No dia de hoje, 28 de novembro, a Igreja Católica
celebra a memória litúrgica de Santa Catarina Labouré, a vidente da Medalha
Milagrosa.
Redação (28/11/2022 08:37, Gaudium
Press) Em fins de 1858, corriam
por Paris notícias a respeito das aparições de Nossa Senhora a uma camponesa
dos Pirineus, em Lourdes, rincão de pouca relevância do território francês.
Trocavam-se impressões sobre as extraordinárias curas constatadas após o uso
das águas da miraculosa nascente da Gruta de Massabielle e, sobretudo,
comentava-se a celebridade da jovem vidente, Bernadette Soubirous, cuja
despretensão e inabalável fé suscitavam a admiração do povo, que já a venerava
como santa.
Difundindo-se célere pela capital francesa, a
novidade chegou aos ouvidos também das Filhas da Caridade de São Vicente de
Paulo, que serviam aos idosos do asilo de Enghien. Entabularam uma animada
conversa, na qual se ouviu uma exclamação saída dos lábios de uma religiosa
que, embora discreta, mostrava-se tomada por veemente entusiasmo naquele
momento: “É a mesma!”. Nenhuma delas alcançou o significado destas palavras.
Entreolhando-se com estranheza, continuaram a falar, como se nada tivessem
ouvido.
“Um arco-íris místico entre a Rue du Bac e Lourdes”
Em 1830, uma noviça da Casa-Mãe da Companhia das
Filhas da Caridade, situada em Paris à Rue du Bac, também fora contemplada com
aparições de Nossa Senhora, as quais já haviam adquirido fama mundial. Além de
fazer importantes revelações sobre o futuro da Congregação e da França, a Mãe
de Deus confiara à vidente a missão de mandar cunhar uma medalha através da
qual Ela derramaria abundantes graças sobre o mundo. A distribuição dos
primeiros exemplares deu-se em razão da epidemia de cólera que grassava por Paris,
e foram tantas e tão surpreendentes as curas atribuídas ao uso dessa medalha –
não sem razão denominada pelo povo de Milagrosa -, que em pouco tempo ela já se
difundira por diversos países.
O nome da vidente, contudo, permanecia incógnito,
mesmo entre suas irmãs de hábito. E só foi revelado após sua morte: era a
silenciosa, diligente e sempre bem-humorada Irmã Catarina Labouré! Seus olhos
azuis, serenos e límpidos, brilhavam de alegria ao ouvir falar pela primeira
vez das recentes aparições de Lourdes, um eco das ocorridas na Rue du Bac. Era
outra luz que despontava no mesmo caminho de misericórdia traçado pela Rainha
do Céu para conduzir a humanidade a uma nova era de graças marianas.
Não havia dúvida, era “a mesma”! À noviça de Paris,
a Virgem ensinara a fórmula para invocá-La: “Ó Maria concebida sem pecado”. A
Bernadete, assim se apresentara: “Eu sou a Imaculada Conceição”. Exultante de
contentamento, Irmã Catarina passou a nutrir profunda admiração pela nova
vidente, embora não a conhecesse. Não sabia ela que, em Lourdes, Bernadete
trazia ao pescoço a Medalha Milagrosa quando viu a Mãe de Deus, e provavelmente
nutria em seu coração nobres sentimentos de veneração pela incógnita vidente da
Virgem da Medalha… Pelo prisma sobrenatural, havia uma estreita união de almas
das duas santas, formando “como que um arco-íris místico entre a Rue du Bac e
Lourdes”.
Santa Bernadete dava provas de heroica humildade,
restituindo à Rainha do Céu as honras e louvores que o povo lhe tributava.
Santa Catarina praticava de modo diferente igual humildade: vivia entregue às
mais modestas funções no asilo de Enghien, onde serviu aos idosos e pobres
durante mais de quarenta anos.
