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terça-feira, 12 de dezembro de 2023

Fé, verdade e cultura (7/8)

Fé, verdade e cultura (Presbíteros)

Fé, verdade e cultura

Por Joseph Ratzinger

a) A diferença entre as religiões e seus perigos

Temos que conformar-nos com isso? É inevitável a alternativa entre o rigorismo dogmático e o relativismo humanitário? Penso que as teorias aqui analisadas não pensaram suficientemente três coisas. Em primeiro lugar, as religiões (e agora também o agnosticismo e o ateísmo) são consideradas iguais. Mas com certeza isto não é assim. Com efeito, há formas de religião degeneradas e doentias, que não elevam o homem, mas o alienam: a crítica marxista da religião não carecia totalmente de base. Também as religiões com uma certa grandeza moral, e que estão a caminho da verdade, podem estar doentes em alguns pontos. No hinduísmo (que mais propriamente é um nome coletivo para diversas religiões), há elementos grandiosos, mas também aspectos negativos: por exemplo o entrelaçamento com o sistema de castas, a prática da queima de viúvas – que se formou a partir de representações inicialmente simbólicas -, bem como as aberrações do shaktismo (*), para mencionar apenas uns poucos exemplos. Também o Islã, com toda a grandeza que representa, está continuamente exposto ao perigo de perder o equilíbrio, de dar espaço à violência e deixar que a religião deslize para o ritualismo externo.

E naturalmente há também, como todos nós bem sabemos, formas doentias no cristianismo. Assim aconteceu quando os cruzados, na conquista da cidade santa de Jerusalém, em que Cristo morreu por todos os homens, mergulharam muçulmanos e judeus num banho de sangue. Isto significa que a religião exige discernimento, discernimento em relação às formas das religiões e discernimento no interior da própria religião, conforme o seu próprio nível.

Com o indiferentismo quanto aos conteúdos e às idéias – todas as religiões, embora distintas, seriam iguais -, não se pode avançar. O relativismo é perigoso, tanto para a formação do ser humano individualmente como em comunidade. A renúncia à verdade não cura o homem. Não se pode esquecer o enorme mal que se fez na História em nome de opiniões e intenções boas.

b) A questão da salvação

Tocamos já o segundo ponto costumeiramente deixado de lado. Surpreendentemente, quando se fala do significado salvífico das religiões, pensa-se, na maioria das vezes, apenas em que todas possibilitariam a vida eterna, o que acaba neutralizando o pensamento da vida eterna, pois todo o mundo chegaria a ela de uma forma ou de outra. Contudo, isso rebaixa de maneira inconveniente a questão da salvação.

O céu começa na terra. A salvação no além pressupõe uma vida correspondente no aquém. Não podemos, pois, perguntar-nos apenas quem vai para o céu e desentender-nos simultaneamente da questão do céu. É necessário perguntar o que é o céu e como vem à terra. A salvação do além deve refletir-se numa forma de vida que torne o homem humano no aquém, isto é, neste mundo, e portanto conforme com a vontade de Deus. Uma vez mais, isto significa que, na questão da salvação, é preciso olhar para além das próprias religiões, para um horizonte ao qual pertencem as regras de uma vida reta e justa, regras que não podem ser relativizadas arbitrariamente. Eu diria, pois, que a salvação começa com a vida reta e justa do homem neste mundo, que abarca sempre os dois polos: o indivíduo e a comunidade.

Há formas de comportamento que nunca podem servir para tornar reto e justo o homem, e outras que sempre pertencem ao ser reto e justo do homem. Isto significa que a salvação não está nas religiões como tais, mas depende também de até que ponto elas levam os homens à Deus, à verdade e ao bem. Por isso, a questão da salvação traz sempre consigo um elemento de crítica religiosa, embora também possa aliar-se positivamente com as religiões. Em qualquer caso, tem a ver com a unidade do bem, com a unidade do verdadeiro, com a unidade de Deus e do homem.

c) A consciência e a capacidade do homem para a verdade

A unidade do homem tem um órgão: a consciência. Foi uma ousadia de São Paulo afirmar que todos os homens têm a capacidade de escutar a sua consciência, separando assim a questão da salvação da questão do conhecimento e da observância da Torah, e situando-a no terreno da comum exigência interior em que o Deus único fala e diz a cada um o que é verdadeiramente essencial na Lei: Quando os gentios, que não têm lei, cumprem naturalmente as prescrições da lei, sem ter lei são lei para si mesmos, demonstrando que têm a realidade dessa lei escrita no seu coração, segundo o testemunho da sua consciência… (Rom 2, 14 e segs.). Paulo não diz: “Se os gentios se mantiverem firmes na sua religião, isso é bom diante do juízo de Deus”. Pelo contrário, ele condena grande parte das práticas religiosas do seu tempo. Remete para outra fonte, para aquela que todos trazem escrita no coração, para o único bem do único Deus.

Enfrentam-se hoje dois conceitos contrários de consciência neste ponto, que na maioria das vezes simplesmente se intrometem um no outro. Para Paulo, a consciência é o órgão da transparência do único Deus em todos os homens, que são um só homem. Mas, atualmente, a consciência aparece como expressão do caráter absoluto do sujeito, acima do qual não poderia haver, no campo moral, nenhuma instância superior. O bem como tal não seria cognoscível. O Deus único não seria cognoscível. No que diz respeito à moral e à religião, a última instância seria o sujeito. Isso seria lógico, se a verdade como tal fosse inacessível.

Assim, o conceito moderno de consciência equivale à canonização do relativismo, da impossibilidade de haver normas morais e religiosas comuns, ao passo que, pelo contrário, para Paulo e para a tradição cristã, a consciência sempre foi a garantia da unidade do ser humano e da cognoscibilidade de Deus, e portanto da obrigatoriedade comum de um mesmo e único bem. O fato de em todos os tempos ter havido e haver santos pagãos baseia-se em que em todos os lugares e em todos os tempos – embora muitas vezes com grande esforço e apenas parcialmente – a voz do coração era perceptível; a Torah de Deus se nos fazia perceptível como obrigação dentro de nós mesmos, no nosso ser criatural, e desse modo tornava possível que superássemos a mera subjetividade na relação de uns com os outros e na relação com Deus. E isto é a salvação.

Resta saber o que Deus faz com os pobres fragmentos do nosso caminho rumo ao Bem, rumo a Ele mesmo e ao Seu mistério: um caminho que não deveríamos pretender controlar.

(*) Conjunto de crenças dentro do tantrismo – movimento filosófico e ritualístico que influenciou diversas seitas hinduístas, budistas etc. – que preconiza a realização espiritual por meio de práticas densamente simbolistas, que em alguns casos abrangem a magia negra, o culto à morte e práticas sexuais orgiásticas (N. do T.)

Joseph Ratzinger

Fonte: Site interrogantes.net

Link: http://www.interogantes.net

Tradução: Quadrante

https://presbiteros.org.br/

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF