RANZ KAFKA, O PROFETA DA DESUMANIZAÇÃO BUROCRÁTICA
Dom Roberto Francisco Ferreria Paz
Bispo de Campos (RJ)
Comemoramos neste ano o centenário da morte do
escritor Franz Kafka, falecido em Praga afetado gravemente por tuberculose no
dia 03 de junho de 1924. Foi um dos maiores literatos de língua alemã do século
XX, e quem melhor retratou o perigo da burocratização do Estado para as pessoas
e a própria cidadania.
Em suas obras o Processo e o Castelo, seus
protagonistas foram denominados com a letra “K” para denotar a
despersonalização e a alienação de processos administrativos que se tornavam
verdadeiros labirintos sem saída, passando de instâncias e protocolos numa
sucessão ad infinitum, que no caso do processo termina
laconicamente na morte “como um cão”.
Foi formado em advocacia em 1906, trabalhando
primeiramente numa companhia privada de seguros, mais tarde será contratado por
uma semi estatal o Instituto de Seguros contra Acidentes de Trabalho, sendo
durante o dia um burocrata e de noite um escritor. Já seja nas observações
feitas pela forma que o seu Pai tratava na sua empresa têxtil os empregados e
pelos acidentes de trabalho que ele confrontava cotidianamente, vão torná-lo
profundamente compassivo e sensível a exploração dos trabalhadores, realidade
que ele dará visibilidade no seu livro América.
Seus textos considerados por muitos duros e
cruéis e até distópicos acenam já para a obra de George Orwell, que tanto em
1984 como na revolta dos animais, escancaram o risco de uma sociedade de
controle total, sem possibilidades de saída ou liberdade.
Mas a diferença de Orwell vê-se em Kafka uma
fresta de autonomia e determinação de ir até o fim. Também antecipa o
Holocausto dos seus irmãos judeus, no livro a Colônia Penal, que possui grandes
semelhanças com os futuros campos de extermínio nazistas inclusive nas
máximas “educativas” : Ilumina-se o mais embrutecido, frase da Colônia, próxima
da famosa frase de Auschwitz :
O trabalho liberta. Fica para nós um olhar e um legado de tratar de democratizar o Estado, pois como se diziam os críticos deste fenômeno: mais burocracia menos democracia. Percebemos que aquilo que o Papa Francisco apontou na mensagem do Dia Mundial da Paz 2024, sobre Paz e Inteligência Artificial, trás desafios muito sérios a respeito dos direitos da cidadania, da autonomia do povo, no controle e humanização dos serviços públicos e estatais. Cabe finalmente aplicar este alerta kafkiano aos relacionamentos eclesiais, muitas vezes pouco sinodais, limitando-se a cumprir regras frias sem tomar em conta a realidade das pessoas.
Por uma política melhor, um serviço público autenticamente servidor e focalizado sempre na atenção as pessoas e na sua dignidade e comunidades sinodais e participativas. Deus seja louvado!
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