Infância nimbada de fé e seriedade
Quando Catarina nasceu, em 2 de maio de 1806,
permaneciam ainda na França as chagas da irreligião abertas pela Revolução de
1789. No pequeno povoado borgonhês de Fain-lès-Moutiers, onde a família Labouré
residia, não havia sacerdote. Para batizar a recém-nascida, foi preciso chamar
o pároco do lugarejo vizinho. Apesar da generalizada negligência religiosa do
tempo, da qual não se excluía seu pai, Pedro Labouré, a fé de Catarina e de
seus nove irmãos foi salvaguardada e fortalecida graças ao empenho da mãe, Madalena
Gontard, cuja principal preocupação na educação dos filhos foi inculcar-lhes
uma ilimitada confiança na Santíssima Virgem.
Os primeiros anos de Zoé – assim se chamava nossa
santa, antes do ingresso na vida religiosa – transcorreram sem nuvens, em meio
às alegrias de uma infância perfumada pela inocência. Adquiriu desde cedo gosto
pela oração e não hesitava em abandonar os infantis divertimentos quando a mãe
a chamava para rezarem juntas diante da singela imagem de Nossa Senhora
entronizada numa sala da residência.
Dotada de um precoce senso de responsabilidade e
seriedade, Zoé logo percebeu as dificuldades da mãe na execução das árduas
tarefas de manutenção da casa, e resolveu ajudá-la. Antes de completar oito
anos, já sabia costurar, ordenhar as vacas, preparar a sopa e varrer o chão. E
a compenetração que a movia a abraçar com alegria a monótona faina diária –
tanto no lar, durante a infância e juventude, quanto no asilo de Enghien, ao
longo de mais de quatro décadas – foi por ela mesma explicitada com palavras
simples e cheias de luz: “Quando se faz a vontade de Deus, jamais se sente
tédio”.
Uma graça transformante
Aos nove anos de idade, a pequena Zoé viu o
horizonte de sua vida toldar-se pela tragédia: em outubro de 1815, faleceu sua
mãe. Ao contemplar seu corpo inerte, chorou copiosamente, mas não por muito
tempo, pois ela própria lhe havia ensinado a quem recorrer nos momentos de
aflição. Passado o primeiro choque, dirigiu-se à sala onde se encontrava a
imagem de Nossa Senhora, diante da qual tantas vezes rezara em companhia da
mãe. Resoluta, subiu numa cadeira para pôr-se à altura da imagem, abraçou-a e
exclamou, entre soluços: “De agora em diante, Vós sereis minha Mãe!”. A
resposta da Rainha do Céu foi imediata. A menina, que ali chegara débil e
desfeita em lágrimas, retirou-se forte e disposta a enfrentar as adversidades.
Foi essa a última vez que ela chorou na vida, pois a virtude da fortaleza a
acompanhou num crescendo até o fim de seus dias.
Em 1871, quando já era uma religiosa de 65 anos, o
movimento revolucionário da Comuna de Paris proporcionou-lhe diversas ocasiões
de manifestar, com heroísmo, essa virtude. Um dia, por exemplo, tomou a
iniciativa de dirigir-se ao quartel-general dos insurrectos para defender sua
superiora, contra quem fora expedida uma ordem de detenção. Expôs seus
argumentos com tal firmeza ante quase sessenta comuneiros ali presentes que
terminou por sair vitoriosa. Impressionados, os revolucionários passaram a
tratá-la com muita deferência; chegaram inclusive a pedir-lhe para depor no
julgamento de uma prisioneira, e tomaram seu depoimento, favorável à ré, como
última palavra no caso.
Um desdobramento dessa graça recebida na infância
foi a constância de ânimo com a qual suportou as inúmeras manifestações de
impaciência e incredulidade de seu confessor quando, por ordem de Nossa
Senhora, lhe relatava as visões havidas. Poucos meses antes de sua morte, ela
confidenciou à superiora que a atitude desse sacerdote constituíra para ela um
verdadeiro martírio. Ela padeceu com a fortaleza dos mártires esse holocausto
silencioso, que lhe fora anunciado pela própria Santíssima Virgem, na primeira
de suas aparições: “Minha filha, o Bom Deus quer te encarregar de uma missão.
