Primeira Pregação do Advento 2023 do cardeal
Raniero Cantalamessa
"Jesus não espera que os
pecadores mudem de vida para poder acolhê-los; mas os acolhe, e isso leva os
pecadores a mudar de vida. Todos os quatro Evangelhos – Sinóticos e João – são
unânimes nisso."
Fr. Raniero Card. Cantalamessa, OFMCap
“VOZ DE QUEM CLAMA NO DESERTO”
João Batista, o moralista e o profeta
Primeira Pregação do Advento de 2023
Na liturgia
do Advento, nota-se uma progressão. Na primeira semana, a figura de destaque é
o profeta Isaías, aquele que anuncia de longe a vinda do Salvador; no segundo e
terceiro domingos, o guia é João Batista, o precursor; na quarta semana, a
atenção se concentra toda em Maria. Este ano, tendo apenas duas meditações à
disposição, pensei dedicá-las aos dois: ao Precursor e à Mãe. Nas iconóstases
dos irmãos Ortodoxos, os dois estão um à direita e o outro à esquerda de Cristo
e, frequentemente, são apresentados como dois “recepcionistas” dos lados da
porta que introduz ao recinto sacro.
Uma evangelização nova no fervor
São João
Paulo II caracterizou a nova evangelização como uma evangelização – cito –
“nova no fervor, nova nos métodos e nova nas expressões”. João Batista é mestre
para nós sobretudo na primeira destas três coisas, o fervor. Ele não é um
grande teólogo; tem uma cristologia bastante rudimentar. Ainda não conhece os
mais altos títulos de Jesus: Filho de Deus, Verbo, e nem mesmo o de Filho do
homem.
Usa imagens
simplicíssimas. “Não sou digno – afirma – de desatar a correia da sua
sandália...”. Mas, apesar da pobreza de sua teologia, como consegue fazer ouvir
a grandeza e unicidade de Cristo! O mundo e a humanidade aparecem, das suas
palavras, todos contidos como dentro de uma joeira, ou uma peneira, que ele, o
Messias, segura e balança em suas mãos. Diante dele se decide quem fica e quem
cai, quem é o bom grão e quem é palha que o vento dispersa. O exemplo do
Precursor nos diz que todos podem ser evangelizadores!
Comentando
as palavras de São João Paulo II que recordei, alguém, a seu tempo, observou
que a nova evangelização pode e deve ser, sim, nova “no fervor, no método e na
expressão”, mas não nos conteúdos, que permanecem os de sempre e que derivam da
revelação. Em outras palavras: que pode e deve haver uma nova evangelização,
mas não um novo Evangelho.
Tudo isso é
verdade. Não pode haver conteúdos total e verdadeiramente novos. Pode, contudo,
haver conteúdos novos, no sentido de que, no passado, não eram enfatizados o
bastante, que permaneceram na sombra, pouco valorizados. São Gregório Magno
dizia: “Scriptura cum legentibus crescit” (Moralia in Job,
20,1,1), a Escritura cresce com quem a lê. E, em outro trecho, explica também o
porquê. “De fato – afirma – alguém compreende [as Escrituras] tanto mais
profundamente quanto mais profunda for a atenção que a elas dedica” (Hom in
Ez. I,7,8). Este crescimento se realiza primeiramente em nível pessoal no
crescimento em santidade; mas se realiza também em nível universal, à medida
que a Igreja avança na história.
O que às
vezes torna tão difícil aceitar o “crescimento” de que fala Gregório Magno é a
pouca atenção que se dá à história do desenvolvimento da doutrina cristã das
origens a hoje, ou um conhecimento muito superficial e manualístico dela. Tal
história demonstra, de fato, que esse crescimento sempre houve, como demonstrou
em um famoso ensaio o Cardeal John Newman.
