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terça-feira, 16 de janeiro de 2024

Fé cristã e compromisso social

Pastoral Social (catedralnsconceicao)

FÉ CRISTÃ E COMPROMISSO SOCIAL

Dom João Santos Cardoso
Arcebispo de Natal (RN) 

Em nossos dias, há quem considere o compromisso social como algo irrelevante para a fé. Muitos pensam que não há nenhuma relação entre a fé cristã e o compromisso social, e que a religião deve se ocupar exclusivamente com a salvação da alma. Contudo, essa postura é ideológica e mutila o coração do Evangelho tanto quanto a que reduz o cristianismo a uma espécie de ONG, como nos recorda o Papa Francisco em sua Exortação Apostólica “Gaudete et Exsultate“. É ideologia reduzir a fé a uma práxis sócio-transformadora e caritativa, tornando secundária a espiritualidade, a união interior com Cristo e a vida da graça (Gaudete et Exsultate, n. 100). Mas também é nocivo e ideológico suspeitar do compromisso social dos outros, rotulando-o como algo superficial, mundano, secularizado, imanentista, comunista ou populista e, consequentemente, relativizar o engajamento dos cristãos com as questões sociais, como se houvesse outros temas mais importantes com os quais a fé deveria se ocupar (Gaudete et Exsultate, n. 101).  

É ideológico reduzir a fé cristã ao engajamento social, assim como o é interessar-se apenas por uma determinada ética ou um conjunto de ideias, propondo um ideal de santidade que desconsidera a injustiça deste mundo (Gaudete et Exsultate, n. 101). Com a mesma firmeza com que devemos defender a vida do inocente nascituro, pois a vida humana é sempre sagrada, independentemente do estágio de seu desenvolvimento, também devemos defender a vida dos pobres que já nasceram e se debatem na miséria, no abandono, na exclusão, na eutanásia velada de doentes e idosos que são privados de cuidados, bem como combater os novos tipos de escravidão e todas as formas de descarte (Gaudete et Exsultate, n. 101). 

Nesse contexto, a temática das políticas públicas, discutida na Campanha da Fraternidade de 2019, representa uma abordagem bem-sucedida para reintroduzir a questão da justiça e equidade social no debate público, colocando a inclusão dos mais vulneráveis no centro das decisões políticas do Estado. 

Ocupar-se das questões sociais, como as políticas públicas, não é alheio à fé cristã, pois a mensagem do Evangelho compromete os cristãos com a prática do direito e da justiça. Numa ótica cristã, as Políticas Públicas podem ser vistas como um meio de responsabilizar o Estado para criar instrumentos e mecanismos a fim de realizar as obras de misericórdia mencionadas no Evangelho de Mateus (25, 34-46).  

As políticas públicas, fundamentadas nos valores de direito e justiça, estão intrinsecamente ligadas às preocupações dos profetas do Antigo Testamento em relação ao pobre, órfão, viúva e estrangeiro, considerados os mais vulneráveis em Israel. Esses profetas denunciam a religião que negligencia a justiça, considerando seu culto como idolatria, além de condenar a exploração dos pobres e a corrupção nos tribunais. Eles associam a palavra “Direito” à “Justiça” como a base moral que obriga a socorrer os mais necessitados (Am 5, 21-24; Is 1, 13-17; 10, 1-2; Jr 22,3). A justiça, portanto, impõe ao Estado a obrigação moral de cuidar dos vulneráveis na sociedade. 

Na Bíblia, a palavra “justiça” vai além do significado de dar a cada um o que é seu, ultrapassando a ideia de meritocracia. Os profetas e Jesus entendem a justiça não apenas como a obrigação de dar a cada um o que merece, mas também de suprir as necessidades daqueles que não possuem ou não merecem, superando a meritocracia e abrangendo a necessidade do outro (Is 10, 1-2; Jr 22,3; Mt 20, 1-16).

Os profetas, ao combater a idolatria e advogar por um culto comprometido com a justiça social (Is 10, 10-17), estabelecem uma ligação entre as questões sociais e religiosas. Nos Evangelhos, Jesus anuncia o Reino de Deus, mostrando misericórdia pelos despossuídos, famintos, injustiçados, pobres, doentes e pecadores. Os direitos fundamentais, como trabalho, alimentação, moradia, saúde, educação, liberdade e acolhimento ao estrangeiro, devem ser assegurados a todos. Apesar do engajamento em políticas públicas para promover a justiça social, o compromisso cristão também exige a prática pessoal das obras de misericórdia no cuidado ao próximo. Jesus nos adverte, conforme Mateus 25, 34-46, que seremos julgados pela nossa postura em relação aos desvalidos. Entretanto, além das obras de misericórdias corporais, jamais devemos omitir as espirituais.


Fonte: https://www.cnbb.org.br/

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF