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domingo, 18 de fevereiro de 2024

A Misericórdia na Sagrada Escritura - Parte 1

A Sagrada Escritura (Opus Dei)

 A Misericórdia na Sagrada Escritura

Neste editorial da série sobre a misericórdia, analisam-se as Escrituras, Palavra de Deus, onde a misericórdia de Deus é revelada.

22/08/2016

Dentre os diálogos de Deus com Moisés, recolhidos no livro do Êxodo, há uma cena rodeada de mistério, em que ele pede ao Senhor que lhe mostre seu rosto. “Me verás por detrás”, responde, “quanto à minha face, ela não pode ser vista”[1]. Quando chega a plenitude dos tempos, Filipe faz esse mesmo pedido a Jesus, em uma dessas conversas cheias de confiança que os apóstolos mantinham com o Mestre: “Senhor, mostra-nos o Pai”[2]. E a resposta do Deus encarnado não se faz esperar: “Aquele que me viu, viu também o Pai”[3].

QUANDO MEDITAMOS OS EVANGELHOS É POSSÍVEL DESCOBRIR AS CARACTERÍSTICAS DE DEUS – ENTRE ELAS, E DE MODO EMINENTE, A SUA MISERICÓRDIA – PLASMADAS NA SIMPLICIDADE DAS PALAVRAS E DA VIDA DE JESUS.

Jesus Cristo nos revela o Pai: quando meditamos os evangelhos é possível descobrir as características de Deus – entre elas, e de modo eminente, a sua misericórdia – plasmadas na simplicidade das palavras e da vida de Jesus.

A misericórdia divina, que Deus foi mostrando ao longo da história do povo eleito, resplandece no Verbo encarnado. N’Ele, “rosto da misericórdia do Pai”,[4] realiza-se plenamente aquela oração terna que o Senhor tinha ensinado a Moisés, para que os sacerdotes abençoassem os filhos de Israel: “O Senhor te abençoe e te guarde! O Senhor te mostre a sua face e conceda-te sua graça! O Senhor volva o seu rosto para ti e te dê a paz!”[5]. Em Jesus, Deus faz brilhar definitivamente seu rosto sobre nós, concede-nos a paz que o mundo não pode dar[6].

Um Deus que procura e escuta

A misericórdia de Deus pode ser vislumbrada desde as primeiras páginas do Gênesis. Depois do seu pecado, Adão e Eva se escondem entre as árvores do jardim, porque sentem a sua nudez, e não se atrevem mais a olhar Deus nos olhos. Mas o Senhor sai imediatamente ao seu encontro “e naquele momento começa o exílio longe de Deus, com o pecado, também já existe a promessa do regresso, a possibilidade de regressar a Ele. Imediatamente Deus pergunta: ‘Adão, onde estás?’ Deus procura-o.”[7] O Senhor já lhes anuncia, então, o futuro triunfo sobre a linhagem da serpente, e, inclusive, lhes confecciona umas roupas de peles como manifestação de que, apesar do pecado, o seu amor por eles não se extinguiu[8]. Deus fecha a porta do paraíso às suas costas[9], mas abre no horizonte a porta da misericórdia: “Deus encerrou todos esses homens na desobediência para usar com todos de misericórdia”[10].

No livro do Êxodo, o Senhor atua com decisão para liberar os israelitas oprimidos. Suas palavras a Moisés no episódio da sarça ardente se projetam, como as do Gênesis, por todos os séculos: “Eu vi, eu vi a aflição de meu povo que está no Egito, e ouvi os seus clamores por causa de seus opressores. Sim, eu conheço seus sofrimentos. E desci para livrá-lo da mão dos egípcios”[11].

Que exemplo para nós, que às vezes somos lentos para escutar e colocar em prática o que outros necessitam de nós! Deus é um Pai bom, que vê a tribulação de seus filhos e intervém para dar-lhes a liberdade. Uma vez passado o mar Vermelho, no marco solene do Sinai, o Senhor se manifesta a Moisés como “Deus compassivo e misericordioso, lento para a cólera, rico em bondade e em fidelidade”[12].