A Revelação
– Escritura e Tradição juntas – cresce conforme instâncias e provocações lhe
são postas no curso da história. Jesus prometeu aos apóstolos que o Paráclito
os teria guiado “a toda a verdade” (Jo 16,13), mas não precisou em quanto
tempo: se em uma ou duas gerações, ou, ao invés – como tudo parece indicar –,
por todo o tempo que a Igreja for peregrina sobre a terra.
A pregação
de João Batista nos oferece a ocasião para uma observação atual e importante
justamente a propósito deste “crescimento” da palavra de Deus que o Espírito
Santo opera na história. A tradição litúrgica e teológica pegou dele sobretudo
o grito: “Eis o cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo!”. A Liturgia nos
repropõe a cada Missa antes da comunhão, depois que o povo cantou por três
vezes: “Cordeiro de Deus, que tirais o pecado do mundo, tende piedade de nós”.
Na
realidade, porém, esta é apenas metade da profecia do Batista sobre Cristo. Ele
logo acrescenta, quase de um só fôlego, e em todos os quatro Evangelhos: “Ele
vos batizará com o Espírito Santo!” (cf. Jo 1,33), e ainda: “Ele vos batizará
com o Espírito Santo e com fogo” (Mt 3,11). A salvação cristã não é, portanto,
algo apenas de negativo, um “tirar o pecado”. É sobretudo algo de positivo: é
um “dar”, um infundir: vida nova, vida do Espírito. É um renascimento.
A
destruição do pecado parece a via e a condição para o dom do Espírito, que é o
objetivo último, o dom supremo. O capítulo terceiro da Carta aos Romanos sobre
a justificação do ímpio jamais deve ser desligado do capítulo oitavo sobre o
dom do Espírito, com aquela mensagem libertadora que deveria ressoar mais
frequentemente em nossa pregação: “Agora, portanto, já não há condenação para
os que estão em Cristo Jesus. Com efeito, a lei do Espírito da vida, em Cristo
Jesus, libertou-te da lei do pecado e da morte” (Rm 8,1-2).
Certo, este
aspecto positivo jamais foi esquecido. Mas, talvez, nem sempre se insistiu o
bastante sobre ele. Temos corrido o risco, na espiritualidade ocidental, de ver
o cristianismo, sobretudo em chave “negativa”, como a solução do problema do
pecado original; como algo, por isso, de sombrio e deprimente. Explica-se
assim, ao menos em parte, a sua rejeição da parte de vastos setores da cultura,
como aqueles representados por Nietzsche, na filosofia, e pelo dramaturgo
norueguês Ibsen, na literatura. A maior atenção à ação do Espírito Santo e aos
seus carismas que, há algum tempo, está em ato em todas as Igrejas cristãs, é
um exemplo concreto da Escritura que “cresce com quem a lê”.
Os santos
amam continuar, do céu, a missão que desempenharam quando vivos sobre a terra.
Santa Teresa do Menino Jesus – de quem recorre este ano o 150º aniversário do
nascimento – pôs isso como uma espécie de condição a Deus para ir ao céu. São
João Batista ama, também ele, ser ainda o precursor de Cristo, ama preparar-lhe
os caminhos. Emprestemos-lhe a nossa voz!
Contemplando,
na Deesis, o ícone do Precursor com as mãos estendidas para o
Cristo e o olhar suplicante, a Igreja Ortodoxa lhe dirige esta oração, que
podemos fazer nossa:
Aquela mão
que tocou a cabeça do Senhor e com a qual nos indicastes o Salvador, estendei-a
agora, ó Batista, para ele em nosso favor, em virtude daquela segurança de que
largamente gozas, pois, segundo o seu próprio testemunho, vós fostes o maior de
todos os profetas; dirigi a ele, ó Batista, os olhos que viram o Espírito Santo
descido em forma de pomba, para que ele nos manifeste a sua graça.
___________________________________
Tradução de Fr. Ricardo Farias,
OFMCap.
Fonte:
https://www.vaticannews.va/pt
Nenhum comentário:
Postar um comentário