Terás muitas dificuldades, mas as superarás, considerando que ages para a
glória d’Ele. Saberás discernir o que vem do Bom Deus. Serás atormentada até
que o digas àquele que está encarregado de te conduzir. Serás contraditada. Mas
terás a graça. Não temas. Dize tudo com confiança e simplicidade. Tem
confiança”.
Uma verdadeira filha de São Vicente de Paulo
“Ficarás feliz em vir a mim. Deus tem desígnios a
teu respeito”. Quando tinha cerca de 14 anos, Catarina ouviu em sonho estas
palavras dirigidas a ela por um sacerdote desconhecido, cujo olhar penetrante e
cheio de luz gravou-se para sempre em sua lembrança. Alguns anos mais tarde,
visitando uma casa das Filhas da Caridade, deparou-se com um quadro do fundador
da Congregação, São Vicente de Paulo, em cuja fisionomia reconheceu o sacerdote
do sonho. Ficou-lhe clara, então, a vocação à qual já se sentira tantas vezes
atraída: seria filha de São Vicente!
Entretanto, quando no seu 21º aniversário, em 2 de
maio de 1827, anunciou em casa sua decisão, o pai se opôs taxativamente. Após
tentar, em vão, dissuadi-la de abraçar a vida religiosa, ele a enviou a Paris,
para trabalhar no restaurante de um de seus irmãos, na ilusão de que ali ela
acabaria por encontrar um bom partido e casar-se.
Aquele ambiente, porém, frequentado por operários
rudes e muitas vezes imodestos, não fez senão fortalecer a pureza ilibada da
jovem. Tal era seu amor pela vocação que já se portava como uma autêntica Filha
da Caridade, cumprindo com perfeição as recomendações feitas pelo Santo às suas
filhas espirituais, entre as quais esta: “Se às religiosas [de clausura] é
exigido um grau de perfeição, às Filhas da Caridade devem ser exigidos dois”.
Catarina não desejava outra coisa senão abraçar por
inteiro essa ousada meta, e perseverou em seu propósito até vencer a obstinação
do pai. “Se observarmos bem as pequenas coisas, faremos bem as grandes”,
escreveria ela, décadas mais tarde, ao terminar um período de exercícios
espirituais.
A confiança e a simplicidade de uma alma inocente
Finalmente, em 21 de abril de 1830, Catarina chegou
ao Convento da Rue du Bac. O Conselho das Superioras logo discerniu nela uma
autêntica vocação: “Tem 23 anos e convém muito à nossa comunidade: piedosa, bom
caráter, temperamento forte, amor ao trabalho e muito alegre”, foi o parecer
escrito a seu respeito. Ademais, era uma genuína camponesa, tal qual desejava
São Vicente, que tomara os bons predicados das aldeãs como base natural para
perfilar o ideal de virtude das Filhas da Caridade. E, quer na vida comunitária,
quer no serviço dos pobres, e mesmo durante as manifestações sobrenaturais das
quais foi objeto, sempre brilhou em Irmã Catarina uma das virtudes mais amadas
pelo Santo Fundador: a simplicidade de coração.
“O espírito das camponesas é simplíssimo: nem
rastro de fingimento nem palavras de duplo sentido; não são teimosas nem
apegadas às suas opiniões. […] Assim, minhas filhas, devem ser as Filhas da
Caridade, e sabereis que o sois se fordes simples, sem recalcitrâncias,
submissas ao parecer dos outros e cândidas em vossas palavras, e se vossos
corações não pensarem uma coisa enquanto vossas bocas pronunciam outra”. Este
ideal delineado por São Vicente encontrou, quase dois séculos depois, perfeita
realização na alma desta dileta filha.
