A AMIZADE NO MAGISTÉRIO DA IGREJA
Dom Antonio de Assis Ribeiro
Bispo Auxiliar de Belém (PA)
A AMIZADE NO MAGISTÉRIO DA IGREJA (Parte 3)
O tema da Campanha da Fraternidade deste ano
2024, nos propõe o exercício da reflexão e vivência da Amizade Social e também
nos convida a aprofundar o sentido da amizade em si e a sensibilidade da Igreja
para com essa experiência humana tão significativa. Na verdade, por se tratar
de um nobre valor humano, a Igreja sempre insistiu na promoção da Amizade em
todos os contextos.
Na encíclica Rerum Novarum do
Papa Leão XIII (1891), o sumo pontífice estimulou um justo tratamento das
relações trabalhistas entre patrões e operários e afirmou que a Igreja,
instruída e dirigida por Jesus Cristo, eleva o seu olhar para o alto e, por
isso, ambiciona estreitar a união das duas classes até uni-las por laços de
verdadeira amizade. A caridade promove a diminuição do abismo causado pelo
orgulho e contribui para a amizade que une as classes (cf. RN, 11.14).
O Papa Pio XI (1931) na Encíclica Quadragesimo
Anno, sobre a restauração e aperfeiçoamento da ordem Social, afirma que a
Igreja inspirada no Evangelho deseja suavizar as relações, tirando-lhes as
asperezas (cf. QA,1). A restauração da ordem Social pressupõe a harmonia entre
as profissões e relações de vizinhança entre muitos sujeitos (cf.
QA,5).
Na Encíclica Pacem in Terris do
Papa João XXIII (1963), sobre a promoção da Paz e da justiça para todos os
povos, o sumo pontífice afirma a necessidade do respeito à dignidade humana
como princípio fundamental para a convivência humana bem constituída e
eficiente. “E se contemplarmos a dignidade da pessoa humana à luz das verdades
reveladas, não poderemos deixar de tê-la em estima incomparavelmente maior.
Trata-se, com efeito, de pessoas remidas pelo Sangue de Cristo, as quais com a
graça se tornaram filhas e amigas de Deus, herdeiras da glória eterna”
(PT,10).
Na carta Encíclica Dominum et
Vivificantem (1986), sobre o Espírito Santo na vida da Igreja e do mundo, João Paulo II nos apresenta-o como o Amor, eterno Dom incriado que nos chama à amizade, na qual as
transcendentes profundezas de Deus, são abertas, de algum modo, à participação
por parte do homem. O Deus invisível na riqueza do seu amor, fala aos homens
como a amigos (cf. DetV, 34). O Espírito Santo é a fonte da autêntica e
verdadeira Amizade.
Em 1987 na Encíclica Sollicitudo Rei
Socialis, João Paulo II lamenta a constatação de ver o mundo dividido
em blocos onde cada um corre atrás dos seus interesses, sendo um deles a
corrida armamentista que impede o desenvolvimento do “impulso de cooperação
solidária de todos para o bem comum do gênero humano” que deveria promover um
diálogo profícuo e de uma verdadeira colaboração para a paz (cf. SRS,
122).
Na Encíclica Evangelium Vitae,
João Paulo II (1995), reflete sobre a importância do Amor à vida, que é a
dimensão bioética da amizade. O Papa afirma: “em profunda comunhão com cada
irmão e irmã na fé e animado por sincera amizade para com todos, quero meditar
de novo e anunciar o Evangelho da vida…” (EV, 6). O Evangelho da Vida gera
relações de amizade e convoca todos os membros da Igreja para que cresçam na
justiça e a solidariedade e se afirme uma nova cultura da vida humana. O
materialismo gera um grande empobrecimento das relações interpessoais, e
conclui: “o critério próprio da dignidade pessoal — isto é, o do respeito, do
altruísmo e do serviço — é substituído pelo critério da eficiência, do
funcional e da utilidade: o outro é apreciado não por aquilo que «é», mas por
aquilo que «tem, faz e rende” (EV, 23). A formação da consciência ajuda o homem
a crescer no respeito à vida formando-o para as justas relações interpessoais
(cf. EV, 97).
A amizade é um importante elemento no relacionamento matrimonial; mas o casal deve estar atento com as falsas e prejudiciais amizades com terceiros que pode ameaçar o vínculo matrimonial (cf. Pio XI. Casti Connubii, 1930, N. 26). Na Encíclica Familiaris Consortio (1981), a experiência da Amizade pessoal está na base que sustenta as relações conjugais (cf. FC,25).
São João Paulo II, na Pastores Dabo Vobis (1992), fala da necessidade da educação para o amor responsável e a maturidade afetiva como condições fundamentais para a vivência do celibato pois capacitam a pessoa para ser capaz de relações humanas, serena amizade e de profunda fraternidade. O diretor espiritual deve ajudar o seminarista para que chegue a uma decisão madura, livre, fundamentada na estima da amizade sacerdotal e da autodisciplina (cf. PDV, 50). Os candidatos ao sacerdócio devem ser ajudados através de uma “adequada educação para a verdadeira amizade, à imagem dos vínculos de fraterno afeto que o próprio Cristo viveu na sua existência (cf. PDV, 60). “O ambiente do Seminário Maior deve tender a tornar-se uma comunidade impregnada de uma profunda amizade e caridade de modo a poder ser considerada uma verdadeira família, que vive na alegria” (PDV, 60).
João Paulo II, na Exortação Apostólica pós-sinodal Vita Consecrata (1996), sobre a vida consagrada e a sua missão na Igreja e no mundo, recorda aos consagrados que amizade espiritual ligou na terra diversos fundadores e fundadoras (cf. VC, 52). Falando da abertura dos institutos afirma que são chamados à experiência do conhecimento mútuo, o respeito e a caridade recíproca; ainda podem cultivar oportunas formas de diálogo, caracterizadas por amizade cordial, recíproca sinceridade e até com os ambientes monásticos de outras religiões (cf. VC, 102).
Na Encíclica Fides et Ratio (1998) de João Paulo II sobre
as relações entre fé e razão, fala que a razão nas suas buscas tem
necessidade de ser apoiada por um diálogo confiante e uma amizade sincera, pois
“a amizade é um dos contextos mais adequados para o reto filosofar”. “O ser
humano está sempre em busca da verdade e busca duma pessoa em quem poder
confiar” (FR, 33); citando Santo Tomás de Aquino afirma que fé e razão
estão unidas com laços de amizade recíproca que conserva os direitos próprios
de cada uma e salvaguarda a sua dignidade (cf. FR, 57).
Na carta Encíclica Deus Caritas Est (2005), o Papa Bento XVI nos recorda que no começo da vida cristã está a experiência de um encontro de Amor: «Ao início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo» (DCE, 1).
O Papa Bento XVI, na Carta encíclica Caritas in Veritate (2009), afirma que “a doutrina social da Igreja considera possível viver relações autenticamente humanas de amizade e camaradagem, de solidariedade e reciprocidade, mesmo no âmbito da atividade econômica e não apenas fora dela ou “depois” dela” (CV,36). De fato, a atividade econômica não é eticamente neutra e nem de natureza antissocial (cf. CV,36). O mesmo documento, fala da amizade cívica e sua dimensão ecológica. “Toda lesão da solidariedade e da amizade cívica provoca danos ambientais, assim como a degradação ambiental por sua vez gera insatisfação nas relações sociais” (CV,51). “A paz dos povos e entre os povos permitiria também uma maior preservação da natureza” (CV, 51). (No próximo texto refletiremos sobre a amizade no magistério do Papa Francisco).
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