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quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024

A Criação - Parte 2

A Criação (Opus Dei)

A Criação

A doutrina da Criação constitui a primeira resposta às indagações fundamentais sobre nossa origem e nosso fim.

06/01/2015

1.2. “O mundo foi criado para a glória de Deus” (Concílio Vaticano I)

Deus criou tudo “não para aumentar sua glória, mas para manifestá-la e comunicá-la” (São Boaventura, Sent., 2,1,2,2,1). O Concílio Vaticano I (1870) ensina que “por sua bondade e pela sua virtude onipotente, não para aumentar a sua felicidade nem para adquirir sua perfeição, mas para a manifestar essa perfeição por meio dos bens que prodigaliza às criaturas, Deus, com vontade plenamente livre, criou simultaneamente no início do tempo ambas as criaturas do nada: a espiritual e a corporal” (DS 3002; cf. Catecismo, 293).

“A glória de Deus consiste em que se realize esta manifesta e esta comunicação de sua bondade em vista das quais o mundo foi criado. Fazer de nós "filhos adotivos por Jesus Cristo: conforme o beneplácito de sua vontade para louvor à glória da sua graça" (Ef 1,5-6): "Pois a glória de Deus é o homem vivo, e a vida do homem é a visão de Deus" (Santo Irineu, Adversus haereses, 4,20,7)” (Catecismo, 294).

Longe de uma dialética de princípios contrapostos (como ocorre no dualismo de tipo maniqueísta, como também no idealismo monista hegeliano), afirmar a glória de Deus como fim da criação não comporta uma negação do homem, mas uma condição indispensável para a sua realização. O otimismo cristão tem as suas raízes na exaltação conjunta de Deus e do homem: “somente se Deus é grande, o homem também é grande”[8]. Trata-se de um otimismo e uma lógica que afirmam a absoluta prioridade do bem, mas que não são, por isso, cegos ante a presença do mal no mundo e na história.

1.3. Conservação e providência. O mal

A criação não se reduz aos começos; uma vez realizada a criação, “Com a criação, Deus não abandona sua criatura a ela mesma. Não somente lhe dá o ser e a existência, mas também a sustenta a todo instante no ser, dá-lhe o dom de agir e a conduz a seu termo” (Catecismo, 301). A Sagrada Escritura compara esta atuação de Deus na história com a ação criadora (cf. Is 44,24; 45,8;51,13). A literatura sapiencial explicita a ação de Deus que mantém suas criaturas na existência. “Como poderia subsistir qualquer coisa, se não o tivésseis querido, e conservar a existência, se por vós não tivesse sido chamada?” (Sab 11,25). São Paulo vai mais longe e atribui esta ação conservadora a Cristo: “Ele existe antes de todas as coisas, e todas as coisas subsistem nele” (Cl 1,17).

O Deus dos cristãos não é um relojoeiro ou arquiteto que, após ter realizado sua obra, se desentende dela. Estas imagens são próprias de uma concepção deísta, segundo a qual Deus não se imiscui nos assuntos deste mundo. Mas isto supõe uma distorção do autêntico Deus criador, pois separa drasticamente a criação da conservação e governo divino do mundo[9].

A noção de conservação “faz o papel de ponte” entre a ação criadora e o governo divino do mundo (providência). Deus não só cria o mundo e o mantém na existência, mas, além disso, “conduz as suas criaturas para a perfeição última, à qual Ele mesmo as chamou” (Compêndio, 55). A Sagrada Escritura apresenta a soberania absoluta de Deus e testemunha constantemente o seu cuidado paterno, tanto nas coisas pequenas como nos grandes acontecimentos da história (cf. Catecismo, 303). Neste contexto, Jesus se revela como a providência “encarnada” de Deus, que atende, como Bom Pastor, as necessidades materiais e espirituais dos homens (Jo 10,11.14-15; Mt 14, 13-14, etc.) e nos ensina a abandonar-nos aos seus cuidados (Mt 6,31-33).

Se Deus cria, sustenta e dirige tudo com bondade, de onde provem o mal? “Para esta pergunta tão premente quão inevitável, tão dolorosa quanto misteriosa, não há uma resposta rápida. É o conjunto da fé cristã que constitui a resposta a esta pergunta (...). Não há nenhum elemento da mensagem cristã que não seja, por uma parte, uma resposta à questão do mal” (Catecismo, 309).

