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terça-feira, 5 de dezembro de 2023

O Verbo abreviado

Presépio montado na Basílica de São Paulo Fora dos Muros, Roma (30Giorni)

Arquivo 30Dias – 12/2006

O Verbo abreviado

Os trechos a seguir foram extraídos de: Henri de Lubac, Esegesi medievale. I quattro sensi della Scrittura (vol. III, Milão, Jaca Book, 1996)

de Henri de Lubac

Em Jesus Cristo, que era seu fim, a Lei antiga encontrava anteriormente a sua unidade. Século após século, tudo nessa Lei convergia para Ele. É Ele que, da “totalidade das Escrituras”, formava já “a única Palavra de Deus”. [...]

N’Ele, os “verba multa” (as muitas palavras) dos escritores bíblicos se tornam para sempre “Verbum unum” (a única Palavra). Sem Ele, no entanto, o laço se desfaz: de novo a palavra de Deus se reduz a fragmentos de “palavras humanas”; palavras múltiplas, não apenas numerosas, mas múltiplas por essência e sem unidade possível, pois, como constata Hugo de São Vítor, “multi sunt sermones hominis, quia cor hominis unum non est” (numerosas são as palavras do homem, pois o coração do homem não é uno). [...]

Eis então esse Verbo único. Ei-lo entre nós, “descido de Sion”, tendo tomado carne no seio da Virgem. “Omnem Scripturae universitatem, omne verbum suum Deus in utero virginis coadunavit” (todo o conjunto das Escrituras, cada palavra sua, Deus o reuniu no seio da Virgem). [...]

Ei-lo agora, total, único, na sua unidade visível. Verbo abreviado, Verbo “concentrado”, não apenas neste primeiro sentido, de que Aquele que é em si mesmo imenso e incompreensível, Aquele que é infinito no seio do Pai se encerra no seio da Virgem ou se reduz às proporções de uma criança no estábulo de Belém, como São Bernardo e seus filhos gostavam de falar dele, como repetiam M. Olier, num hino para o Ofício, a respeito da vida interior de Maria, e, ainda ontem, padre Teilhard de Chardin; mas também e ao mesmo tempo, neste sentido, de que o conteúdo múltiplo das Escrituras espalhadas ao longo dos séculos de espera vem a concentrar-se todo inteiro para se cumprir, ou seja, para se unificar, se completar, se iluminar e se transcender nEle. “Semel locutus est Deus” (Deus pronunciou uma só palavra): Deus pronuncia uma só palavra, não apenas em si mesmo, em sua eternidade sem vicissitudes, no ato imóvel com o qual gera o Verbo, como Santo Agostinho recordava; mas também, como já Santo Ambrósio ensinava, no tempo e entre os homens, no ato com o qual ele envia o seu Verbo a habitar na nossa terra. “Semel locutus est Deus, quando locutus in Filio est” (Deus pronunciou uma só palavra, quando falou no seu Filho): pois é Ele que dá o sentido a todas as palavras que o anunciavam, tudo se explica nEle e somente nEle; “et audita sunt etiam illa quae ante audita non erant ab lis quibus locutus fuerat per prophetas” (e se entenderam então também todas aquelas palavras que não haviam sido entendidas antes por aqueles aos quais Ele havia falado por meio dos profetas). [...]

Sim, Verbo abreviado, “abreviadíssimo”, “brevissimum”, mas substancial por excelência. Verbo abreviado, mas maior do que aquilo que abrevia. Unidade de plenitude. Concentração de luz. A encarnação do Verbo equivale à abertura do Livro, cuja multiplicidade exterior deixa perceber desde já o “miolo” único, esse miolo do qual os fiéis se alimentarão. Eis que com o fiat (aconteça) de Maria que responde ao anúncio do anjo, a Palavra, até aqui apenas “audível aos ouvidos”, se tornou “visível aos olhos, palpável às mãos, carregável às costas”. Mais ainda: ela se tornou “comestível”. Nada das verdades antigas, nem dos antigos preceitos, foi perdido, mas tudo passou para um estado melhor. Todas as Escrituras se reúnem nas mãos de Jesus como o pão eucarístico, e, carregando-as, ele carrega a si mesmo em suas mãos: “toda a Bíblia em substância, a fim de que nós façamos dela um só punhado de comida...”. “Mais de uma vez e sob várias formas” Deus distribuiu aos homens, folha após folha, um livro escrito, no qual uma Palavra única estava escondida sob numerosas palavras; hoje ele abre a eles esse livro, para mostrar-lhes todas essas palavras reunidas na Palavra única. “Filius incarnatus, Verbum incarnatum, Liber maximus” (Filho encarnado, Verbo encarnado, Livro por excelência): o pergaminho do Livro agora é Sua carne; o que nele está escrito é a Sua divindade. [...]

Toda a essência da revelação está contida no preceito do amor; nessa única palavra, “toda a Lei e os Profetas”. Mas esse Evangelho, anunciado por Jesus, essa palavra pronunciada por Ele, se contém tudo, é porque nada mais é que Jesus mesmo. A sua obra, a sua doutrina, a sua revelação: é Ele! A perfeição que ele ensina é a perfeição que ele traz. “Christus, plenitudo legis” (Cristo, plenitude da lei). É impossível separar a Sua mensagem da Sua pessoa, e aqueles que tentaram isso não tardaram muito a ser induzidos a trair a própria mensagem; pessoa e mensagem, enfim, não fazem senão uma coisa só. “Verbum abbreviatum, Verbum coadunatum”: Verbo condensado, unificado, perfeito! Verbo vivo e vivificante. Contrariamente às leis da linguagem humana, que se torna clara quando é explicada, ele, de obscuro, se torna manifesto apresentando-se sob sua forma abreviada: Verbo pronunciado antes “in abscondito” (ocultamente), e agora “manifestum in carne” (manifesto na carne). Verbo abreviado, Verbo sempre inefável em si mesmo, e que todavia explica tudo! [...]

As duas formas do Verbo abreviado e dilatado são inseparáveis. O Livro, portanto, continua, mas ao mesmo tempo passa todo inteiro para Jesus, e, para o crente, a sua meditação consiste em contemplar essa passagem. Mani e Maomé escreveram livros. Jesus, por sua vez, não escreveu nada; Moisés e os outros profetas “escreveram dele”. A relação entre o Livro e a sua Pessoa é portanto o oposto da relação que se observa em outros casos. Assim, a Lei evangélica não é de forma alguma uma “lex scripta” (lei escrita). O cristianismo, propriamente falando, não é de forma alguma uma “religião do Livro”: é a religião da Palavra – mas não unicamente nem principalmente da Palavra sob a sua forma escrita. É a religião do Verbo, “não de um verbo escrito e mudo, mas de um Verbo encarnado e vivo”. A Palavra de Deus hoje está aqui entre nós, “de maneira tal que a vemos e tocamos”: Palavra “viva e eficaz”, única e pessoal, que unifica e sublima todas as palavras que dão testemunho dela. O cristianismo não é “a religião bíblica”: é a religião de Jesus Cristo.

Fonte: https://www.30giorni.it/

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF