Os magos
deixaram para trás muitas coisas para procurar o Rei dos judeus: o lar, os
amigos, a própria segurança... Porém, o desejo interior que os levou a partir
terminou através de um gesto que manifestava a única coisa importante em suas
vidas: “Prostrando-se diante dele, o adoraram” (Mt 2, 11).
02/01/2024
Uma vistosa
comitiva acaba de chegar a Jerusalém. Os forasteiros percorrem suas vielas e
contemplam a agitação da cidade. Tinham, provavelmente, chegado a seus ouvidos
as façanhas que o povo judeu havia realizado. E agora estes misteriosos
personagens podem ver com seus próprios olhos os símbolos deste lugar: a
muralha e o templo. Não vieram até aqui, no entanto, por curiosidade.
Percorreram centenas de quilômetros porque querem adorar o rei dos judeus que
acaba de nascer. Dirigem-se por isso ao lugar onde pensam encontrá-lo: o
palácio real.
“Vimos a
sua estrela no oriente e viemos adorá-lo” (Mt. 2, 2). Com estas palavras
apareceram no palácio: imaginavam, talvez, que sua presença seria normal. Se o
que era esperado havia tanto tempo acabava de nascer, era lógico que as pessoas
viessem conhecê-lo. No entanto, “a essa notícia, o rei Herodes ficou perturbado
e toda Jerusalém com ele” (Mt 2, 2). A notícia correu de boca em boca. A visita
daqueles exóticos estrangeiros causou um pequeno alvoroço. Daí que Herodes
decidisse chamar os sacerdotes e escribas do povo para tentar entender o que
estava acontecendo.
Herodes não
estava interessado neste pretenso rei. Ele tinha conseguido chegar ao poder sob
a tutela de Otávio Augusto porque lhe proporcionava segurança e impostos.
Qualquer alarme poderia ameaçar a sua continuidade. Era por isso prioritário
que as coisas continuassem como estavam. Aquelas promessas de Deus transmitidas
pelos profetas serviam para fortalecer a identidade nacional dos judeus, desde
que permanecessem longínquas ou abstratas. Cristo, porém, atrapalhou seus
planos. E reconhecê-lo como rei implicava um risco, deixar para trás a
segurança do próprio raciocínio e aceitar “os imprevistos que não aparecem
assinalados no mapa da vida tranquila. Jesus deixa-Se encontrar por quem O
busca, mas, para O buscar, é preciso mover-se, sair. Não ficar à espera;
arriscar. Não ficar parados; avançar. Jesus é exigente: a quem O busca,
propõe-lhe deixar as poltronas das comodidades mundanas e os torpores
sonolentos das suas lareiras.”[1]. Em resumo, significa
partir para uma viagem, como fizeram os Reis Magos.
Uma visão
esperançosa do mundo
Os escribas
e sacerdotes não duvidaram em afirmar que o Cristo nasceria em Belém, pois
assim havia dito o profeta Miqueias: “E tu, Belém, terra de Judá, não és
certamente a menor entre as principais cidades de Judá; pois de ti sairá um
chefe que apascentará meu povo, Israel” (Mq 5, 1). Aqueles homens conheciam
muito bem as escrituras. Conheciam com exatidão todas as referências
relacionadas com o Messias. Teriam, provavelmente, meditado com frequência em
suas vidas sobre a chegada dele. Alguns, anelando que fosse o quanto antes;
outros, talvez meio desiludidos, pois esperavam que os tivesse salvo de cair
sob o domínio romano.
No entanto,
os sábios de Israel daquela época, apesar de terem visto as profecias
realizadas, não souberam reconhecê-las. Foi necessário que esses estrangeiros
chegassem para fazê-los perceber que o rei dos judeus já havia nascido.
Habituados a ser objeto de predileção de Deus, depositários de sua grandeza,
perceberam que foi um povo gentio que lhes comunicou a Boa Nova aguardada havia
séculos. “As nações se encaminharão à tua luz – tinha dito Isaías – e os reis,
ao brilho de tua aurora” (Is 60, 3). As profecias estavam se cumprindo ao pé da
letra, mas a cegueira de seus corações impediu-os de acolher o anúncio daqueles
forasteiros.
Estes magos
não pertenciam ao povo de Israel. Vinham do Oriente, quer dizer, de fora do
Império romano. Talvez fossem persas, homens dedicados à astronomia e às
ciências. Eram, aparentemente, as pessoas menos indicadas para proclamar a
chegada do Messias. Deus não se havia revelado a eles, como a Israel. Os planos
do Senhor eram, porém, muito maiores do que os escribas podiam imaginar. O novo
povo de Deus já não estaria circunscrito a uma nação, mas ofereceria a salvação
a todos os povos. Não haveria mais nenhuma barreira que separasse os homens.
“Aos filhos do estrangeiro que quiserem aderir ao Senhor para servi-lo – havia
profetizado Isaías – (...) fá-los-ei entrar no meu monte santo, dar-lhes-ei
alegria em minha casa de oração” (Is 56, 6-7).
Ter uma
visão esperançosa do mundo faz descobrir tudo de bom que qualquer sociedade
possui; contemplar com otimismo os valores de uma cultura. “Tudo é vosso! –
Dirá São Paulo – Mas vós sois de Cristo, e Cristo é de Deus” (1 Cor 3, 22-23).
Diante desta realidade “alegramo-nos com as alegrias dos outros, gozamos de
todas as coisas boas que nos rodeiam e nos sentimos interpelados pelos desafios
de nosso tempo”[2]. E o fundamento desta
visão esperançosa é precisamente o Deus que os magos procuram; “mas não
qualquer deus, e sim o Deus que tem um rosto humano e que nos amou até o
extremo, a cada um em particular e à humanidade em seu conjunto”[3].
Somos o que
desejamos
“Herodes,
então, chamou secretamente os magos e perguntou-lhes sobre a época exata em que
o astro lhes tinha aparecido. E, enviando-os a Belém, disse: ‘Ide e
informai-vos bem a respeito do menino. Quando o tiverdes encontrado,
comunicai-me, para que eu também vá adorá-lo’” (Mt 2, 7-8). Embora as intenções
de Herodes não fossem muito retas, suas indicações reacenderam os corações dos
magos: já sabiam como continuar seu caminho.
Eles não se
haviam conformado com a vida confortável que tinham em sua terra, talvez com
renda elevada e um alto prestígio social; eram “buscadores de Deus”[4]. Por isso,
provavelmente ficaram desiludidos quando chegaram a Jerusalém e não soubessem
como prosseguir. Mas assim que descobriram a rota que os levava ao rei voltaram
a sentir uma alegria que lhes dava forças para retomar a viagem.
O desejo
que tinham de adorar àquele que dava sentido às suas vidas era maior do que o
de gozar de segurança. Foi esse impulso interior que os levou a percorrer
centenas de quilômetros e atravessar territórios desconhecidos. “Porque Deus
nos fez assim: repletos de desejos; orientados, como os magos, rumo às
estrelas. Podemos dizer, sem exagero, que somos o que desejamos. Porque são os
desejos que dilatam nosso olhar e impulsionam a vida a ir mais além: além das
barreiras da rotina, além de uma vida embotada no consumo, além de uma fé
repetitiva e cansada, além do medo de arriscar-nos, de comprometer-nos pelos
outros e pelo bem”[5].
Os magos
estavam decididos a encontrar aquele rei custasse o que custasse. Tinham “a
convicção de que nem o deserto, nem as tempestades, nem a tranquilidade dos
oásis”[6] os impediriam de
encontrar a Jesus. “Não queriam apenas saber. Queriam reconhecer a verdade
sobre nós, sobre Deus e o mundo. Sua peregrinação exterior era expressão de seu
estar interiormente a caminho, da peregrinação interior de seus corações”[7]. Por isso, “a aparição
daquela estrela, os encheu de profunda alegria” (Mt 2, 10). Não tinham sido
testemunhas dos portentos do Senhor narrados no Antigo Testamento. Também não
haviam presenciado os milagres que anos mais tarde os contemporâneos de Jesus
presenciariam. A estrela era suficiente para enchê-los de alegria. Amavam o
Deus desconhecido, embora não o tivessem visto. Afinal, era o que desejavam
desde que haviam deixado para trás seu lar.