Um amor “visceral”

O Salmo 86 repete quase ao pé da letra essas palavras do Êxodo: “Deus miserator (rajum) et misericors (janún), patiens et multae misericordiae (jésed) et veritatis (émet) – Deus bondoso e compassivo; lento para a ira, cheio de clemência e fidelidade –”[13]. Na sua tradução da Bíblia para o latim, São Jerônimo optou por traduzir três conceitos hebreus com três termos que são quase sinônimos, derivados da palavra “misericórdia”.

Realmente, estes conceitos estão entrelaçados, mas cada um deles contribui com uns matizes que convém esmiuçar se queremos apreciar a realidade da misericórdia de Deus, que não se expressa completamente uma só palavra.

DEUS SE ENTERNECE POR NÓS COMO UMA MÃE QUANDO PEGA O SEU FILHO NO COLO, DESEJOSA SOMENTE DE AMAR, PROTEGER, AJUDAR, PRONTA PARA DOAR TUDO, INCLUSIVE A SI MESMA.

O adjetivo rajum (miserator), deriva de réjem, que significa “ventre, entranhas, seio materno” e se utiliza na Bíblia para falar de nascimento de uma criança[14]Rajum descreve os sentimentos de uma mãe pelo ser que é literalmente carne da sua carne. “Pode uma mulher esquecer-se daquele que amamenta? Não ter ternura pelo fruto de suas entranhas? E mesmo que ela o esquecesse, eu não te esqueceria nunca.”[15] Deus “se enternece por nós como uma mãe quando pega o seu filho no colo, desejosa somente de amar, proteger, ajudar, pronta para doar tudo, inclusive a si mesma. Essa é a imagem que este termo sugere. Um amor, portanto, que se pode definir, no bom sentido, como ‘visceral’”[16]. Um amor que sofre especialmente os esquecimentos, desprezos ou abandonos de seus filhos – “Povo meu, responde-me, que te fiz eu, em que te contristei?”[17] – , mas que, ao mesmo tempo, está sempre disposto a perdoá-los e a passar por cima dessa frieza, “porque não guarda sua ira para sempre, e se compraz na misericórdia”[18]. É um amor que se compadece pela lamentável situação em que os filhos possam se encontrar com o passar dos anos – “Vou enfaixar tuas chagas e curar tuas feridas”[19] – , e que não cessa em seus desejos de recuperá-los se os vê afastados. É um amor solícito para proteger os seus filhos se estão sendo assediados ou perseguidos. “Tu, porém, Jacó, servo meu, não temas Israel, não te enchas de pavor! Vou trazer-te da terra longínqua, e livrarei tua raça da terra do exílio. Jacó tornará a viver em segurança, sem que ninguém mais o inquiete.”[20] Uma acolhida cordial e emocionada, receptiva ao mínimo detalhe de carinho: “Todos vós, que estais sedentos, vinde à nascente das águas; vinde comer, vós que não tendes alimento. Vinde comprar trigo sem dinheiro, vinho e leite sem pagar!”[21]. É um amor que nos ensina a preocupar-nos pelos outros, a sofrer com os seus sofrimentos e a alegrar-nos com suas alegrias. A estar realmente próximos de quem nos rodeia, com a nossa oração, interesse, presença... Em resumo, dando o nosso tempo.

Francisco Varo

Tradução: Mônica Diez

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[1] Ex 33,23.

[2] Jo 14, 8

[3] Jo 14, 9

[4] Francisco, BulaMisericordiae vultus (11-IV-2015), n. 1.

[5] Num 6, 24-26

[6] Cfr. Jo 14,27

[7] Francisco, Homilia, 7-IV-2013. Cfr. Gn 3, 9.

[8] Cfr. Gn 3, 14-21

[9] Cfr. Gn 3, 24

[10] Rom 11, 32

[11] Ex 3, 7-8.

[12] Ex 34, 6. Uma expressão quase idêntica se repete em vários lugares da Sagrada Escritura, especialmente nos Salmos 86(85), 15 e 103 (102), 8.

[13] Sal 86 (85), 15.

[14] Por exemplo em Ex 13,2: “Consagrar-me-ás todo primogênito (aquele que abre o ventre materno, réjem) entre os israelitas, tanto homem como animal: ele será meu.”

[15] Is 49,15.

[16] Francisco, Audiência, 13-I-2016.

[17] Mq 6, 3.

[18] Mq 7,18.

[19] Jr 30,17.

[20] Jr 46,27.

[21] Is 55, 1.

 Fonte: https://opusdei.org/pt-br

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF