Fé, verdade e cultura
Por Joseph Ratzinger
CONCLUSÃO
Ao final destas minhas reflexões, quisera chamar novamente a atenção
sobre uma indicação metodológica dada pelo Papa para as relações entre a
Teologia e a Filosofia, entre a Fé e a razão, porque com ela se toca a questão
prática de como se pode pôr em andamento, no sentido em que fala a Encíclica,
uma renovação do pensamento filosófico e teológico. A Encíclica fala de um
movimento circular entre a Teologia e a Filosofia, entendendo-o no sentido de
que a Teologia tem que partir sempre em primeiro lugar da Palavra de Deus; mas,
posto que essa Palavra é verdade, é preciso relacioná-la com a busca humana da
verdade, com a luta da razão pela verdade, pondo-a assim em relação com a Filosofia.
A busca da verdade por parte de quem crê realiza-se, pois, num movimento
em que sempre se confrontam a escuta da Palavra proclamada e a busca da razão.
Desse modo, por um lado, a Fé se torna mais profunda e mais pura; por outro, o
pensamento também se enriquece, porque se abrem para ele novos horizontes.
Parece-me que essa idéia de circularidade pode ser ampliada ainda mais: a
própria Filosofia não deveria fechar-se naquilo que lhe é meramente próprio e
pensado por ela. Assim como tem que estar atenta aos conhecimentos empíricos,
que se amadurecem nas diversas ciências, assim também deveria considerar a
sagrada tradição das religiões, e especialmente a mensagem da Bíblia, como
fonte de conhecimentos capazes de fecundá-la.
De fato, não há nenhuma grande filosofia que não tenha recebido da
tradição religiosa luzes e orientações: pensemos na filosofia da Grécia ou da
Índia, ou na filosofia que se desenvolveu no âmbito do cristianismo. Também
vale o mesmo para as filosofias modernas, que embora estivessem convencidas da
autonomia da razão e considerassem essa autonomia como critério último do
pensar, mesmo assim mantiveram-se devedoras dos grandes temas do pensamento que
a Fé cristã foi dando à Filosofia: Kant, Fichte, Hegel e Schelling não seriam
imagináveis sem os antecedentes da Fé. Até mesmo Marx, no coração da sua
radical reinterpretação, vive do horizonte de esperança assumido pela tradição
judaica.
Quando a Filosofia apaga totalmente esse diálogo com o pensamento da Fé,
acaba – como já disse uma vez Jaspers – numa “seriedade que se vai esvaziando,
até ficar sem conteúdo”. Por fim se vê impelida a renunciar à questão da
verdade, e isso significa dar-se a si mesma por perdida: uma filosofia que já
não pergunta mais quem somos, para que somos, se existe Deus e a vida eterna,
abdicou como filosofia.
Quero concluir com a menção de um comentário à Encíclica publicado no
semanário alemão Die Zeit, cuja tendência é distanciar-se das posições da
Igreja. O comentarista Jan Ross sintetiza com muita precisão o núcleo da
Encíclica ao dizer que o destronamento da Teologia e da Metafísica “não somente
tornou o pensamento mais livre, mas também mais estreito”. Sim, Ross não receia
falar de um “emburrecimento por descrença”. “Quando a razão se afastou das
questões últimas, tornou-se apática e tediosa, deixou de ser capaz de lidar com
os enigmas vitais do bem e do mal, da morte e da imortalidade. A voz de João
Paulo II – continua o comentarista – deu ânimo a muitos homens e a povos
inteiros; também soou dura e cortante aos ouvidos de muitos, e até suscitou
ódio, mas, se emudecer, far-se-á um terrível silêncio”.
Com efeito, se deixamos de falar de Deus e do homem, do pecado e da
graça, da morte e da vida eterna, todo o grito e todo o ruído que houver será
apenas uma tentativa inútil de fazer esquecer o emudecimento daquilo que é
próprio do ser humano. O Papa fez frente ao perigo de um tal emudecimento, com
a sua coragem e com a franqueza intrépida da Fé, prestando assim um serviço não
somente à Igreja, mas a toda a Humanidade. E devemos agradecer-lhe por isso.
Joseph Ratzinger
Fonte: Site interrogantes.net
Link: http://www.interogantes.net
Tradução: Quadrante
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