Como vemos os nossos filhos? Reflexões para a Festa da Sagrada Família
Percebe-se atualmente uma crise educativa cada
vez mais intensa. De modo geral, constata-se que o nível médio de educação
diminui drasticamente e que o processo formativo dos jovens enfrenta grandes
dificuldades. As crianças e os adolescentes aprendem cada vez menos; a
autoridade dos professores tende a desaparecer e os jovens, em meio a uma
aparente energia, sentem-se sós e desorientados. E isso numa época de incrível
desenvolvimento da Pedagogia. Nunca houve tantas pessoas que estudam essa
ciência e nunca tivemos tantas teorias pedagógicas como agora. No Brasil a
crise educativa é cada vez mais preocupante, embora tenha eminentes pedagogos.
Um recente estudo comparou a educação em 40 países e mostrou que o Brasil (6ª
Economia do mundo) ficou em 39º lugar na educação, atrás de países como
Singapura (5º), Romênia (32º), Turquia (34º) e Argentina (35º)[1]. Certamente uma das causas da atual crise
educativa no Brasil não é a falta de recursos, mas algo mais profundo: não
sabemos mais como ver e tratar os nossos filhos.
Até a metade do século passado, tínhamos uma
ideia bem clara sobre o que eram os nossos filhos: acima de tudo, eram
considerados um dom de Deus, um presente que nos tinha sido dado para ser
tratado com atenção, carinho e muita responsabilidade. Os filhos eram visto como
um dom divino e a paternidade era considerada uma participação especial no
poder criador de Deus. De modo que os filhos eram tratados com respeito e a
vida era acolhida com alegria e generosidade.
Isso se deve ao fato de que nosso modo de
viver até então era marcado pelos ensinamentos da cultura judaico-cristã.
Seguia-se o exemplo de figuras como a de Ana (Cfr. 1 Sam. 1), uma mulher
estéril que todos os anos ia a um Templo de Israel prestar culto a Deus, e que,
certa vez teve a ousadia de pedir-lhe um filho. Depois que Deus escutara suas
ferventes orações, ela retornou ao Templo para agradecer o dom recebido e para
consagrar a vida daquele novo ser a Deus. Ana era plenamente consciente de que
a vida humana procede e retorna a Deus, para quem nada é impossível.
A partir da “revolução” de 1968 uma nova
cultura surgiu, na qual a visão bíblica foi abandonada. S. Freud, na sua época,
sonhava o dia em que fosse separada a geração dos filhos da estrutura familiar,
algo que a partir de 68 vem se tornando frequente. Desde então, procura-se
incutir nos jovens a idéia de que os filhos são um obstáculo, algo que tolhe a
liberdade, a autonomia e que impede a realização pessoal. Os filhos passam a
ser considerados como uma ameaça e a gravidez como uma espécie de doença, que
deve ser evitada a todo custo. E às pessoas que não são tão jovens, transmite-se a ideia de que os filhos são um “direito”. Desse modo, os filhos
passam a ser considerados ou como uma “ameaça” ou como um “direito”, não mais
como um dom. Daí surgem problemas sérios. Na Inglaterra, por exemplo, esse ano
um dos pedidos mais feitos ao “Papai Noel” pelas crianças foi um pai; outro
pedido comum foi, simplesmente, ter um irmão. O risco atual é que os adultos
passem a considerar os próprios filhos como uma espécie de “mercadoria”, um
sonho de consumo, que deve ser realizado num momento perfeitamente determinado.
Os filhos são cada vez mais frutos de cálculos e não tanto do amor. E isso
deixa feridas graves nas crianças.
Deixar de considerar os filhos como um dom
divino e tê-los simplesmente como o resultado de uma técnica é um passo
importante para a desconfiguração das famílias e para arruinar a educação. De
fato, ocorre com frequência que os pais, paradoxalmente, procuram
“superproteger” os filhos, buscando livrá-los de qualquer perigo e, ao mesmo
tempo, não querem encontrar o tempo para dedicar-se à difícil tarefa educativa
dos mesmos. As crianças são enviadas cada vez mais cedo às escolas e os
professores devem se empenhar em transmitir valores que as crianças deveriam
ter recebido em casa.
E há ainda outro grave perigo: os adultos
procuram ter filhos mais para serem aprovados por eles, do que para transmitir
um amor total, gratuito e comprometido. Sejamos sinceros: muitas vezes, em
nossas famílias ocorre algo perverso: os pais se comportam como crianças,
lamentando-se da infância que tiveram, e os filhos se sentem obrigados a
comportarem-se como adultos[2]. Com essa mudança de papéis ninguém assume o
a própria responsabilidade familiar, e isso se reflete no rendimento dos jovens
nas nossas escolas e Universidades.
Nesse ponto, podemos talvez voltar nosso olhar
ao livro que formou a civilização ocidental. O Evangelho conta-nos somente uma
cena da adolescência de Jesus e do seu “processo educativo”. Quando ele tinha
12 anos, foi levado ao templo por Maria e José para participar na festa da
Páscoa (Cfr. Lc 2). O jovem judeu quando cumpria essa idade iniciava a ser
considerado adulto na fé. Quando aquela família deve retornar a casa, Maria e
José se distraem e Jesus, como verdadeiro adulto, permanece no templo discutindo
com os doutores da Lei. Quando ele é reencontrado, Maria o repreende, mesmo
sabendo que quem estava diante dela não só era um “adulto” na fé, mas o mesmo
Filho de Deus: “Meu filho, que nos fizeste? Teu pai e eu te procurávamos cheios
de aflição”. E Jesus, depois de manifestar a plena consciência da sua
identidade divina (“não sabíeis que devo ocupar-me das coisas do meu Pai?”),
volta à casa com Maria e José e “era-lhes submisso em tudo”. Que
impressionante! Maria e José não fugiram de sua responsabilidade educativa em
relação àquele adolescente que sabiam ser o Filho de Deus; e Jesus, sendo
verdadeiro Deus, volta à casa com sua família, obedecendo-lhes em tudo até os
30 anos. Vemos assim que na família de Nazaré ninguém fugia da própria
responsabilidade, uma vez que eram unidos por um verdadeiro amor, o qual se
demonstra na autoridade, na humildade e no serviço e não no autoritarismo ou na
indiferença.
Parece, portanto, que para se recuperar o
sentido da verdadeira educação, para se enfrentar à grave crise educativa
atual, devemos ajudar as famílias a considerarem a vida como um dom de Deus, a
tratarem os seus filhos com verdadeira diligência, não delegando toda a
responsabilidade educativa a outras pessoas ou instituições. A tarefa é árdua,
mas pode ser realizada, especialmente à luz da fé que por séculos iluminou a
nossa sociedade. Devemos voltar a seguir ao modelo da Sagrada Família mais do
que aos parâmetros contraditórios de uma “revolução” que só trouxe ao mundo a
exaltação do egoísmo, da irresponsabilidade e o consequente aumento do
sofrimento dos mais débeis.
Pe. Anderson Alves, diocese de Petrópolis –
Brasil.
Doutorando em Filosofia na Pontifícia
Università della Santa Croce, em Roma.
Escrito em 30/12/2012, festa da Sagrada
Família.
[1] Notícia no seguinte link: http://g1.globo.com/educacao/noticia/2012/11/ranking-de-qualidade-da-educacao-coloca-brasil-em-penultimo-lugar.html
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