A criação não está terminada desde o princípio, mas Deus a fez in statu viae, isto é, em direção a uma meta última por alcançar. Para a realização dos seus desígnios, Deus se serve do concurso das criaturas, e concede aos homens uma participação da sua providência, respeitando sua liberdade, ainda quando atuem mal (cf. Catecismo, 302, 307, 311). Aquilo que realmente surpreende é que Deus “em sua onipotente providência pode tirar um bem das consequências de um mal” (Catecismo, 312). É uma misteriosa e grandíssima verdade que “todas as coisas concorrem para o bem daqueles que amam a Deus” (Rm 8,28)[10].

A experiência do mal parece mostrar uma tensão entre a onipotência e a bondade divinas em sua atuação na história. Aquela recebe resposta, certamente misteriosa, no evento da Cruz de Cristo, que revela o “modo de ser” de Deus, e é, portanto, fonte de sabedoria para o homem (sapientia crucis).

1.4. Criação e salvação

A criação é “o primeiro passo para a Aliança do Deus único com seu povo” (Compêndio, 51). Na Bíblia, a criação está aberta à atuação salvífica de Deus na história, que tem a sua plenitude no mistério pascal de Cristo, e que alcançará sua perfeição final no fim dos tempos. A criação foi feita com vistas ao sábado, o sétimo dia, em que o Senhor descansou, dia em que culmina a primeira criação e que se abre ao oitavo dia em que começa uma obra ainda mais maravilhosa: a Redenção, a nova criação em Cristo (2 Cor 5,7; cfr Catecismo, 345-349).

Assim, fica patente a continuidade e unidade do desígnio divino de criação e redenção. Entre ambos, não há qualquer hiato, mas um vínculo, pois o pecado dos homens não corrompeu totalmente a obra divina. A relação entre ambas – criação e salvação – pode expressar-se dizendo que, de um lado, a criação é o primeiro evento salvífico; e por outro lado, que a salvação redentora possui as características de uma nova criação. Esta relação ilumina importantes aspectos da fé cristã, como a ordenação da natureza à graça, ou a existência de um único fim sobrenatural do homem.

Santiago Sanz

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Bibliografia básica

Catecismo da Igreja Católica, 279-374.

Compêndio do Catecismo da Igreja Católica, 51-72.

DH, nn. 125, 150, 800, 806, 1333, 3000-3007, 3021-3026, 4319, 4336, 4341.

Concílio Vaticano II, Gaudium et spes, 10-18, 19-21, 36-39.

João Paulo II, Creo en Dios Padre. Catequesis sobre el Credo (I), Palabra, Madri 1996, 181-218.

Leituras recomendadas

Santo Agostinho, Confissões, livro XII.

São Tomás de Aquino, Summa Theologiae, I, qq. 44-46.

São Josemaria, Homilia “Amar o mundo apaixonadamente”, em Entrevistas com Mons. Josemaria Escrivá, 113-123.

Joseph Ratzinger, Creación y pecado, Eunsa, Pamplona 1992.

João Paulo II, Memoria e identidade, Ed. Objetiva, 2005.

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[8] Bento XVI, Homilia, 15-08-2005.

[9] O deísmo implica em um erro na noção metafísica de criação, pois esta, enquanto doação do ser, leva consigo dependência ontológica por parte da criatura, que não é separável de sua continuação no tempo. Ambas constituem um mesmo ato, ainda que possamos distingui-las conceitualmente: “a conservação das coisas por Deus não se dá por uma ação nova, mas pela continuação da ação que dá o ser, que é certamente uma ação sem movimento e sem tempo” (São Tomás, Summa Theologiae, I, q. 104, a. 1. ad 3).

[10] Em continuidade com a experiência de tantos santos da história da Igreja, esta expressão paulina se encontrava frequentemente nos lábios de São Josemaria, que vivia e animava assim a viver em uma gozosa aceitação da vontade divina (cf. São Josemaria, Sulco, 127; Via Sacra, IX, 4; Amigos de Deus, 119). Por outro lado, o último livro de João Paulo II, Memória e Identidade, constitui uma profunda reflexão sobre a atuação da providencia divina na história dos homens, segundo aquela outra asserção de São Paulo: “Não te deixes vencer pelo mal; antes, vence o mal com o bem” Rm 12, 21).

Fonte: https://opusdei.org/pt-br

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF