dessa situação está na relação
estabelecida com o dinheiro. A economia promove uma “nova idolatria do
dinheiro”, sustentada pela ideologia da autonomia absoluta dos mercados,
comandada pela especulação financeira (EG, n. 55-56).
Devido à hegemonia que a economia exerce sobre
a cultura atual, a crise econômica revela-se como uma crise antropológica, com
sua consequente visão redutiva da pessoa humana: “A crise financeira que
atravessamos faz-nos esquecer que, na sua origem, há uma crise antropológica
profunda: a negação da primazia do ser humano. Criamos novos ídolos. A adoração
do antigo bezerro de ouro (cf. Ex 32, 1-35) encontrou uma nova e cruel
versão no fetichismo do dinheiro e na ditadura duma economia sem rosto e sem um
objetivo verdadeiramente humano” (EG, n. 55). Esse tipo de economia produz
exclusão e desigualdade social, ancorada por uma cultura do bem-estar, da
meritocracia, do descartável e da globalização da indiferença. Nesse tipo de
economia, os pobres são considerados supérfluos e descartáveis, ‘resíduos e
sobras’ (EG, n. 53-55).
Ao elevar o dinheiro à condição de valor
supremo, a lógica do consumo é reproduzida nos relacionamentos pessoais,
transformando tudo em mercadoria, bens supérfluos que são comprados, consumidos
e descartados. A partir dessa lógica, a pessoa humana passa a ser entendida
como mercadoria ou é considerada de acordo com sua capacidade de consumo. Os
vínculos comunitários são esvaziados face aos interesses do mercado divinizado,
transformados em regra absoluta, que exalta a competição, o mérito e o sucesso
individual.
“O individualismo pós-moderno e globalizado
favorece um estilo de vida que enfraquece o desenvolvimento e a estabilidade
dos vínculos entre as pessoas, distorcendo os laços familiares” (EG, 67). Esse
individualismo contribui para a dissolução das redes de solidariedade e do
papel da comunidade e da família na definição da identidade pessoal e na
resolução dos conflitos. A família torna-se vulnerável em seus valores
constitutivos e encontra-se insegura e perdida em sua missão educadora,
deixando de ser o ambiente natural da vivência da fé cristã.
Como havia exortado o Papa São João Paulo II,
em 1992, os jovens são fortemente influenciados pelo fascínio da “sociedade de
consumo”, que os torna submissos a uma visão individualista, materialista e
hedonista da vida. O ideal de “bem-estar” material se torna a única busca,
levando à rejeição de sacrifícios e a renúncia a viver os valores espirituais e
religiosos. A “preocupação” exclusiva do ter suplanta o primado do ser,
resultando na interpretação e vivência dos valores pessoais e
interpessoais não segundo o princípio do dom e da gratuidade, mas de
acordo com uma lógica de posse egoísta e instrumentalização do outro (Pastores
dabo vobis, n. 8).
Tem-se, então, a síndrome da “Era do Vazio”,
denunciada por Lipovetsky (2007), cuja marca se reflete no individualismo
narcisista, no sujeito des-substancializado, sem conteúdo e sem grandes ideais,
reduzido a mero consumidor submetido a um processo de escolha permanente diante
de uma quase infinita possibilidade de consumo.
Essa situação gera o esvaziamento do espaço
público, da política, dos subsistemas da vida e da comunidade em favor das
forças irracionais do indivíduo e da predominância do econômico. Disso resulta
a violência, como produto de sociedades fragmentadas que atomizam a pessoa
humana e minam as relações comunitárias, familiares e o agir coletivo,
favorecendo a indiferença e a banalização do mal.
A crise antropológica se manifesta no desprezo
da dignidade humana. A vida perde valor. A manipulação de embriões, as práticas
abortivas, as mortes absurdas e o desprezo pelos direitos fundamentais da
pessoa humana são naturalizados. As violações se expressam em diversos níveis,
justificando as condições para a exploração, os maus tratos, a agressão, a
violência e a eliminação de certas categorias de pessoas, consideradas menos
humanas do que outras ou, simplesmente, indesejáveis.
Instaura-se a decadência ética e moral, cuja face mais visível é a corrupção, minando a confiança na democracia e perpetuando a crença na incompetência dos líderes. “A política tem as mãos cortadas. As pessoas já não acreditam no sistema democrático, porque ele não cumpre suas promessas” (BAUMAN, 2016).
Fonte: https://www.cnbb.org.br/
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