Dom João Cardoso
Arcebispo de Natal (RN)
A Constituição Apostólica
“Veritatis Gaudium”, promulgada pelo Papa Francisco em 2017, propõe uma revisão
dos estudos eclesiásticos, atualizando a Constituição Apostólica “Sapientia
Christiana” de São João Paulo II, reconhecendo a atualidade de sua visão
profética e a necessidade de integrá-la com as normativas subsequentes. Com
essa nova Constituição, o Papa Francisco busca imprimir uma renovação nos
currículos eclesiásticos, alinhada à proposta da Igreja “em saída”, a fim de
formar sujeitos eclesiais comprometidos com a transformação missionária da
Igreja, capazes de dialogar com novas fronteiras culturais e ambientais, bem
como de atuar com competência frente aos desafios contemporâneos.
Diante da crise antropológica e socioambiental
global, evidenciada por sinais de ruptura, catástrofes naturais, crises sociais
e financeiras, torna-se imperativo mudar o modelo de desenvolvimento global e
redefinir o progresso. No entanto, para uma tarefa tão ambiciosa, necessita-se
de uma nova cultura que forme lideranças capazes de traçar caminhos. Nesse
contexto, a renovação dos estudos eclesiásticos torna-se necessária para formar
líderes eclesiais que sejam agentes de mudança e capazes de enfrentar os desafios
complexos da atualidade. Assim, a renovação dos estudos eclesiásticos não é
apenas uma necessidade acadêmica, mas uma resposta prática ao chamado do Papa
Francisco para uma Igreja em saída, comprometida profeticamente em promover uma
verdadeira revolução cultural. Vivemos uma mudança epocal com vários sinais de
ruptura, e “o problema é que não dispomos ainda da cultura necessária para
enfrentar esta crise e há necessidade de construir lideranças que tracem
caminhos” (Veritatis Gaudium, n. 3; Laudato Sì, n. 53).
Essa tarefa desafiadora e inadiável requer, no âmbito cultural da formação acadêmica e da pesquisa científica, um compromisso generoso e convergente em favor de uma mudança radical de paradigma e de uma autêntica revolução cultural. “A este compromisso, a rede mundial de Universidades e Faculdades eclesiásticas é chamada a prestar o decisivo contributo de fermento, sal e luz do Evangelho de Jesus Cristo e da Tradição viva da Igreja sempre aberta a novos cenários e propostas” (Veritatis Gaudium, n. 3). As universidades, incluindo os estudos eclesiásticos, são chamadas a dotar-se de centros especializados que aprofundem o diálogo com diversas disciplinas científicas. A pesquisa partilhada entre especialistas de diferentes áreas é vista como um serviço qualificado ao Povo de Deus e ao Magistério, contribuindo para a missão da Igreja de anunciar a boa nova de Cristo. Ao viver na fronteira e dialogar com as questões e aflições do povo, os estudos eclesiásticos podem oferecer uma contribuição inspiradora e orientadora, mantendo-se fiéis à sua missão na fronteira da teologia e cultura cristã (Veritatis Gaudium, n 5).
Ao considerar os critérios essenciais para a renovação dos estudos eclesiásticos em prol de uma Igreja em saída, é imperativo que o relançamento destes estudos impulsione vigorosamente a pesquisa científica nas universidades e faculdades eclesiásticas. Este processo deve transcender as fronteiras tradicionais, transformando-se não apenas em um meio de formação qualificada para clérigos, religiosos e leigos, mas também em um ambiente dinâmico de reflexão e prática. Pode-se concebê-lo como um “laboratório cultural”, onde a Igreja se empenha na interpretação ativa da realidade que emana do evento de Jesus Cristo, ao mesmo tempo em que se nutre dos dons da Sabedoria e da Ciência, enriquecendo de diversas maneiras o Povo de Deus sob a influência do Espírito Santo (Veritatis Gaudium, n. 3). Nessa perspectiva, os estudos eclesiásticos não devem apenas transferir conhecimentos, mas também elaborar instrumentos intelectuais que sejam paradigmas de ação e pensamento, adequados para o anúncio em um mundo caracterizado pelo pluralismo ético-religioso. Assim também a pesquisa científica deve elevar sua qualidade e avançar nos estudos teológicos e ciências correlacionadas, indo além do simples diagnóstico para aprofundar a comunicação eficaz da verdade do Evangelho em contextos específicos. A criação de novos centros de pesquisa, reunindo estudiosos de diferentes universos religiosos e competências científicas, torna-se crucial para promover o diálogo e enfrentar desafios globais, como o cuidado da natureza e a defesa dos pobres (Veritatis Gaudium, 5).
Nenhum comentário:
Postar um comentário