Marx, o falso Moisés das massas
Por muitos anos, Marx foi visto como um novo Moisés, que libertaria o
seu povo escolhido, o proletariado, da escravidão do capital e o conduziria
para a Terra Prometida do comunismo. Mas o que se viu na prática é que essa
religião sem Deus conduzia os seus adeptos a uma nova escravidão no Egito da
mundanidade.
Dentre os muitos opositores da fé cristã, o marxismo certamente não é a
filosofia mais importante, imponente ou impressionante da história.
Mas até há pouco tempo era decerto a mais influente. Uma comparação
entre os mapas-múndi de 1917, 1947 e 1987 mostra como esse sistema de
pensamento fluiu inexoravelmente, a ponto de inundar um terço do mundo em
apenas duas gerações, feito apenas emulado duas vezes na história: uma pelo
cristianismo e outra pelo islamismo.
Vinte anos atrás, todas as disputas políticas e militares do mundo, da
América Central ao Oriente Médio, podiam ser consideradas em termos de
comunismo versus anticomunismo.
Em grande medida, o próprio fascismo se tornou popular na Europa – e
ainda tem uma força considerável na América Latina – pela sua oposição ao que
Marx chama de “espectro do comunismo” na primeira frase do seu Manifesto do
Partido Comunista.
O Manifesto foi um dos momentos-chave da história. Publicado em 1848, “o
ano das revoluções” pela Europa afora, foi, como a Bíblia, essencialmente uma
filosofia da história, passada e futura. Toda a história passada foi reduzida à
luta de classes entre opressor e oprimido, mestre e escravo, seja na forma de
rei versus povo, pároco versus paroquiano, mestre de guilda versus aprendiz, e
mesmo marido versus mulher e pais versus filhos.
Era uma visão da história que consegue ser mais cínica que a de
Maquiavel. O amor é totalmente negado ou ignorado; a regra universal é a
competição e a exploração.
Mas, para Marx, isso agora pode ser mudado, porque precisamente agora,
pela primeira vez na história, não teríamos muitas classes sociais, mas apenas
duas: a burguesia (“aqueles que têm”, os proprietários dos meios de produção) e
o proletariado (“aqueles que não têm”, que não são proprietários dos meios de
produção).
Os proletários deveriam vender-se a si próprios e vender o seu trabalho
aos proprietários, até o dia em que a revolução comunista “eliminaria”
(eufemismo para “assassinar”) a burguesia, abolindo assim as classes e a luta
de classes para sempre e estabelecendo um milênio de paz e igualdade. Ou seja:
depois de ter sido cínico com relação ao passado, Marx mostrava-se
gritantemente ingênuo com relação ao futuro.
O que fez Marx ser como era? Quais eram as fontes da sua crença?
Marx deliberadamente repudiou (1) a sobrenaturalidade e (2) a
peculiaridade das suas raízes judaicas para abraçar (1) o ateísmo e (2) o
comunismo. Contudo, o marxismo ainda retinha, de forma secularizada, todos os
principais fatores estruturais e emocionais da religião bíblica. Marx, como
Moisés, era o profeta que libertava o novo povo escolhido, o proletariado, da
escravidão do capital e o conduzia para a Terra Prometida do comunismo, para
além do Mar Vermelho da sangrenta revolução mundial e através de um deserto de
sofrimento passageiro dedicado ao partido, que era o novo clero.
A revolução era o novo “Dia de Javé”, o Dia do Juízo; os porta-vozes do
partido eram os novos profetas; e os expurgos políticos para manter a pureza
ideológica dentro do partido eram os novos juízos divinos sobre os descaminhos
dos eleitos e dos seus líderes. O tom messiânico do Comunismo tornava-o, tanto
na estrutura como no sentimento, mais parecido com uma religião do que qualquer
outro sistema político, excetuado o fascismo.
Marx fez à sua herança filosófica hegeliana o mesmo que fez à sua
herança religiosa: assumiu as suas formas e o seu espírito sem assumir o seu
conteúdo. Transformou o “idealismo dialético” de Hegel no “materialismo
dialético”! Por isso, costuma-se dizer que o marxismo inverteu o hegelianismo.
