[© Paolo Galosi]
Arquivo 30Dias – 05/2012
Um rosário para o mundo inteiro
Entrevista com o Cardeal Fernando Filoni por Gianni
Valente
Como chegou ao serviço diplomático da Santa Sé?
Quando o meu bispo me pediu para regressar à
diocese – estava desaparecido há oito anos – o cardeal vigário Ugo Poletti, com
o seu jeito simpático e cativante, disse-me: «A tua diocese já tem muitos
sacerdotes! Da Secretaria de Estado perguntam-me se há
disponibilidade...”. Pode parecer um acidente. Mas para mim também
passou por lá o fio vermelho que Deus traça na vida de cada um de nós.
Após um período no Sri Lanka, você foi enviado ao
Irã. Como era aquele país naqueles anos?
Foi o período muito difícil da guerra entre o Irão
e o Iraque. Os bombardeios chegaram até Teerã. Foi uma guerra muito
sangrenta, com centenas de milhares de mortes. A Santa Sé tinha ali uma
missão antiga, uma vez que uma representação do Papa Urbano VIII se
estabelecera em Isfahan em 1629 a pedido do Xá Abbas, o Grande, arquiteto de um
renascimento cultural e político persa. Uma presença que sempre se manteve
com fortunas diversas, até ao estabelecimento de plenas relações diplomáticas
entre o Irão e a Santa Sé, ocorrido em 1953. Ali pude partilhar a vida da
comunidade cristã local, composta por arménios católicos e ortodoxos. ,
católicos latinos e caldeus. A vida nem sempre foi fácil para
eles. Mas éramos muito respeitados. Houve o caso dos funcionários
feitos reféns na embaixada dos EUA. Mas mesmo esse caso criou respeito
pela nunciatura, que abordou a difícil questão do ponto de vista humanitário,
sem intervir no terreno político. E isso foi apreciado.
Depois de outras escalas diplomáticas (Secretaria
de Estado, Brasil), o senhor foi enviado a Hong Kong, ponto de observação
privilegiado da China Popular. Naquela época, ainda era difundida a ideia
de que grande parte do catolicismo chinês, sob pressão das autoridades civis,
seria levada a criar uma Igreja nacional independente. Qual foi sua
experiência nesse sentido?
Quando eu era seminarista, fiquei impressionado com os testemunhos de fidelidade ao Evangelho que vinham da China. Tinha lido as memórias de Gaetano Pollio, o arcebispo de Kaifeng que foi preso e expulso nos primeiros anos do regime maoista, tornando-se mais tarde arcebispo de Otranto e depois de Salerno. Fiquei admirado pela forma como, no sofrimento, ele serviu a Igreja e amou o povo chinês. Esses acontecimentos voltaram à minha mente depois que consegui o emprego em Hong Kong. Estes foram os anos da abertura desejada por Deng Xiaoping. Agora vemos quão clarividente era a visão de Deng. A Santa Sé queria que a sua posição internacional não fosse identificada com Taiwan, onde existe uma sede diplomática do Vaticano. Assim, foi aberta uma “Missão de Estudo” em Hong Kong, que deveria lidar com a China Popular, bem como com a então colónia britânica e Macau. Foi a época em que a Igreja na China também estava sendo reorganizada. A Santa Sé queria entender como a situação estava evoluindo. E expressar a proximidade aos católicos chineses que manifestaram o seu grande desejo de viver a sua fé em comunhão com o Bispo de Roma. Um vínculo de comunhão que os bispos chineses continuaram a confessar mesmo durante as perseguições.
Como você via as divisões existentes na Igreja
chinesa entre os chamados “funcionários” e os “clandeses”?
A divisão não foi resultado de dinâmicas eclesiais,
mas de circunstâncias históricas e políticas. Foi uma situação de sofrimento
e provação. E era necessário ajudar a Igreja na China, tanto a chamada
área “ subterrânea ” como a área incorretamente chamada
“patriótica”, a olhar para a situação numa perspectiva futura. Para me
fazer entender, naquela altura, disse que a situação do catolicismo chinês era
comparável a uma nascente cuja água, num determinado ponto do seu fluxo, foi
impedida, dividida e encontrou duas maneiras de fluir. Alguns procuravam
uma maneira de continuar fluindo ao ar livre. O outro encontrou uma maneira
de fluir abaixo da superfície da terra. As duas correntes, nascidas da
mesma fonte, estavam contudo destinadas a encontrar-se na unidade do
mar. E o mar – dizia então – é o coração de Deus: as duas comunidades
eclesiais, se tivessem permanecido na fé dos apóstolos, um dia teriam se
encontrado unidas em Cristo. É claro que, desde que as duas correntes se
separaram, houve muitas complicações. Mas acredito que mais cedo ou mais
tarde se chegará a uma solução.
