Diaconisas: quem eram?
Em síntese: São Paulo e antigos documentos da Igreja
referem-se a diaconisas. Eram mulheres de conduta irrepreensível chamadas a
participar dos serviços que a Igreja prestava a pessoas do sexo feminino,
principalmente por ocasião do Batismo (ministrado por imersão). Recebiam o seu
ministério pela imposição das mãos do Bispo, que não conferia caráter
sacramental. – Com a rarefação do Batismo de adultos, foi-se extinguindo a
figura da diaconisa na Igreja a partir do século VI.
Pensando na promoção da mulher em nossos dias, há quem proponha seja ela
chamada ao diaconato, como parece ter acontecido nos primeiros séculos da
Igreja, quando havia diaconisas. Torna-se assim necessário investigar quem eram
as diaconisas da Antigüidade.
1. Fundamentação bíblica
É São Paulo quem se refere às diaconisas em três passagens:
1.1. Rm 16, 1
O Apóstolo está em Corinto, onde escreve uma carta que a diaconisa Febe
da vizinha cidade de Cencréia deverá levar a Roma. Recomenda-a nestes termos:
“Recomendo-vos Febe, nossa irmã, diaconisa da igreja de Cencréia, para
que a recebais no Senhor de modo digno, como convém a santos e lhe assistais em
tudo de que precisar, porque também ela ajudou a muitos, a mim inclusive”.
O Apóstolo não fornece indicação alguma sobre o ministério diaconal de
Febe.
1.2. 1Tm 3,11
“Também as mulheres devem ser respeitáveis, não maledicentes, sóbrias,
fiéis em todas as coisas”.
O contexto mostra que São Paulo não fala das mulheres em geral mas da
categoria das diaconisas, que vêm a propósito na exortação dirigida aos
diáconos Há quem prefira dizer que se trata aí das esposas dos diáconos – o que
parece pouco provável, pois em tal caso o Apóstolo teria escrito: “As suas
esposas…”
1.3. 1Tm 5, 9-11
“Uma mulher só será inscrita na categoria das viúvas com não menos de
sessenta anos, se tiver sido esposa de um só marido, se tiver em seu favor o
testemunho de suas boas obras, criado os filhos, sido hospitaleira, lavado os
pés dos santos, socorrido os atribulados, aplicada a toda obra boa. Rejeita as
viúvas mais jovens; quando os seus desejos se afastam do Cristo, querem
casar-se, tornando-se censuráveis por terem rompido o seu primeiro
compromisso”.
Pergunta-se se tais viúvas eram diaconisas. A resposta mais provável
distingue-as; ao lado das diaconisas (para as quais não havia limite de idade),
estariam viúvas de boa conduta auxiliando a Igreja em funções diversas.
Na tradição encontram-se as duas interpretações: ora viúvas e diaconisas
são identificadas entre si, ora distintas umas das outras, sendo mais freqüente
esta última sentença. Assim, por exemplo, se lê nas Constituições
Apostólicas VI 17, obra datada do século IV:
“Seja assumida como diaconisa uma virgem pura ou ao menos uma viúva fiel
honrada, que se tenha casado uma só vez”.
Ao passo que a diaconisa e instituída pela imposição das mãos, tal gesto
não se aplica às viúvas; cf. ibid. VIII 24.
O apócrifo Testamento de Nosso Senhor Jesus Cristo também
distingue das diaconisas as viúvas: estas recebem a bênção d Bispo e as
incumbências de louvar a Deus nos sábados e domingos, nas festas da Epifania,
da Páscoa e Pentecostes, instruir as catecúmenas, visitar as enfermas, ungir as
mulheres por ocasião do seu Batismo. – Para as diaconisas, resta como principal
função levar a S. Eucaristia aos enfermos.
São estes traços entre outros, que levam a distinguir das diaconisas as
viúvas.
2. A Tradição
O mais antigo testemunho é o de Plínio o Jovem, governador da Bitínia
(Ásia Menor), que, tendo recebido a ordem de prender os cristãos em 112
escrevia ao imperador Trajano ter submetido à tortura duas cristãs honradas com
o título de ministras (ministrae).
Cinqüenta anos mais tarde terá escrito o Papa Sotero (166-175) aos
Bispos da Itália:
“Foi comunicado a esta Sé Apostólica que algumas mulheres consagradas a
Deus e religiosas tomam a liberdade, nas vossas regiões, de tocar nos vasos
sagrados e nas santas palas e de incensar o altar ao redor. Tal prática abusiva
e digna de censura merece a rejeição de todo homem sábio.
Conseqüentemente, no exercício da autoridade desta Santa Sé ordenamos
que essas coisas sejam radicalmente supressas dentro de um prazo mínimo e, a
fim de que não se repitam, mandamos que quanto antes sejam banidas das vossas
províncias” (citado pelo pseudo-Isidoro, Coletânea de leis do século IV).