As sete idéias radicais que Marx herdou de Hegel foram:
Monismo: tudo é uma coisa só e a distinção que o senso comum faz entre
matéria e espírito é ilusória. Para Hegel, a matéria é apenas uma forma do
espírito; para Marx, o espírito é apenas uma forma da matéria.
Panteísmo: a distinção entre Criador e criatura, marca distintiva do
judaísmo, é falsa. Na filosofia de Hegel, o mundo transforma-se num aspecto de
Deus (Hegel era panteísta); no marxismo, Deus é reduzido ao mundo (Marx era
ateu).
Historicismo: tudo muda, mesmo a verdade. Não há nada acima da história
e, portanto, o que foi verdade numa época pode ser falso na época seguinte, e
vice-versa. Em outras palavras, o Tempo é Deus.
Dialética: a história move-se apenas por conflitos entre forças opostas,
a “tese” versus a “antítese” que se unem num patamar superior que é a
“síntese”. Isto aplica-se às classes, às nações e às idéias. A valsa da
dialética é executada no salão de bailes da história até que finalmente chegue
o Reino de Deus – que Hegel identificou com o Estado prussiano. Marx deixou
tudo mais internacional e identificou o Reino de Deus com o Estado mundial
comunista.
Necessitarismo ou fatalismo: a dialética e os seus resultados não são
livres, mas inevitáveis e necessários. O marxismo é uma espécie de
predestinação calvinista sem um predestinador divino.
Estatismo: uma vez que não há lei ou verdade eterna e trans-histórica, o
Estado é supremo e incriticável. Neste ponto, Marx novamente torna o pensamento
de Hegel mais internacional.
Militarismo: uma vez que acima dos Estados não há leis universais,
naturais ou eternas para resolver as diferenças entre eles, a guerra é
inevitável e necessária enquanto existirem Estados.
Como muitos outros pensadores antirreligiosos desde a Revolução
Francesa, Marx adotou o secularismo, o ateísmo e o humanismo do século XVIII, o
“século das luzes”, juntamente com o racionalismo e a sua fé na aparente
onisciência da ciência e onipotência da tecnologia. Novamente, tratou-se de uma
transferência das formas, do sentimento e da função da religião bíblica para um
outro deus e uma outra fé. Porque o racionalismo baseia-se numa fé, e não numa
evidência. A fé em que a razão humana pode conhecer tudo o que é real não pode
ser provada pela razão humana; e a própria crença de que tudo o que é real pode
ser provado pelo método científico não pode ser provada pelo método científico.
Além do hegelianismo e do iluminismo, Marx ainda sofreu uma terceira
influência: o reducionismo econômico. Como o nome diz, trata-se da redução de
todas as questões a questões econômicas. Estivesse Marx lendo este texto agora,
diria que a causa real das minhas idéias não é a capacidade da minha mente para
conhecer a verdade, mas as estruturas econômicas capitalistas da sociedade que
me “produziu”. Marx acreditava que o pensamento é, na sua raiz, totalmente
determinado pela matéria; que o homem é totalmente determinado pela sociedade;
e que a sociedade é totalmente determinada pela economia. Isso é pôr de cabeça
para baixo a idéia tradicional de que a mente comanda o corpo, que os homens
comandam as sociedades e as sociedades comandam a economia.
Por fim, dos “socialistas utópicos”, Marx adotou a idéia de posse
coletiva da propriedade e dos meios para produzi-la. Diz Marx: “A teoria do
comunismo pode ser resumida numa só frase: abolição da propriedade privada”. Na
realidade, as únicas sociedades em toda a história a serem bem-sucedidas na
prática do comunismo foram os mosteiros, os kibutzim, as tribos e as famílias
(instituições que Marx também queria abolir). Todos os governos comunistas
(tais como o da União Soviética) transferiram a propriedade privada para as
mãos do Estado, não do povo. A crença de Marx de que o Estado “definharia” por
conta própria e de bom grado uma vez que eliminasse o capitalismo e pusesse o
comunismo no seu lugar provou ser surpreendentemente ingênua. Bem sabemos que,
uma vez tomado o poder, apenas a sabedoria e a santidade podem libertá-lo.