Depois, como núncio, o senhor teve uma experiência
crucial no Iraque. Onde permaneceu mesmo sob as bombas.
Encontrei-me lá, no período terminal do regime de
Saddam Hussein, enquanto as sanções impostas pela ONU para subjugar o regime
tiveram um impacto incrível. A voz da Igreja foi profética. Repetimos
em todo o lado apenas o que vimos: que na realidade as sanções afetaram o povo,
e não o regime.
Entrevista com o Cardeal Fernando Filoni por Gianni
Valente
Como releia as intervenções militares no Iraque e o
que se seguiu hoje para aquela região do mundo e sobretudo para as suas
comunidades cristãs?
A guerra estava errada em si. Não podemos
pensar em trazer a democracia através da guerra. Naquela época havia
condições para uma negociação. Saddam também me disse que este era o seu
pedido. Mas, como qualquer líder, especialmente no mundo árabe, se
quisermos negociar com ele não devemos humilhá-lo. Houve uma falta de
compreensão da situação. Sob o regime, os cristãos sofreram injustiças,
como toda a sociedade. Mas o regime, para manter a paz interna, pelo menos
protegeu a liberdade de culto. A guerra não foi justificada do ponto de
vista político e de justiça internacional. Porque o Iraque não interveio
nos ataques de 11 de Setembro. E a questão das armas de destruição maciça
foi um pretexto. Um mês antes do início dos bombardeamentos, Saddam obteve
a aprovação da assembleia de chefes tribais da lei com a qual o Iraque se
comprometeu a não se equipar com armas de destruição maciça. Todos
dissemos que era importante que isso acontecesse, que era um sinal da sua
vontade de colaborar. Mas não adiantou. Evidentemente a guerra já
havia sido decidida. E mesmo então era claro que o caos viria a seguir, e
a guerra desestabilizou não só a pequena comunidade cristã, mas todos os
aspectos da vida no país, resultando em dezenas de milhares de
mortes. Isto é o que ainda temos diante dos nossos olhos.
Depois de um breve período nas Filipinas, o senhor
foi chamado a Roma como substituto na Secretaria de Estado. Como eram os
ritmos e métodos de trabalho?
O deputado é um dos primeiros colaboradores do
Papa, reportando-se diretamente a ele e ao Secretário de Estado. Para mim
foi um período muito bonito, sobretudo porque me deu a oportunidade de conhecer
de perto Bento XVI e de ter contatos muito frequentes com ele, que é pai,
professor e extremamente querido. São aquelas riquezas e esses dons de
graça que aqueles que receberam sempre levam consigo. E por isso só
podemos agradecer a Deus. Os ritmos e métodos, mesmo que exigentes, faziam
parte do ofício.
Agora o senhor é prefeito da Congregação para a
Evangelização dos Povos. Quais são os critérios que o orientam na tarefa
que lhe é atribuída?
A Congregação de Propaganda Fide está cheia de história. Quem aqui trabalha deve sentir o grande legado deste dicastério que foi e continua a ser tão importante para ajudar a vida das Igrejas em todo o mundo. A sua principal razão de ser é o anúncio do Evangelho em todos os lugares. E dado que a Igreja está agora também enraizada em muitos dos que outrora foram territórios de missão, a Propaganda Fide continua a oferecer o seu serviço aos bispos, sacerdotes, religiosos e leigos dessas Igrejas particulares. Contribui deste modo para exprimir a “preocupação do Papa por todas as Igrejas”: uma fórmula evocativa, que sempre me impressiona. Com o tempo, mesmo as Igrejas mais jovens adquirem uma consistência própria em termos de seminários, sedes, escolas, universidades, cuidados de saúde nas cidades e aldeias. O anúncio do Evangelho exprime-se também na satisfação das necessidades das populações. Vejo uma sabedoria antiga na escolha de ter confiado à Propaganda Fide o serviço e o cuidado em favor das novas Igrejas, não só no que diz respeito aos aspectos estritamente eclesiais, mas também no apoio às obras materiais graças às Obras Missionárias Pontifícias, a rede nascida da intuição Jaricot, a venerável mulher que morreu na pobreza nas ruas de Lyon há apenas cento e cinquenta anos.
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