É PRECISO IR MAIS LONGE
Dom Lindomar Rocha Mota
Bispo de São Luís de Montes Belos (GO)
Mateus começou explicando a genealogia de
Jesus, que o ligava à multidão que perpassava a história da salvação, mas ainda
era pouco. Era preciso aprofundar a compreensão, pois Ele não cabia na história
da terra.
João tem uma revelação feliz, e ao exclamar em
poucos versículos, dizendo: “No princípio era o Verbo e o Verbo estava em Deus.
No princípio, ele estava com Deus. Tudo foi feito por meio dele e sem ele nada
foi feito” (Jo 1,1-3), ele empurra essa história ao infinito.
Empurrados para o infinito a razão e a emoção
humanas tentam voltar para onde conhece. Tenta novamente estabelecer limites e
traçar uma linha que se proíbe de passar.
É verdade que o infinito é abissal. A maioria
dos joelhos tremem só de chegar perto do precipício, e o infinito de onde o
Verbo de Deus vem e fala é ainda mais abissal. É descomunal e nem temos uma
palavra adequada para exprimi-lo. De qualquer modo, a opção real é ser mais, e
não menos, na tentativa dessa compreensão.
Paulo lutou sua vida toda para não deixar
regredir à finitude da lei aquilo que o amor havia alargado.
Ao dar várias respostas sobre o que era o amor
e nenhuma resposta sobre a verdade, Jesus a condiciona ao próprio amor, pois a
verdade que não diz respeito ao amparo e ao cuidado do outro é verdade maldita.
A verdade, portanto, não é necessariamente boa, pois sua proclamação não torna
um ato iniquo bom nem justificado. Assim como a lei não basta, a verdade muitas
vezes não basta, principalmente se mantemos a ultrapassada versão filosófica de
verdade construída e menos a de verdade como descoberta.
Verdade construída é aquele forjada nos
limites da razão que se materializa como uma afirmação exata, enquanto a
verdade como descoberta não decide de antemão, mas deixa vir à tona aquilo que
é em sua essência, mas que pode ainda estar velado.
Ao aproximar-se dessa verdade, Jesus ver em
Mateus um Mateus escondido. A verdade construída é que ele era um pecador
odioso; a verdade construída sobre Saulo é que ele era um assassino, mas em
ambos os casos Jesus viu neles o que eles poderiam ser.
Essa verdade, portanto, é um ato de coragem de
deixar ser aquilo que em realidade é. Sem decidir sobre sua bondade. É por isso
também que João dirá mais tarde: “a verdade vos fará livres”. Mas como
pode a verdade nos libertar? Eis uma questão urgente.
O desprendimento diante daquilo que em verdade
é, liberta da tentação de decidir a respeito de tudo e a respeito de tudo impor
o peso do condicionamento. Deixar vir à luz a face oculta do mundo é uma espera
paciente de observadores que testemunham o desvelar de Deus na história, sem se
escandalizar.
A paciência de Gamaliel em At 5,34ss, ao
aconselhar os demais fariseus a não aprisionarem Deus a sua verdade é exemplar,
pois como disse mais tarde, se for de Deus permanecerá, se não for passará.
Gamaliel confecciona a fórmula para se livrar da verdade enferma, que ao ser
decidida antes, não deixa sobressair a própria verdade. Essa é a contradição
entre a verdade de Pilatos e a de Jesus.
A verdade de Jesus liberta porque vai além de
tudo que estava posto e abre um mundo novo. A verdade de Pilatos limitava-se
àquela construída pelo império, a dos fariseus às verdades forjadas em sua
tradição duvidosa, portanto insuficientes.
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