Na semana seguinte à sua chegada ao convento,
apareceu-lhe três vezes, em dias consecutivos, o coração de São Vicente,
prenunciando as iminentes desgraças que se abateriam sobre a França, com a
promessa de que as duas Congregações por ele fundadas não pereceriam. A feliz
noviça teve a graça de ver também Cristo presente na Sagrada Hóstia, durante
todo o tempo de seu seminário, “exceto todas as vezes que eu duvidava”,
confidenciou ela.
Imbuída da Fé que move as montanhas e atrai a
benevolência de Deus, Catarina não titubeou em pedir mais: queria ver Nossa
Senhora. Na véspera da festa do Fundador – que então se comemorava a 19 de
julho -, confiou-lhe seu desejo numa breve oração e foi dormir esperançosa:
“Deitei-me com a ideia de que naquela mesma noite veria minha boa Mãe. Havia
muito tempo que queria vê-La”. E foi generosamente atendida, não só “naquela
mesma noite”, como também em duas outras aparições, uma em novembro e outra em
dezembro do mesmo ano de 1830.
Com o passar dos anos, intensificou-se nela a
confiança filial e ilimitada que depositava nesses três pilares de devoção, a
tal ponto que, pouco antes de falecer, ela não pôde esconder o espanto quando a
superiora lhe perguntou se não tinha medo da morte: “Por que temeria ir ver
Nosso Senhor, sua Mãe e São Vicente?”.
“A Santíssima Virgem escolheu bem”
Santa Catarina jamais violou o segredo acerca de
sua condição de vidente e mensageira das aparições da Medalha Milagrosa.
Contudo, muitas pessoas chegaram a vislumbrar nela a predileta da Rainha do
Céu, tal era seu amor a Deus, não só afetivo, pois inegável era sua ardorosa
piedade, mas também efetivo, como o testemunhou uma de suas contemporâneas:
“Suas ações, em si mesmas ordinárias, ela as fazia de maneira extraordinária”.
Havia nela algo de discreto, alcandorado e inefável.
Sua santidade era a principal mantenedora do
segredo. Às irmãs que ousaram interpelá-la nesse sentido, sua resposta
consistiu sempre num absoluto silêncio. Um silêncio nascido da humildade, sem
nada de taciturno nem de ríspido; pelo contrário, um silêncio sacral, que
chegava a despertar veneração.
Quando, após sua morte, foi anunciado às Filhas da
Caridade o nome da vidente da Rue du Bac, tiveram elas uma reação marcada mais
pela admiração do que pela surpresa. Não era difícil associar a exemplar irmã à
figura – já um tanto mitificada – da vidente ignota. E era impossível não
ficarem deslumbradas ao constatar a excelência de sua humildade, que a
mantivera no anonimato, embora exercendo uma missão de alcance universal.
Quiçá naquele momento tenha ocorrido à lembrança
das irmãs o ingênuo dito que as crianças do orfanato dirigido pelas Filhas da
Caridade costumavam repetir entre si, observando de longe a Irmã Catarina
Labouré: “A Santíssima Virgem escolheu bem”. Teriam sido estas palavras, tão
verdadeiras, mero fruto da imaginação infantil ou haveria Deus, mais uma vez na
História, revelado aos pequeninos os mistérios ocultados aos sábios e
entendidos?
Sem embargo, mais luminosa que o heroico silêncio é
a lição de confiança filial deixada por Santa Catarina na Mãe que nunca
desampara. “A confiança tem sempre esse prêmio. Pedindo com confiança,
recebe-se mais, com mais certeza e mais abundantemente. A confiança abre-nos o
Sapiencial e Imaculado Coração de Maria”.
Por Irmã Isabel Cristina Lins Brandão Veas, EP
Fonte: https://gaudiumpress.org/
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