Educar o coração
Os
sentimentos formam-se especialmente durante a infância. Aprende-se a amar desde
pequeno e os principais mestres são os pais, como se salienta neste artigo
sobre a família.
21/08/2012
A educação
é um direito e um dever dos pais que prolonga, de algum modo, a geração;
pode-se dizer que o filho, enquanto pessoa, é o fim primário para o qual tende
o amor dos esposos em Deus. A educação aparece, assim, como a continuação do
amor que trouxe a vida ao filho, onde os pais procuram dar-lhe os recursos para
que possa ser feliz, capaz de assumir o seu lugar no mundo com elegância humana
e sobrenatural.
Os pais
cristãos vêem em cada filho uma mostra da confiança de Deus e educá-los bem é –
como dizia S. Josemaria – o melhor negócio; um negócio que
começa na concepção e dá os seus primeiros passos na educação dos sentimentos,
da afetividade. Se os pais se amam e vêem no filho o cume da sua entrega,
educá-lo-ão no amor e para amar; dito de outro modo: cabe aos pais, em primeiro
lugar, educar a afetividade dos filhos, normalizar os seus afetos, conseguir
que sejam crianças serenas.
Os
sentimentos formam-se de um modo especial durante a infância. Depois, na
adolescência, podem produzir-se as crises afetivas e os pais devem colaborar
para que os filhos as solucionem. Se quando eram pequenos foram criados calmos,
estáveis, superarão com mais facilidade esses momentos difíceis. Além disso, o
equilíbrio emocional favorece o crescimento dos hábitos da inteligência e da
vontade; sem harmonia afetiva, é mais difícil o desenvolvimento do espírito.
Logicamente,
uma condição imprescindível para edificar uma boa base afetivo-sentimental é
que os pais procurem aperfeiçoar a sua própria estabilidade emocional. Como?
Melhorando o convívio familiar, cuidando da sua união, demonstrando – com
prudência – o seu amor mútuo diante dos filhos. No entanto, por vezes tendemos
a pensar que os afetos ou os sentimentos transbordam o âmbito educativo
familiar; talvez porque parece que são algo que acontece, que
escapa ao nosso controle e não podemos alterar. Chega-se, inclusive, a vê-los
numa perspectiva negativa; pois o pecado desordenou as paixões e estas
dificultam o agir racionalmente.
NA ORIGEM
DA PERSONALIDADE
Esta
atitude passiva ou mesmo negativa, presente em muitas religiões e tradições
morais, contrasta fortemente com as palavras que Deus dirigiu ao profeta
Ezequiel: dar-lhes-ei um coração de carne, para que sigam os meus
preceitos, guardem as minhas leis e as cumpram [1]. Ter um coração de
carne, um coração capaz de amar, apresenta-se como uma realidade criada para
seguir a vontade divina: as paixões desordenadas não seriam tanto um fruto
do excesso de coração como a consequência de possuir um mau coração,
que deve ser curado. Cristo assim o confirmou: o homem bom, do bom
tesouro do seu coração retira o bem; o homem mau, do mau tesouro tira o mal:
porque a boca fala da abundância do coração[2]. Do coração do homem saem as
coisas que o fazem impuro[3], mas também todas as coisas boas.
O homem
necessita dos afetos, pois são um poderoso motor para a ação. Cada um tende
para o que lhe agrada e a educação consiste em ajudar a que essas tendências
coincidam com o bem da pessoa. Cabe comportar-se de modo nobre e com paixão; o
que há de mais natural do que o amor de uma mãe pelo seu filho? E como esse
carinho estimula a tantos atos de sacrifício, levados com alegria! E, diante de
uma realidade que, por qualquer motivo, é desagradável, quão mais fácil é
evitá-la! Num determinado momento, aperceber-se da “fealdade” de uma ação má,
pode ser um motivo mais forte para não cometê-la do que milhares de
raciocínios.
Evidentemente, isto não deve confundir-se com uma
visão sentimentalista da moralidade. Não se trata de que a vida ética e o trato
com Deus devam abandonar-se aos sentimentos. Como sempre, o modelo é Cristo:
n’Ele, perfeito Homem, vemos como os afetos e as paixões cooperam no reto agir:
Jesus comove-Se diante da realidade da morte e faz milagres; em Getsêmani,
encontramos a força de uma oração que dá origem a sentimentos vivíssimos;
invade-O inclusive a paixão da ira – boa neste caso – quando restitui ao Templo
a sua dignidade [4]. Quando se deseja algo verdadeiramente, é normal que o
homem se apaixone. Pelo contrário, é pouco agradável ver alguém fazer as coisas
só por fazer, com descaso, sem pôr nelas o coração. Mas isto não significa
deixar-se arrastar pelos afetos; se bem que o mais importante é pôr a cabeça no
que se faz, o sentimento dá cordialidade à razão, faz com que o bom seja
agradável; a razão – por seu lado – proporciona luz, harmonia e unidade aos
sentimentos.
J.M. Martín, J. Verdiá
[1] Ez 11,
19-20.
[2] Lc 6,
45.
[3]
Cfr. Mc 7, 20-23.
[4]
Cfr. Mc 5, 40-43; 14, 32ss; 11, 15-17.
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