REFLEXÕES SOBRE O SENTIDO DA VIDA
Dom João Santos Cardoso
Arcebispo de Natal (RN)
No contexto atual, a questão do sentido da
vida adquire uma relevância particular, especialmente considerando os avanços
científicos e tecnológicos que aprofundaram ainda mais os dilemas existenciais.
Ao nos depararmos com essa indagação, encontramo-nos diante de um problema
filosófico que tem suscitado perplexidade desde os primórdios da filosofia.
Antigas e fundamentais questões sobre nossa identidade, origem, propósito e
destino ressurgem e se ampliam. A vida possui uma finalidade ou tudo ocorre ao
acaso? A vida tem um desfecho significativo? Existe algo que poderíamos chamar
de “sentido da vida”? E, se existir, temos a capacidade de descobri-lo?
Esses dilemas filosóficos não são elucidados
pela ciência. Seu método, baseado na observação empírica e quantificação, não é
eficaz para abordar tais questões. Descobertas científicas, por mais avançadas
que sejam, oferecem contribuições limitadas para a compreensão do sentido da
vida. Abordagens como a de Richard Dawkins, que consideram o ser humano como
resultado de genes egoístas, são inteiramente limitadas e sequer tocam na
complexidade do mistério do ser humano. Tampouco se resolve a questão eliminando-a
como um falso problema. A vida humana transcende a biologia, as composições
químicas e as redes neurais! Ao enfrentarmos o dilema do sentido da vida,
transcendemos o domínio da ciência e dos fatos observáveis experimentalmente.
Wittgenstein nos lembra que o mais importante para a vida está além desse
domínio: “Sentimos que, mesmo que todas as questões científicas possíveis
tenham obtido resposta, nossos problemas de vida não terão sido sequer tocados”
(Tractatus Logico-Philosophicus, 6.52).
Ao questionarmos o sentido da vida, entramos
na esfera ética, estética e religiosa. Essa questão não pertence à ciência, mas
sim à filosofia. No entanto, isso não significa que os filósofos possam
oferecer uma teoria para a resolução do problema. Pelo contrário! As soluções
dadas alargam ainda mais o dilema. A resposta à busca pelo sentido da vida
encontra-se mais propriamente na esfera do místico. A religião, ao favorecer a
experiência do mistério, responde a essa questão com mais acerto.
A ética desempenha importante papel ao
abordarmos a questão do sentido da vida. Desde os primórdios da filosofia,
Sócrates já havia indicado a importância da ética para uma vida boa e feliz,
elegendo a virtude como o caminho da realização pessoal, pois é dela que deriva
o bem-estar, bem como o modo sábio de lidar com os desafios do cotidiano. A
pessoa ética encontra a felicidade na virtude e no modo de lidar com os fatos,
harmonizando-se com eles, buscando o sentido de cada coisa antes de querer
controlar os acontecimentos e submetê-los à própria vontade. A felicidade da
pessoa ética contrasta com a infelicidade da pessoa que vive à mercê dos
desejos e, numa luta inglória, tenta subordinar o mundo à própria vontade. A
solução para viver de maneira feliz envolve tornar-se independente do mundo,
renunciar ao desejo de influenciar os eventos e harmonizar-se com a
realidade.
A dimensão estética da vida ajuda a responder
à questão do seu sentido. “A vida é séria, alegre é a arte!” (Wittgenstein).
Assim como a ética, a estética molda nossa percepção do mundo, pois “a obra de
arte é o objeto visto sub specie aeternitatis; e a vida boa é o
mundo visto sub specie aeternitatis. Este é o nexo entre arte e
ética” (Wittgenstein). O sentido da vida, como uma solução para ir além dos
limites dos fatos, é alcançado quando se contempla o mundo como totalidade.
Essa visão permite um sentimento religioso do mundo e, semelhantemente aos
místicos, começa a se viver de forma plena, cessando a tagarelice. “Sobre
aquilo de que não se pode falar, deve-se calar” (Wittgenstein; Tractatus
7).
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