Um ato de
justiça
“Entrando
na casa, acharam o menino com Maria, sua mãe. Prostrando-se diante dele, o
adoraram” (Mt 2, 11). Aqueles homens sábios ajoelharam-se diante de um
recém-nascido. Lá, no presépio, estava o rei. Já não era preciso procurá-lo
entre as constelações do firmamento: tinham-no à sua frente, perto, feito
criança.
Tudo o que
tinham vivido nas últimas semanas – o entusiasmo ao ver a estrela, o cansaço da
viagem, as dúvidas ao chegar a Jerusalém – adquiria sentido na presença daquele
rei. O desejo de conhecer a Deus, que os fez deixar o lar, levou-os à adoração.
Tiveram a experiência de como Jesus havia realizado os seus anseios mais
profundos. Talvez há muito tempo atrás suas vidas tivessem girado em torno da
satisfação de outras necessidades mais imediatas: o prestígio social, a
riqueza, a comodidade... Descobriram, porém, naquele instante que a única coisa
importante é dar glória a Deus. “Nosso tesouro – dizia São Josemaria – está
aqui, reclinado numa manjedoura: é Cristo, e nele se devem concentrar todos os
nossos amores, porque onde estiver o nosso tesouro, ali estará também o nosso
coração (cfr. Lc 12, 34)”[8].
Os magos,
que já entraram nessa lógica vital que vai além das necessidades primárias,
ofereceram-lhe seus dons: ouro, incenso e mirra. Para Maria e José teria sido
mais útil outro tipo de presente: algo que servisse para combater o frio ou
alimentar o menino. Naquele momento não precisavam com urgência de incenso e
mirra e talvez tampouco o ouro pudesse ajudá-los imediatamente. No entanto,
“aqueles dons têm um significado profundo: constituem um ato de justiça. De
fato, segundo a mentalidade vigente naquele tempo no Oriente, representam o
reconhecimento de uma pessoa como Deus e rei: quer dizer, um ato de submissão.
Querem dizer que a partir daquele momento os doadores pertencem ao soberano e
reconhecem sua autoridade”[9].
Maria
surpreende-se vendo entrar sob seu teto aquela comitiva. Habituada a meditar no
coração o que lhe acontece, talvez lhe venha à mente aquela profecia: “Essa
visão tornar-te-á radiante; teu coração palpitará e se dilatará, porque para ti
afluirão as riquezas do mar, e a ti virão os tesouros das nações. Serás
invadida por uma multidão de camelos, pelos dromedários de Madiã e de Efá;
virão todos de Sabá, trazendo ouro e incenso, e publicando os louvores do
Senhor” (Is 60, 5-6). Ela, que em Belém é apenas uma mulher de Nazaré, aquela
que teve que dar à luz em um estábulo, vê como esses sábios se prostram e
contemplam o seu filho. Sente palpitar seu coração imaculado, vendo, pela
primeira vez, homens pagãos, vindos de longe, adorarem seu filho como Deus verdadeiro.
Um silêncio
intenso preenche o pequeno recinto. Talvez apenas os alegres vagidos da criança
que ela sustenta rompam esse silêncio e façam o coração dos magos se apaixonar
mais profundamente. Não o esperavam, mas a luz da fé abre os seus olhos. Não
têm palavras nem conceitos para explicar que essa criança que olha para eles,
que segura os dedos da mãe, é seu Rei, seu Deus. Mas é isso. E o adoram.
Eles,
buscadores de Deus, habituados a entrevê-lo no céu e na criação, têm agora
diante de si a sabedoria divina, misteriosa, escondida. E a têm como homem. A
Sabedoria olha-os, faz beicinho e lhes sorri. O mais atrevido deles,
inclinando-se, talvez deixe um beijo nas mãos da mãe. E pela primeira vez um
coração reza com estas palavras: Sedes Sapientiae!
[1] Francisco,
Homilia, 6/01/2018.
[2] Do Padre,
19/03/2022, n. 7.
[3] Bento XVI,
Encíclica Spe salvi, n. 31
[4] Bento XVI,
Homilia, 6/01/2013.
[5] Francisco,
Homilia, 6/01/2022.
[6] É Cristo que
passa, n. 32.
[7] Bento XVI,
Homilia, 6/01/2013.
[8] É Cristo que
passa, n. 35.
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