3. Sacramento: sim ou não?
Para responder a tal pergunta, examinaremos a prece de investidura de
uma diaconisa conforme as Constituições Apostólicas VIII 19s:
“Bispo, tu lhe imporás as mãos com a assistência do presbítero, dos
diáconos e das diaconisas e dirás: Deus eterno, Pai de Nosso Senhor Jesus
Cristo, Criador do homem e da mulher, Vós que enchestes com vosso espírito
Maria, Débora, Ana e Holda, Vós que não quisestes deixar de fazer que o vosso
Filho único nascesse de uma mulher, Vós que no tabernáculo da Aliança e no
templo estabelecestes mulheres como guardiãs de vossas santas portas,
lançai agora um olhar sobre vossa serva que aqui está, destinada ao diaconato.
Dai-lhe o Espírito Santo, purificai-a de toda mancha corporal e espiritual, a
fim de que exerça dignamente o ofício que lhe será confiado, para a glória
vossa e o louvor do vosso Cristo com o qual e com o Espírito Santo Vos seja
dada toda honra e adoração, santamente pelos séculos sem fim”.
Neste texto é importante a referência à imposição das mãos. Esta vem a
ser um gesto polivalente, podendo significar transmissão de graça, de
faculdades, de saúde, de bênção… ou a investidura de uma diaconisa não tem
valor sacramental neste caso, pois nunca na Liturgia e no Direito antigos a
diaconisa foi equiparada ao diácono; a contrario sempre lhe foram vedadas as
funções do diácono e do presbítero, apesar das investidas para exerce-las.
Observa S. Epifânio (+ 403):
“Se no Novo Testamento as mulheres fossem chamadas a exercer o
sacerdócio ou algum outro ministério canônico, a Maria deveria ter sido
confiado, em primeiro lugar, o ministério sacerdotal; Deus, porém, dispôs as
coisas diversamente; não lhe conferiu nem mesmo a faculdade de batizar. Quanto
à categoria das diaconisas, existente na Igreja, não foi destinada a cumprir
funções sacerdotais ou outras similares. As diaconisas são chamadas a
salvaguardar a decência que se impõem no tocante ao sexo feminino, seja cooperando
na administração do sacramento do Batismo, seja examinando as mulheres afetadas
por alguma enfermidade ou vítimas de violência, seja intervindo todas as vezes
que se trate de descobrir o corpo de outras mulheres a fim de que o
desnudamento não seja exposto aos olhares dos homens que executam as santas
cerimônias, mas seja considerado unicamente pelo olhar das diaconisas” (Panarion LXXIX
3).
Como se vê, S. Epifânio, representando a tradição, vê nas diaconisas
auxiliares no trato pastoral das mulheres. Tal ministério fica portanto
claramente distinto do ministério dos diáconos.
Ademais é de notar: o próprio São Paulo estima e recomenda a diaconisa
Febe (Rm 16, 1), mas não queria que a mulher falasse em público na igreja (o
que é incompatível com o diaconato propriamente dito). Ver 1Cor 14, 34s:
“Como acontece em todas as assembleias dos Santos estejam caladas as
mulheres na Igreja, pois não lhes é permitido tomar a palavra. Devem ficar
submissas como diz também a Lei. Se desejam instruir-se sobre algum ponto,
interroguem os maridos em casa; não é conveniente que uma mulher fale nas assembleias”.
Em 1Tm 2, 11s volta a advertência:
“Durante a instrução a mulher conserve o silêncio com toda submissão.
Não permito que a mulher ensine ou domine o homem”.
Quem escreveu tais sentenças, não teria tolerado ver uma diaconisa
pregar o Evangelho. Não há dúvida as restrições feitas pelo Apóstolo às
mulheres são a expressão de uma cultura já ultrapassada; hoje em dia não têm
mais vigência; como quer que seja, contribuem para corroborar a interpretação
que vê, antes do mais, nas diaconisas colaboradoras no serviço pastoral às
mulheres.
Nem por isto a mulher é menos apreciada do que o homem por parte da
Igreja. Tenham-se em vista as palavras do Papa João Paulo II em sua Carta
Apostólica sobre a Dignidade da Mulher nº 26s:
“É de notar que Cristo só chamou homens para serem seus Apóstolos.
Fazendo isto, o Senhor agiu de maneira livre e soberana; não se creia que
Jesus, assim procedendo tenha apenas procurado conformar-se à mentalidade
discriminatória dominante em sua época; Ele não fazia accepção de pessoas (cf.
Mt 22, 16). Em conseqüência somente os doze Apóstolos receberam o mandato:
“Fazei isto em memória de mim” (Lc 22, 19; 1Cor 11, 24). Somente eles na tarde
da Ressurreição receberam o Espírito Santo para perdoar os pecados (cf. Jô 20,
22s). Daí se pode deduzir que o sacramento da Ordem, que perpetua a ação
redentora de Cristo mediante seus ministros, é destinado aos homens apenas,
como aliás já observou a Congregação para a Doutrina da Fé na Declaração Inter
Insigniores de 15/10/76.
O Dom da
Esposa
A mulher participa do sacerdócio universal de todos os fiéis, derivado
dos sacramentos do Batismo e da Crisma. Assim todos têm parte na grande oblação
que Cristo fez de Si mesmo ao Pai no Calvário e que Ele perpetua na Eucaristia.
