Fé, verdade e cultura
Por Joseph Ratzinger
3.
RELIGIÃO, VERDADE E SALVAÇÃO
Permitam-me que me detenha um momento mais nesse ponto, pois toca um
aspecto fundamental da existência humana, e que com razão representa também uma
questão radical no atual debate teológico. Isso porque se trata do próprio
impulso do qual partiu a Filosofia, e ao qual tem de voltar sempre: nele se
tocam necessariamente a Filosofia e a Teologia, quando estas se mantêm fiéis à
sua intenção. É a questão de como o homem se salva, de como se justifica.
No passado, pensou-se de preferência na morte e naquilo que vem depois
da morte; hoje o mais além é visto como algo incerto, e portanto continua sendo
excluído das questões atuais. Por isso é necessário continuar buscando o que é
reto e justo no tempo: não se pode preterir o problema de como se deve
enfrentar a morte. Curiosamente, no debate sobre a relação do Cristianismo com
as religiões universais, o ponto de discussão que vem sendo mantido é o de como
se relacionam as religiões e a salvação eterna.
A questão sobre como o homem pode salvar-se ainda vem sendo debatida em
moldes clássicos. Ultimamente, porém, vem-se impondo de modo bastante geral
esta tese: todas as religiões são caminhos de salvação. Talvez não o caminho
ordinário, mas ao menos caminhos “extraordinários” de salvação: por todas as
religiões se chegaria à salvação. É essa a visão habitual.
Semelhante tese não corresponde apenas à idéia da tolerância e do
respeito pelos outros que hoje nos é imposta. Corresponde também à imagem
moderna de Deus: Deus não pode rejeitar homem algum apenas porque não conhece o
cristianismo e, em conseqüência, cresceu em outra religião. Aceitará a sua vida
religiosa da mesma forma que faz com a nossa.
Embora esta tese – reforçada nos últimos tempos com muitos outros
argumentos – seja bastante clara à primeira vista, não deixa de suscitar
dúvidas. Pois as religiões particulares não exigem apenas coisas diferentes,
mas também coisas opostas. Diante do número crescente de homens não vinculados
ao religioso, esta teoria universal da salvação estendeu-se também a formas de
existência não religiosas, mas vividas de maneira coerente. Sendo assim,
atitudes contraditórias conduziriam à mesma meta. Em poucas palavras, estamos
novamente diante do relativismo. Pressupõe-se sub-repticiamente que, no fundo,
todos os conteúdos são igualmente válidos. Não sabemos o que vale realmente.
Cada um tem de percorrer o seu caminho, ser feliz à sua maneira, como
dizia Frederico II da Prússia. Assim, galopando nas teorias da salvação, o
relativismo torna a entrar sub-repticiamente pela porta traseira: a questão da
verdade é separada da questão das religiões e da salvação. A verdade é
substituída pela boa intenção; a religião mantém-se no plano subjetivo, porque
não se pode conhecer aquilo que é objetivamente bom e verdadeiro.
Joseph Ratzinger
Fonte: Site interrogantes.net
Link: http://www.interogantes.net
Tradução: Quadrante
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