O apelo mais profundo do comunismo, especialmente nos países do Terceiro
Mundo, não foi a vontade de comunitarismo, mas o que Nietzsche chamou de “a
vontade de poder”. Nietzsche viu mais fundo no coração do comunismo que o
próprio Marx.
Como Marx lidou com as objeções mais óbvias ao comunismo: que o
comunismo suprime a privacidade e a propriedade privada, a individualidade, a
liberdade, a motivação para o trabalho, a educação, o casamento, a família, a
cultura, as nações, a religião e a filosofia? Marx não negou que o comunismo
eliminava essas coisas, mas afirmou que o capitalismo já fizera isso. Argumentava,
por exemplo, que o “burguês vê a esposa
como um simples instrumento de produção”. Em assuntos mais importantes e
delicados, como a família e a religião, oferece-nos mais retórica do que
lógica; exemplo: “A conversa mole da burguesia sobre a família e a educação,
sobre a sagrada relação entre pais e filhos, deixa o assunto ainda mais
asqueroso…” E eis aqui a sua “resposta” às objeções religiosas e filosóficas à
sua teoria: “As acusações contra o comunismo feitas de pontos de vista
religioso, filosófico e, em suma, ideológico, não merecem um exame sério”.
A mais simples refutação do marxismo é o fato de o materialismo ser auto-contraditório. Se as idéias não são nada além de produtos das forças
materiais e econômicas, tal como os carros e os sapatos, então as idéias
comunistas são simplesmente isso também. Se todas as nossas idéias são
determinadas, não pela intuição da verdade, mas pelos movimentos necessários da
matéria; se não há meios de controlar os movimentos da nossa língua, então o
pensamento de Marx não é mais verdadeiro que o de Moisés. Atacar as bases do
pensamento é atacar o próprio ataque.
Marx viu isso e até o admitiu. Reinterpretou as palavras como armas, não
como verdades. A finalidade das palavras do Manifesto (e também, em última
análise, as palavras da sua obra mais longa e ainda mais pseudocientífica: O
capital) não foi provar alguma verdade, mas suscitar a revolução: “Até agora os
filósofos interpretaram o mundo de diversas formas, cabe a nós transformá-lo”.
Marx era basicamente um pragmático.
Mas há contradição mesmo do ponto de vista pragmático. O Manifesto
termina com esta famosa exortação: “Os comunistas rejeitam dissimular as suas
perspectivas e propósitos. Declaram abertamente que os seus fins só podem ser
alcançados pela derrubada violenta de toda a ordem social até aqui. Podem as
classes dominantes tremer ante uma revolução comunista! Nela os proletários
nada têm a perder a não ser as suas cadeias. Têm um mundo a ganhar. Proletários
de todos os países, uni-vos!” Mas essa exortação é contraditória, porque Marx
negava o livre arbítrio. Tudo já estava definido, a revolução era “inevitável”,
escolhesse eu participar dela ou não. Não se pode fazer um apelo ao livre
arbítrio e negá-lo ao mesmo tempo.
Além dessas duas objeções filosóficas, há também fortes objeções
práticas ao comunismo. Uma delas é o fato de nenhuma das suas previsões ter
dado certo. A revolução não aconteceu na data nem no lugar previsto pelos
marxistas. O capitalismo não desapareceu, nem o Estado, a família e a religião.
E o comunismo não produziu contentamento e igualdade em nenhum dos lugares onde
ganhou força.
Marx só foi capaz de fazer uma coisa: bancar o Moisés e conduzir os
tolos de volta à escravidão no Egito (mundanidade). O verdadeiro Libertador
espera na coxia pelo truão “que se empavona e agita por uma hora no palco” para
conduzi-lo, juntamente com os seus colegas tolos, à “empoeirada morte”,
precisamente o assunto que os filósofos marxistas se negam a tocar.
Por Peter Kreeft
Professor de Filosofia no Boston College e autor de inúmeros livros
sobre filosofia, apologética e moral.
Fonte: Peter Kreeft Website
Link: http://www.peterkreeft.com
Tradução: Quadrante
Fonte: https://presbiteros.org.br/
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