Na Igreja o que valoriza alguém não é o seu grau hierárquico (embora
tenha significado importante), mas é a santidade. O Concílio do Vaticano II
recordou que na linha da santidade precisamente a mulher Maria de Nazaré é
figura da Igreja Contemporaneamente a Maria e depois dela, numerosas mulheres –
ao lado dos homens – se destacaram por sua santidade ou por seu amor esponsal a
Cristo. Tais foram, entre outras: as mulheres que acompanhavam Jesus durante a
sua vida mortal e estiveram presentes no Cenáculo de Pentecostes (cf. Lc 8, 1-3
At 1, 14; 2, 1-3); as mulheres que tiveram parte na vida da Igreja nascente (a
diaconisa Febe, de Cêncreas, cf. Rm 16, 1; Prisca, cf. 2Tm 4, 19; Evódia e
Síntique, cf. Fl 4, 2; Maria, Trifena, Pérside Trifosa cf. Rm 16, 6-12)… Em
todas as épocas houve mulheres perfeitas (Pr 31, 10), que corajosamente
participaram da missão da Igreja: Mônica mãe de Agostinho, Macrina, Olga de
Kiev, Matilde da Toscana, Edviges da Silésia, Edviges de Cracóvia, Elisabete da
Turíngia, Brígida da Suécia, Joana d’Arc, Rosa de Lima, Elisabete Seaton, Mary
Ward… além das doutoras Santa Catarina de Sena, Santa Teresa de Ávila e Santa
Teresinha de Lsieux.
Também em nossos dias a Igreja não cessa de enriquecer-se com o
testemunho de numerosas mulheres que realizam a sua vocação à santidade. As
mulheres santas são uma personificação do ideal feminino e um modelo para todos
os cristãos”.
Em poucas palavras: o que dá valor a alguém não é o cargo que ocupa, mas
a santidade de vida que essa pessoa leva.
Em suma, tendo em vista ainda outros documentos da Tradição, pode-se
dizer que as diaconisas exerciam funções concernentes às mulheres,
especialmente por ocasião do Batismo, que era ministrado por imersão; era-lhes
atribuído igualmente o encargo de atender aos pobres, aos peregrinos e aos
enfermos, cujas casas elas visitavam; preparavam outrossim os cadáveres de
mulheres para o sepultamento. Embora muito próximas dos diáconos, eram
subordinados a estes; só podiam agir com a aprovação destes. Nas Constituições
Apostólicas VIII 28 lê-se:
“A diaconisa não dá a bênção, nem faz o que fazem os presbíteros e os
diáconos; apenas ela guarda as portas e, quando as mulheres são batizadas, ela
assessora o sacerdote, tendo em vista a decência”.
Registraram-se no decorrer dos tempos tentativas de burlar tais normas.
Daí os numerosos decretos pontifícios e conciliares que proíbem às mulheres
fazer homilias no culto sagrado, o serviço do altar, a administração do
sacramento do Batismo, Ver Didascalia III 5, 6 (obra do início
do século III).
As diaconisas eram solteiras ou viúvas; não lhes era lícito casar-se.
Na medida em que foi declinado o costume de batizar adultos, foi também
perdendo sua razão de ser o diaconato feminino; a partir do século VI no
Ocidente foi-se extinguindo tal instituição; no Oriente a extinção foi mais
lenta visto que aí as diaconisas gozavam de grande estima principalmente em
Constantinopla. Famoso é o caso de Olimpíada no século IV: viúva aos dezoito
anos de idade, recusou todas as propostas do imperador Teodósio; tornou-se
amiga de São João Crisóstomo, que ela muito ajudou, compartilhando suas labutas
e distribuindo aos pobres da diocese elevada quantia de dinheiro; foi-lhe
solidária as tribulações, aceitando ser perseguida com ele reconfortou-o no
exílio, vindo a falecer em 410, discípulas e colaboradoras de São João
Crisóstomo foram também as diaconisas Prócula e Pentádia, a quem ele dirigiu
várias cartas. Sejam citadas ainda Anastácia, que manteve intercâmbio epistolar
com o Patriarca Severo de Antioquia; Macrina, irmã de São Basílio e São
Gregório de Nissa (mulher tida como muito bela, que recusou quanto se lhe
oferecia, para dedicar-se totalmente ao serviço do Senhor); tinha uma amiga
chamada Lampádia, que lhe seguiu as pegadas. No século VI foi muito estimada a
diaconisa Basilina.
Acontecia que as esposas de altos dignitários eclesiásticos eram
obrigadas pelos cânones sagrados a receber o diaconato ou, ao menos, a não
contrair novas núpcias em caso de viuvez (recebiam então o diaconato); tal foi
o caso de Teosébia, esposa de S. Gregório de Nissa (que se casara com ela antes
de receber o presbiterato).
Ultimamente têm-se realizado Cursos destinados a preparar mulheres para
uma eventual ordenação. – A Santa Sé, porém, declarou não terem propósito tais
Cursos, visto que a Igreja não pensa em satisfazer a tal objetivo.
D. Estevão Bettencourt, osb.
Nº 500, Ano 2004, Página 76.
Fonte: http://www.pr.gonet.biz/index-catolicos.php
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